Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

México, e a primeira visita internacional ao sul do presidente Andrés Manuel López Obrador

(Foto: The White House/Washington, DC)

De 5 a 8 de maio de 2022, Andrés Manuel López Obrador (AMLO) saiu das fronteiras de seu país. Ele visitou rapidamente os seguintes países: Guatemala, Salvador, Honduras, Belize e Cuba em questão de horas. O deslocamento antilhano e centro-americano, do líder dos Estados Unidos do México, é simultaneamente lógico e excepcional. 

Lógico, na medida em que AMLO declarou publicamente, várias vezes, o seu compromisso com a unidade das Américas. Excepcional, uma vez que, desde 1º de dezembro de 2018, data da sua tomada de posse, viajou apenas três vezes, apenas aos Estados Unidos da América do Norte. AMLO é um presidente que rompeu com os rituais diplomáticos de seus antecessores. Fiel à sua ética, considera que visitar os seus homólogos custa caro e que esse dinheiro deve ser usado de uma melhor e mais proveitosa forma em benefício dos mais humildes. 

Assim que chegou ao poder colocou à venda o avião presidencial e a frota aérea ministerial. A decisão permaneceu virtual, pois o avião não recebeu propostas de compradores. AMLO, no entanto, pode com isso validar publicamente a sua imagem de quem se recusa desperdiçar dinheiro dos impostos com “turismo” político. O seu antecessor, Enrique Peña Nieto, que se deslocava constantemente acompanhado de dezenas de pessoas, já tinha sido alfinetado pela imprensa a esse respeito. 

Apesar de suas escolhas e modos de visita desses países, AMLO nunca se interditou de proferir os ideais americanistas, historicamente construídos e basilares do nacionalismo mexicano, este forjado a ferro e a fogo frente as invasões estrangeiras, espanholas, americanas e francesas. Ele disse e repetiu aos que assistiram, em 18 de setembro de 2021, na Cidade do México, à VI Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e das Caraíbas (CELAC). Ele expressou isso a cada um que bateu a sua porta. Os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, da Bolívia, Evo Morales e Luis Alberto Arce, da Colômbia, Ivan Duque, de Cuba, Miguel Dias Canel, do Chile, Sebastian Piñera, do Equador, Lenin Moreno e Guilhermo Lasso, da Guatemala, Alejandro Giammattei Falla, de Honduras, Juan Orlando Hernández Alvarado, do Paraguai, Mario Abdo Benítez, do Peru, Martín Vizcarra, de El Salvador, Salvador Sánchez Cerén e Nayib Bukele, do Uruguai, Luis Lacalle, da Venezuela, Nicolas Maduro. Inclui-se nesta lista o Brasil, com a visita de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente brasileiro e candidato às eleições de 1 de outubro de 2022. 

Visitar cinco países da América Latina, embora tardiamente, foi a coisa certa a se fazer. AMLO reconheceu que precisava reequilibrar a sua agenda externa. Após três viagens aos Estados Unidos, disse em 10 de janeiro de 2022: “Quero muito visitar nossos irmãos mais próximos. Sinto muita falta do Sul.”. E ele o fez, como vimos, pouco antes de realizar uma nova viagem a Los Angeles, onde se realizaria nos dias, de 6 a 10 de junho, a 9ª Cúpula das Américas. Essas alternâncias aéreas e diplomáticas levantaram perguntas. Alguns observadores internacionais enfatizaram a parte sul desses deslocamentos, de modo a localizar AMLO como membro nato de um espaço bolivariano e latino-americano militante. Outros criticam a contradição que existiria entre um discurso voluntariamente anti-imperialista e uma política externa amável e dócil com respeito a Washington e a seus presidentes. 

Os fatos impõem uma dupla verdade. AMLO é ao mesmo tempo nacionalista em propósitos, por vezes em atos, e pragmaticamente conciliador com os Estados Unidos, tanto em atos quanto, muitas vezes, em palavras. Em Cuba, AMLO defendeu a legitimidade da presença de Havana na Cúpula das Américas, e que havia sido excluída por Joe Biden. Na Guatemala, em El Salvador, Honduras e Belize ofereceu uma ajuda financeira, em parceria com os Estados Unidos, a fim de tentar reduzir as ondas de migrantes dessas nacionalidades em marcha para o Rio Grande, em direção à fronteira do México com os EUA. Aliás, AMLO se colocou com frequência no lugar de “estrangeiro próximo”, familiar, posição que sempre foi considerada importante ocupar pelas autoridades mexicanas precedentes, quer aquelas do período imperial, como do período republicano ou, mais recentemente, do Partido de Ação Nacional (PAN), do Partido da Revolução Institucional (PRI) e, hoje, do Movimento de Renovação Nacional (MORENA). 

Este tipo de visita internacional ao Sul, embora excepcional, tem, portanto, forte ressonância interna. De 5 a 8 de maio de 2022, AMLO visitou um desses países considerados um estrangeiro limítrofe, interferindo assim na relação do México com os Estados Unidos. Washington, que procura reduzir os fluxos migratórios centro-americanos e mexicanos, exerce de forma perene uma pressão constante sobre o México, incitando-o ao policiamento de suas fronteiras norte e sul. 

A viagem de AMLO a esses países foi preparada de modo combinado com a Casa Branca e a Secretaria de Estado dos Estados Unidos. Os dois governos, após várias reuniões preparatórias, anunciaram em 1 de dezembro de 2021 um plano conjunto de ajuda à América Central chamado Sembrando Oportunidades (Semeando oportunidades). AMLO visitou os seus vizinhos, juntamente com seus Ministros de Fronteiras, de Relações Externas, de Defesa e da Marinha Militar. O México informou que aceitará receber cubanos e nicaraguenses expulsos dos Estados Unidos. AMLO, no entanto, lembrou Washington da necessidade de compensar financeiramente, e de modo significativo, essa contrapartida policial exigidas do México e dos países centro-americanos.

AMLO, por outro lado, reafirmou a sua concepção americana de integração. O México é um país que procura instrumentalizar positivamente as suas fraquezas, desempenhando o papel de um país de fronteira, de mediação, entre os Estados Unidos e a América Latina. Esta abordagem é coerente com o seu empenho no reforço da Aliança do Pacífico, organização de livre comércio criada pelos presidentes mundialistas do México, da Colômbia, do Peru e do Chile em 2011. AMLO, com a eleição de Gabriel Boric no Chile, enviou a Santiago o seu secretário de Estado, Marcelo Ebrard, em 5 de janeiro de 2022, para assinalar a importância desta Aliança. Todo esse cenário permite contextualizar a sua expectativa premente de ver Cuba se juntar à Conferência das Américas, já em junho de 2022, em Los Angeles.

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Texto publicado originalmente em francês, em 13 de maio de 2022, na seção ‘Analyses’, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Mexique, première sortie internationale du président Andrés Manuel López Obrador (AMLO)”. Disponível em: https://www.iris-france.org/167598-mexique-premiere-sortie-internationale-du-president-andres-manuel-lopez-obrador/ . Tradução de Edson Santos de Lima e Denise Ap. de P. R. Leppos. Revisão Luzmara Curcino.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.