Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A TV nossa de cada dia

Os estudos do Telejornalismo ainda apresentam um número pequeno de pesquisas e publicações diante da importância do tema. Os telejornais são hoje a principal fonte de informação da sociedade brasileira: mais barata, mais cômoda e de fácil acesso. Além disso, tanto dos alunos de Graduação como os de Pós-Graduação dispõem ainda pequena e com poucos títulos sobre o assunto.

Esse foi o ponto de partida da idéia central do livro Telejornalismo, a nova praça pública, reunindo artigos de oito jornalistas e professores do Brasil e de Portugal que procuram aproximar a experiência prática do mercado de trabalho com as reflexões e pesquisas que se desenvolvem nas universidades brasileiras sobre o telejornalismo. Os autores possuem vivência em ambos os lados, o de fazer, estudar e pesquisas a TV nos Programas de Pós-Graduação do qual fazem parte. A preocupação central dos artigos é estabelecer aproximações dos estudos que estão sendo realizados desde as rotinas produtivas até a mídia como um lugar que contribui para a construção social da realidade.

O telejornalismo ocupa hoje um lugar central na vida dos brasileiros. Dentro desse contexto os autores procuram refletir como as notícias televisivas contribuem no aperfeiçoamento da democracia brasileira tanto sobre os aspectos sociais, políticos e econômicos. O objetivo dos pesquisadores foi compartilhar os resultados de suas pesquisas acadêmicas, disponibilizando artigos e textos que possam ser utilizados por quem faz, estuda, ou apenas assiste e quer entender melhor a televisão nossa de cada dia.

Velocidade e visibilidade

A idéia de lançar este livro surgiu no final de 2005, quando foi criada a rede de pesquisa em telejornalismo, resultado das discussões teóricas realizadas durante o III Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, em Florianópolis, (SC). A história do núcleo nasceu de uma proposta da professora Beatriz Becker já no encontro de fundação da SBPJor, em Brasília (DF), em 2003.

No ano seguinte, em Salvador (BA), a proposta avançou com a apresentação de trabalhos sobre telejornalismo pelos professores Alfredo Vizeu e Iluska Coutinho. Em 2005 a rede materializou-se na forma de uma comunicação coordenada que procurou discutir, debater e trocar experiências sobre a pesquisa do telejornalismo. Professores de universidades do Brasil e de Portugal, que estudam e ensinam a fazer jornalismo em televisão, aceitaram o desafio de materializar através deste livro suas propostas de pesquisas sobre o telejornalismo nos dois países.

No artigo ‘Telejornalismo: das rotinas produtivas a audiência presumida’, Alfredo Vizeu, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), analisou como as rotinas de produção influenciam os jornalistas no momento de decidir se uma notícia deve ou não entrar em um telejornal. E procurou entender como eles procuram atrair a atenção do público para os assuntos que noticiam, utilizando o conceito do que ele denomina de ‘audiência presumida’. Para Vizeu, os jornalistas constroem antecipadamente a audiência a partir da cultura profissional da organização do trabalho, dos processos produtivos, dos códigos particulares (as regras de redação), da língua e das regras do campo das linguagens para, no trabalho da enunciação produzirem discursos.

Em ‘Imagem e velocidade: os desvios de origem na dupla condenação da TV’, Sílvia Moretzsohn, da Universidade Federal Fluminense (UFF), chama a atenção para a relação entre velocidade e pensamento que inviabiliza a televisão como meio para a reflexão e o esclarecimento do público. Segundo a autora, a condenação à televisão incorpora esses dois elementos: velocidade – a urgência do ‘ao vivo’ e do ‘tempo real’ – e a visibilidade como obstáculos à reflexão’. Moretzsohn afirma que se a televisão não existisse seria preciso não inventá-la. Trazendo para os dias de hoje, a sentença condenatória de Balzac em relação à imprensa.

Convivência lucrativa

No artigo ‘500 anos do Descobrimento nos noticiários da TV’, Beatriz Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), assinala que os telejornais funcionam como experiências únicas, cotidianas e coletivas de representação e construção da realidade, refletindo e interferindo na expressão das identidades nacionais. A autora destaca que a TV ocupa um lugar de fundamental importância na representação das identidades nacionais. Observa que ao agir sobre o cotidiano a TV produz efeitos de unificação de laços sociais e afetivos, com poderes muitas vezes maiores que a família, a igreja, a escola e a polícia, já assumindo o lugar do Estado, como defensora dos direitos públicos, principalmente no espaço dos noticiários.

No artigo ‘O gesto e a palavra: representações sobre cidadania no telejornal’, a Célia Ladeira Mota, da Universidade Nacional de Brasília (UnB), examina, a partir de um gesto e uma palavra, a produção de significados sobre a cidadania brasileira. Analisa reportagens sobre a identificação de turistas norte-americanos nos portos e aeroportos do Brasil, no ano de 2004, em represália ao tratamento dispensado a brasileiros nos Estados Unidos. Um exemplo é o caso de um piloto de uma empresa aérea dos Estados Unidos que durante os procedimentos de identificação adotados pelas autoridades brasileiras reagiu com um gesto obsceno.Célia diz que a questão central a ser discutida é a espécie de cidadania praticada no Brasil e como a mídia a representa.

No trabalho ‘TV e poder: as relações sombrias que ajudam a fazer a história recente do Brasil’, Flávio Porcello, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta a profunda relação que existe entre poder e mídia, especialmente a TV, no Brasil. Com exemplos de favores obtidos em troca de concessões da canais de TV, mostra que há uma constante e sistemática troca de benefícios e favores entre os dois lados – poder e mídia – que, até por força dessa profunda relação, acabam quase sempre ficando do mesmo lado. Porcello ressalta também que é preciso investigar em profundidade a lucrativa convivência entre governos e emissoras que assegura aos donos do poder o uso permanente da mídia como espaço público para o uso político de defesa de seus escusos interesses.

Aprofundamento da pesquisa

Em ‘A construção telejornalística sob o olhar processual’, Aline Grecco, da Universidade Católica de Pernambuco, observa que a produção de um telejornal é apresentada como um processo comunicativo complexo, conseqüência de uma intrincada construção autoral coletiva. Assinala que um noticiário reúne vários atos comunicativos em diferentes graus: do jornalista com ele mesmo, com outros profissionais e com o público telespectador. Sublinha que o programa jornalístico de notícias em TV indica é um discurso sobre fatos que se transformam em notícias, ou melhor, em signos notícias. Grecco afirma que a fita de áudio e vídeo pode trazer as marcas de experiências de imagens produzidas pelo cinegrafista, ou as entonações experimentadas pelo repórter para a leitura do seu texto.

De Portugal vem a contribuição do pesquisador João Carlos Correia, da Universidade da Beira Interior, em Portugal, com seu artigo ‘Regresso ao `Arrastão de Lisboa´: reflexões sobre a epistemologia do jornalismo’. No trabalho, Correia assinala que em contraste com todo um passado que configurou a imagem do português (branco, latino, católico, crente em Fátima) Portugal viu-se também confrontada com as migrações provenientes dos novos países de língua portuguesa formados na descolonização e com as transformações associadas a fenômenos como sua entrada na União Européia, com o conseqüente processo de chegada da sociedade de consumo fácil e do crédito barato. Correia trata da intensificação da imigração proveniente do Brasil, do Leste Europeu e da Ásia, observando que isto contribuiu para uma completa alteração da identidade, confrontando o português com perplexidades difíceis de assimilar seja quanto à sua dimensão como Nação, seja quanto à sua chamada ‘vocação histórica’ como país, seja quanto aos seus costumes.

A Rede de Pesquisa em Telejornalismo vinculada a SBPJor não se esgota neste livro e nem está limitada apenas aos autores que nele escrevem. Este é apenas o primeiro de muitos passos que deveremos dar em direção ao aprofundamento da pesquisa acadêmica para a uma melhor qualidade do ensino do jornalismo. O resultado desse passo inicial chega agora às suas mãos. O caminho a percorrer é longo e desafiador, mas esperamos que essa seja a primeira de várias edições que avancem na busca deste objetivo comum, o de reunir material com substância teórica em tom didático sobre os estudos de jornalismo da TV.

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Jornalista e professor de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul