Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Milei está mais para rainha da Inglaterra do que para anarcocapitalista

Argentina está sendo governada pelo ex-presidente Macri? Foto: Reprodução

Um filme ao qual os brasileiros já assistiram. Agora é a vez dos argentinos. Os apoiadores do recém-empossado presidente Javier Milei, 54 anos, pretendem transformá-lo em uma rainha da Inglaterra, que “governa, mas não manda nada”, uma antiga expressão usada nas redações para designar uma figura decorativa no poder. Tentativa semelhante foi feita no Brasil por apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro, 68 anos (2019 a 2022). Eles falharam e Bolsonaro demitiu 11 generais, entre eles o chefe da Secretaria de Governo Carlos Alberto Santos, em 2019, e o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, em 2021. Além de um punhado de ministros civis, como o médico Luiz Henrique Mandetta, em 2020, ex-ministro da Saúde. Só ficou no governo quem concordou com o presidente, que começou a articular um golpe de estado no dia seguinte ao início do seu mandato. Há uma frase que sintetiza toda essa situação, proferida pelo então ministro da Saúde, o general da ativa do Exército (na época) Eduardo Pazuello. “É simples assim: uns mandam e outros obedecem”. Falei sobre essa situação no início do mandato do ex-presidente, no post de dia 27 de abril de 2019 O presidente Bolsonaro virou rainha da Inglaterra?.

O destino do ex-presidente e dos seus apoiadores é conhecido. Bolsonaro deixou a história política para entrar na policial. A história de Milei recém está começando. Ele tomou posse no último domingo (10/12). Vamos aos fatos. Durante a sua campanha, o novo presidente argentino se declarou fã da ex-primeira-ministra da Inglaterra Margaret Thatcher (1925 a 2013), a Dama de Ferro, que governou os britânicos de 1979 a 1990. Ela entrou na história por dois motivos. O primeiro por ter derrotado as Forças Armadas da Argentina em 1982, na Guerra das Malvinas, um longínquo arquipélago no Atlântico Sul que é alvo de disputa entre os dois países desde o início do século 19 e que os generais argentinos tentaram retomar na mão grande. O segundo motivo foi ter desmontado os sindicatos ingleses e privatizado várias empresas, colocando a economia do Reino Unido entre as seis mais importantes do mundo – há matérias na internet. Milei fez vistas grossas para a surra dada pelos soldados da Thatcher nas tropas do seu país, numa derrota que precipitou a queda do regime militar argentino (1976 a 1983). Enalteceu a reforma liberal que a Dama de Ferro fez na economia britânica. Thatcher foi radical na transformação da economia do Reino Unido, como conta a história que pode ser encontrada na internet. Milei propôs para os argentinos ser ainda mais radical. Ele se diz anarcocapitalista, uma filosofia política que defende a presença mínima do estado na economia. Entre as ousadas medidas propostas por ele estão: fechar o Banco Central, romper relações comerciais com os dois maiores parceiros comerciais da Argentina, Brasil e China, e dolarizar a economia do país.

Considerando que o novo presidente não tem votos suficientes no Congresso para passar qualquer medida, como ficaria a situação? A solução veio por um dos apoiadores de Milei que até então estava nas sombras, o grupo político do ex-presidente Mauricio Macri, 64 anos, que governou o país de 2015 a 2019. Atualmente, nas redações dos jornais em Buenos Aires existe a crença de que Macri é quem governa o país. Os principais postos da área econômica são ocupados por seus seguidores. Na segunda-feira (11/12), ele esteve em um debate com empresários em São Paulo, quando declarou que Milei não causaria problemas para o presidente do Brasil, Luiz Lula da Silva (PT). O trunfo de Macri no governo Milei é a sustentação política que pode dar no Congresso. Os jornalistas também devem prestar atenção na vice-presidente Victoria Villarruel. Durante a campanha, ela falou não uma, mas várias vezes, que a única maneira das propostas anarcocapitalistas de Milei serem implantadas seria derrubar o regime democrata e implantar uma ditadura militar. Ela está falando sozinha? Dificilmente, porque é parente de militares e sempre defendeu aqueles que se envolveram no golpe de estado de 1976. No início, a proposta de Villarruel pareceu maluquice para a imprensa argentina e a brasileira. Mas não é. É sério o que ela fala. Mesmo com o apoio de Macri, dificilmente os parlamentares aceitarão as propostas malucas do presidente, como acabar com o Banco Central. Mais um fato: a maioria dos argentinos votaram em Milei porque ele prometeu, durante a campanha, dolarizar a economia. Só conseguir cumprir essa promessa será um milagre. O que significa que o povo vai para a rua protestar. Milei pode cair. Se cair, a sua vice assume.

Claro, existe outra opção. O presidente da Argentina se livrar dos grupos políticos que o apoiaram, ir contra as suas propostas radicais para a economia e se acertar com o Congresso. Foi o caminho percorrido por Bolsonaro, que retirou do seu governo os que não apoiavam a sua proposta de dar um golpe de estado e inventou para o Congresso as tais “emendas parlamentares secretas”, um orçamento que colocou bilhões de reais à disposição dos senadores e deputados federais. Ele concorreu à reeleição e foi derrotado por Lula. Uma semana depois da posse de Lula, em 8 de janeiro, seguidores do ex-presidente tentaram dar um golpe de estado quebrando tudo que encontraram pela frente do Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF). Acabou com todo mundo preso. Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à inelegibilidade de oito anos. Qual caminho será escolhido por Milei? Saberemos nos próximos seis meses. Se demorar tanto assim.

A reportagem publicada originalmente em “Histórias Mal Contadas”

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.