Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Com os olhos no mundo

Neste momento da história humana em que a economia, a política, a ciência e a cultura em cada sociedade dependem, como jamais antes, do que acontece além das fronteiras nacionais e da interdependência entre os países, em todos os aspectos se torna mais evidente e relevante do que nunca a importância do correspondente estrangeiro de grandes meios de comunicação. Assim sendo, esta deveria ser sua era de ouro, tornando-se igualmente ostensiva. Entretanto a realidade não é essa.

A ocupação do jornalista que anda pelo mundo para reportá-lo está entre as mais típicas da era da globalização, ao lado da do executivo de negócios, do diplomata, do cientista, do acadêmico, do artista e do atleta. E, entre esses, o correspondente tem um papel especial, porque seus relatos de diversos países ajudam a formar a consciência do mundo nas pessoas que não viajam muito para o exterior, mas são afetadas pela globalização de qualquer modo.

Assim como os jornais no início do século XIX ajudaram a tornar os habitantes de cidades e vilas membros de uma comunidade nacional (conforme a tese do cientista político Benedict Anderson), os meios de comunicação atuais ajudam a transformar cidadãos nacionais em cidadãos globais, graças, em grande parte, ao trabalho de seus correspondentes internacionais. No entanto, este também é o período em que veículos tradicionais do jornalismo ocidental enfrentam dilemas estruturais sem precedentes e dificuldades financeiras que constrangem muito sua capacidade de manter repórteres permanentemente em cidades distantes de sua sede para atender a uma demanda do público que é menos intensa do que a existente por informação sobre assuntos nacionais, os quais são cobertos sem as despesas que a correspondência internacional exige.

O início do século XXI, quando a globalização chega ao apogeu, é assim, contraditoriamente, o período em que a necessidade da atuação dessa categoria de jornalista é, em princípio, mais urgente e justificável, mas também em que ela se tem contraído como raramente antes, devido à impossibilidade de as empresas darem conta de seus elevados custos. Esse é um fenômeno verificado não apenas no Brasil, mas em quase todos os países do Ocidente, inclusive os da Europa e os EUA.

Trabalho solitário

Em retrospectiva, pode-se afirmar que a fase áurea do correspondente internacional foram os anos de 1930 a 1960, quando os veículos de comunicação faturavam alto, o interesse do público pelas notícias das guerras – quentes e frias – era intenso, o culto às celebridades de outros países estava em formação e atraía bastante a curiosidade de massas ávidas por imagens e rumores que não eram acessíveis a qualquer pessoa com poucos cliques no computador ou no telefone celular, como agora o são. Infelizmente para os jornalistas brasileiros, o estágio de evolução da indústria cultural (a jornalística em particular) naquela época ainda era relativamente incipiente; poucos veículos dispunham dos recursos para manter correspondentes no exterior.

Assim, o período de apogeu da correspondência internacional não foi desfrutado com a mesma intensidade no Brasil, onde os melhores momentos dessa atividade vieram com a consolidação da indústria da comunicação (mais ou menos do fim dos anos 1960 até o início da década de 1990), quando, no entanto, algumas das circunstâncias econômicas, materiais, tecnológicas que levaram ao declínio paulatino da correspondência internacional nos países centrais do capitalismo já apareciam e influíam sobre as práticas da indústria em todo o mundo, aqui inclusive.

É desses primeiros tempos que vem a imagem glamorosa e romântica que até hoje marca a figura do correspondente internacional na imaginação coletiva do público. Ele era vivido em filmes de sucesso por astros em situações quase sempre charmosas e atraentes (no aspecto pessoal) e decisivas e arriscadas (do ponto de vista político). Alguns correspondentes já haviam se tornado pessoas famosas antes de 1930, tanto nos países para onde escreviam quanto nos em que atuavam. Mas isso foi muito mais frequente nas três décadas seguintes.

A simples enumeração de nomes de pessoas que exerceram a atividade profissional ou amadoristicamente já é suficiente para levar seus praticantes às raias da glorificação: de Benjamin Franklin a Winston Churchill, de Jack London a Georges Clemenceau, de Rubem Braga a Paulo Francis, grandes escritores, políticos, diplomatas foram correspondentes estrangeiros em algum momento de suas vidas e em diversas fases da história e ajudaram a criar a mitologia de que muitos praticantes inexpressivos dessa atividade se nutrem para se encher de grandeza e suposta importância.

A prática do jornalismo no exterior, de fato, amplifica as características e os problemas da profissão, e, por isso, entre outras razões, ela merece atenção e estudo, que, paradoxalmente, são raros na literatura específica. A correspondência internacional é a mais cara de todas as funções de jornalista. A que dá mais dificuldades para os editores (porque estes estão distantes do local dos fatos e não conseguem exercer o mesmo tipo de controle que têm sobre os repórteres locais) e exige de quem se propõe a praticá-la traços de personalidade e formação intelectual nem sempre necessários em coberturas em seu próprio país.

Ele (ou ela) precisa dominar perfeitamente pelo menos outra língua além da materna, por exemplo. E tem de compreender a fundo o sistema político, econômico, social e cultural tanto da nação que o hospeda quanto da sua. Diferentemente do que ocorre na sede do seu veículo, onde em geral o jornalista se especializa numa só área e a ela se atém pelo menos por algum tempo, o correspondente internacional quase sempre trabalha sozinho e tem de fazer e saber de tudo.

Chatice insuportável

Fui correspondente estrangeiro três vezes, em situações bem distintas entre si, sempre nos EUA. Na década de 1970, enquanto estudava para obter um título de mestrado na Michigan State University, trabalhei para os jornais Diário de S. Paulo e Diário da Noite, do grupo Diários Associados. Nos anos 1980, quando fazia um trabalho de pesquisa no Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington, para a Folha de S.Paulo. E, ao longo de quase toda a década de 1990, fui o correspondente sênior da Folha em Washington, de onde também mandava despachos para a seção brasileira da bbc de Londres. Exerci ainda, dezenas de vezes, fora do Brasil, a função de enviado especial, a qual Clóvis Rossi, um dos grandes correspondentes brasileiros de todos os tempos, chama de ‘primo-irmão do correspondente’.

Samuel Rachlin, que foi correspondente da TV2 da Dinamarca em Washington na mesma época que eu, dizia (e chegou a publicar essa opinião nada modesta na revista acadêmica Nieman Reports na edição do outono de 2006) que ‘os melhores e mais brilhantes vão para os EUA’. Rachlin poderia ser mais comedido diante da realidade. Nem todos os colegas com quem convivi poderiam ser descritos como ‘melhores e mais brilhantes’ (certamente nem mesmo eu). Mas ele está certo quando afirma que, ‘para um jornalista, a América é uma terra de oportunidades infinitas’.

Muitos profissionais puderam comprovar a veracidade dessa afirmação. Em 1999, havia cerca de duas mil pessoas de 98 países que se classificavam como correspondentes de veículos jornalísticos nos EUA. Mas menos de 500 se encaixavam na definição de correspondente internacional que será usada neste livro e que será explicada mais adiante. Eu conheci centenas de pessoas que foram correspondentes nos EUA. Não me lembro de nenhuma que não tenha expressado opinião similar à de Rachlin, mesmo quando faziam severas críticas ao sistema político e econômico do país. Naqueles anos nos EUA, cobri desde eventos diplomáticos históricos (como o encontro de Yasser Arafat com Yitzhak Rabin mediado por Bill Clinton na Casa Branca) a crimes hediondos (como o caso O. J. Simpson), entrevistei grandes intelectuais, como Jorge Luis Borges e Carlos Fuentes, e vítimas de pequenas grandes tragédias, como os pais de uma brasileira morta em acidente de trânsito em Washington provocado por um diplomata georgiano embriagado. Escrevi sobre negociações de acordos comerciais, jogos de copa do mundo de futebol, artistas de cinema, grupos de rock, exposições de artes plásticas, descoberta de planetas, eleições presidenciais, visitas de prefeitos, governadores e presidentes brasileiros a Washington.

Entrevistei mais ou menos 60 chefes de Estado ou governo. A lista de tarefas que cumpri é imensa e muito diversificada. Mas nunca fiz o gênero mais popular do correspondente e do enviado especial: a cobertura de guerra. O mais perto de que cheguei de um conflito armado foi na Semana Santa em 1987, em frente a um quartel em Buenos Aires tomado por militares (os ‘caras pintadas’) que se haviam rebelado contra o governo civil de Raúl Alfonsín; houve uma troca de tiros entre as tropas leais ao regime e os amotinados no quartel, que presenciei por trás dos soldados legalistas. Não lamento que meu currículo contenha essa omissão. Não tenho em minha personalidade as muitas qualidades que caracterizam a do correspondente de guerra típico (destemor físico, tolerância ao risco de ferimento grave, arrojo, gosto por descarga de altas doses de adrenalina).

É claro que nem tudo que fiz foi feito com muito prazer nem com grande competência. Ao contrário do que a maioria das pessoas possa supor, esse trabalho aparentemente sem rotina também se transforma numa rotina, que pode ser massacrante, já que o correspondente estrangeiro não tem tema fixo nem descanso e até mesmo um furacão se torna algo conhecido depois do terceiro ou quarto, que dirá uma reunião de cúpula presidencial.

Os fatos ocorrem 24 horas por dia, 7 dias por semana e 365 dias por ano. Não foram poucas as vezes em que fui acordado de madrugada por um editor porque alguma coisa havia acontecido e era preciso obter informação imediata (da queda de um avião com um empresário brasileiro supostamente a bordo à morte de um cantor de dupla sertaneja num hospital nas imediações de Washington).

Lembro-me de um colega, nos tempos em que estar ligado no mundo não era tão simples como é agora – com telefones inteligentes e computadores cada vez menores –, que passava todo o tempo que estava acordado se informando: despertava com o rádio sintonizado no noticiário, tomava banho ouvindo um transistor dentro do chuveiro e café da manhã com a TV em frente a ele, ia para o escritório com o rádio do carro sempre nas emissoras só de jornalismo, trabalhava o tempo todo com a CNN à sua frente e fazia o trajeto todo ao inverso nas mesmas condições para dormir, com o locutor ainda lhe contando o que acontecia.

Passei muitas horas sob neve, chuva, sol ou luar na porta da embaixada brasileira, por exemplo, à espera da saída de Lady Di para as compras (quando estava muito frio, a embaixatriz Lúcia Flecha de Lima fazia a gentileza de pedir ao garçom que nos levasse café e pão de queijo), ou mesmo na frente da sede do FMI (antes de 11 de setembro de 2001; depois, isso se tornou impossível), no aguardo de um dos muitos ministros da Fazenda que negociaram a dívida externa brasileira (ou, às vezes, do secretário do Tesouro americano, que era a sua contraparte, como James Baker III, com quem cometi a façanha imprudente de entrar ao mesmo tempo que ele em sua limusine para que completasse uma resposta deixada pela metade).

Pode parecer emocionante, mas com frequência era simplesmente uma chatice insuportável e irritante, especialmente quando os anos de vida já vinham se acumulando um pouco demais da conta e deixavam sua presença clara por meio de dores constantes nas articulações. De vez em quando, ali, em pé, sujeito às intempéries, via passar um ônibus escolar e pensava o que meu filho pensaria de mim se me visse ali naquela situação.

Reflexão e confronto

Este não é um livro de memórias de um jornalista veterano. Algumas serão eventualmente usadas para ilustrar teses mais gerais que pretendo desenvolver sobre a história, as tipicidades, a relevância, as exigências do trabalho do correspondente internacional no mundo e no Brasil. Casos de colegas brasileiros ou estrangeiros com quem convivi, ou a respeito de quem li ou ouvi também serão contados para corroborar ou contestar hipóteses gerais sobre o tema.

Ao relatá-los, me esforçarei ao máximo para ser fiel às lembranças que tenho dos fatos (na maior parte das vezes, não disponho de registros para comprová-los), para ser discreto quando envolverem outras pessoas e para não incorrer no horrível vício do cabotinismo (autoelogio), comum entre correspondentes internacionais e jornalistas em geral.

Também para ajudar o leitor a compreender essa dinâmica, vou me deter mais longamente em dois casos paradigmáticos da história dos correspondentes: os de John Reed, que cobriu a formação da União Soviética, e de William Schirer, que testemunhou o nascimento do Terceiro Reich. Escolhi esses dois ícones do jornalismo porque eles ajudaram a formar na consciência coletiva de muitos países, inclusive no Brasil, as opiniões sobre dois dos mais importantes fenômenos políticos da história mundial.

Nos anos 1930 e 1940, parte da era áurea da correspondência internacional, muitas pessoas engajadas em política achavam que só tinham diante de si duas alternativas: o nazismo, para conquistar o mundo, ou o comunismo, para salvá-lo. Reed e Schirer contribuíram para essas atitudes se formarem. E foram grandes correspondentes, cada um a seu modo e com o seu estilo, que merecem ser conhecidos.

Além de livros e artigos, também vou recorrer a alguns filmes famosos que tiveram correspondentes internacionais como seus personagens principais, indo de Correspondente internacional, de Alfred Hitchcock, 1940, até O preço da coragem, de Michal Winterbottom, 2007. A representação cinematográfica do correspondente internacional tem muito a ver com a imagem romântica que se tem da função. Cary Grant, Clark Gable, Errol Flynn, Gregory Peck, Humphrey Bogart, James Stewart, Spencer Tracy foram alguns dos galãs que os viveram nas telas, onde eram pares de estrelas como Claudette Colbert, Deborah Kerr, Ginger Rogers, Hedy Lammar, Joan Crawford, Lana Turner. Quem não acharia o máximo ser correspondente internacional quando se retratava esse tipo de gente?

Correspondente internacional vai ser aqui considerado como o jornalista sediado em um país que não o seu de origem com a missão remunerada de reportar fatos e características dessa sociedade em que vive para uma audiência da sua nação materna por meio de um veículo de comunicação. O enviado especial, embora faça quase exatamente isso, em geral, viaja por períodos curtos e com a missão de cobrir um evento específico e, assim, não se enquadra como correspondente internacional.

Já o correspondente de guerra entra na categoria porque, apesar de cobrir um evento específico, permanece em campo, em geral, por períodos longos. Vou navegar em águas quase inóspitas. Não é muito grande, nem no exterior nem muito menos no Brasil, a literatura teórica sobre o correspondente internacional e sua prática. Quase tudo o que foi publicado sobre eles pertence ao gênero memorialista, em especial autobiográfico, em que fatos são descritos de maneira geralmente hiperbólica, idiossincrática e pouco documentada. Fora isso, há algumas tentativas historiográficas bemsucedidas, como Foreign Correspondence, de John Hohenberg, editado em 1995, mas em geral limitadas ao jornalismo americano e também acometidas de enfoque apologético da categoria, sempre heroica, intrépida, corajosa.

Uma das raras exceções, recente por sinal, é Journalism’s Roving Eye: A History of American Foreign Reporting, de John Maxwell Hamilton, editado em 2009. Como o subtítulo indica, trata-se também basicamente de uma História dos correspondentes internacionais que trabalharam para veículos jornalísticos americanos.

Mas como seu autor, que foi correspondente por alguns anos, tendo trabalhado para a rede ABC de televisão e para o jornal Christian Science Monitor, depois enveredou para o mundo acadêmico e agora é professor na universidade que publicou seu trabalho, o livro – de 656 páginas – vai além de um simples relato histórico e traz valiosas conclusões a respeito da natureza e do caráter dessa função, algumas das quais serão citadas ao longo deste texto, além de olhar o correspondente com uma visão crítica, em geral ausente nos outros livros a respeito do assunto.

Foreign News: Exploring the World of Foreign Correspondents, de Ulf Hannerz, de 2004, é um excelente trabalho, que resulta de mais de cem entrevistas feitas pelo autor, um antropólogo sueco, com correspondentes de diversas nacionalidades, para comparar o método que usam para apreender a realidade com o método antropológico.

Hannerz conclui que antropólogos e correspondentes podem aprender muito uns com os outros no processo em que estão igualmente engajados de ‘produzir e organizar fluxos de cultura, os significados que as pessoas criam e que criam pessoas, e formas de externá-los, pelos quais eles se tornam públicos’. Ele traz valiosas considerações sobre o trabalho do correspondente, mas é um estudo feito a partir do olhar de alguém de fora da atividade e centrado na epistemologia e na produção do jornalista, enquanto aqui se trata de um jornalista falando da sua própria função e da de seus colegas, com um enfoque mais profissional e prático do que teórico.

Outro livro relevante para esse assunto, mais antigo (1996) e resultado de uma pesquisa original feita pelo autor entre centenas de correspondentes internacionais em 1992, é International News & Foreign Correspondents, de Stephen Hess, cientista político da Brookings Institution, com larga experiência como assessor de administrações federais nos EUA. Ele faz uma espécie de cartografia demográfica da categoria, que está provavelmente desatualizada, tantos anos depois da coleta dos dados, mas que pode servir como material para reflexão e confronto, ainda que não metódico, com a realidade atual.

Hess, que atualmente é professor na School of Media and Public Affairs da George Washington University, em Washington, escreveu e publicou em 2005 outro livro interessantíssimo sobre o tema, que foca os correspondentes estrangeiros que trabalham nos EUA, intitulado Through Their Eyes: Foreign Correspondents in the United States, para o qual entrevistou 146 correspondentes internacionais sediados em Washington nos anos 1990, dentre os quais, eu mesmo.

Study sideways

No Brasil, alguns trabalhos acadêmicos têm sido realizados sobre o assunto em cursos de pós-graduação, mas poucos por enquanto chegaram ao público. Portanto, é difícil avaliar sua qualidade e a relevância de sua contribuição para a compreensão do tema.

Embora não se concentre especificamente no correspondente, João Batista Natali, em Jornalismo internacional, livro que faz parte da Coleção Comunicação da Editora Contexto, trata bem desse profissional em algumas de suas páginas, inclusive ao relatar o curioso episódio em que dois correspondentes internacionais de um mesmo veículo (a Folha de S.Paulo), ambos já famosos e personalidades muito fortes (Paulo Francis em Nova York e Cláudio Abramo em Paris) discordaram radicalmente em seus despachos publicados sobre o possível desfecho de uma grave crise diplomática (entre Reino Unido e Argentina, no litígio das Malvinas, em 1982).

A Associação dos Correspondentes Estrangeiros, para comemorar seus 30 anos no Brasil, publicou, em 2008, O Brasil dos correspondentes, organizado por Jan Rocha, Thomas Milz e Verónica Goyzueta, que – embora não tenha como propósito analisar a função, mas oferecer diversos relatos do Brasil feitos por correspondentes que trabalharam aqui – também traz uma contribuição interessante para essa temática.

De modo geral, os livros sobre correspondentes internacionais são relatos autobiográficos ou coletâneas de reportagens. Muitos jornalistas, inclusive brasileiros, animaram-se a contar suas aventuras, mas quase nunca com ambições mais generalizantes.

Todos, certamente, contêm informações, ideias, observações que, juntadas e analisadas, podem render uma excelente teoria sobre o correspondente internacional, mas que, por enquanto, estão dispersas nesses vários volumes à espera de quem se disponha a integrá-las criticamente.

A bibliografia é mais significativa no que se refere à especialidade mais celebrada da correspondência internacional, que é a cobertura de guerra. Tanto no gênero dos depoimentos pessoais quanto no da teorização, embora esse também seja muito mais restrito do que aquele.

Há um clássico, A Primeira Vítima, de Philip Knightley, e diversos outros bons trabalhos sobre esse tema específico, como Jornalismo e Desinformação, de Leão Serva, que, como o já citado Hamilton, também é um jornalista que, em algum ponto da vida, enveredou pelos caminhos da academia e, por isso, resolveu tentar ir além de apenas contar o que viu e viveu.

Entre os livros de depoimentos pessoais e antologias de reportagens nesse gênero, devem ser citados – sem demérito para outros – entre os brasileiros O gosto da guerra, de José Hamilton Ribeiro; Diário de Bagdá, de Sérgio Dávila e Juca Varella; e Crônicas da guerra na Itália, de Rubem Braga. Entre os estrangeiros, Minha Mocidade, de Winston Churchill; Tempo de morrer, de Ernest Hemingway; e Ao vivo do campo de batalha, de Peter Arnett, todos há muito tempo fora de catálogo e provavelmente esgotados, lacuna que alguma editora deveria tentar preencher.

Outro assunto correlato aos correspondentes que tem merecido atenção é o da relação entre os meios de comunicação e a prática da política e das relações internacionais. Mesmo no Brasil, onde os cursos de relações internacionais têm tido grande crescimento nos últimos 20 anos, começam a surgir bons trabalhos sobre essa temática, mas que fogem do foco de interesse a que se propõe este volume, que é o de comentar a função de correspondente internacional e as características de personalidade de quem a desempenha.

Há, portanto, um quê de ineditismo nos propósitos deste trabalho, mas de modo algum a pretensão de que ele venha a ser definitivo. E pode ajudar estudantes e profissionais que sonham em se aventurar por terras estrangeiras.

Ulf Hannerz, na introdução de seu livro já mencionado, disse que os correspondentes que ele estudou constituíam ‘uma tribo muito especial’, o que a diferenciava dos objetos de estudo tradicionais dos antropólogos como ele próprio. Hannerz citou um estudo de Laura Nader, de 1972, em que sua colega americana dizia que os antropólogos só se dedicavam a estudar grupos de pessoas menos poderosas e prósperas que eles mesmos (e concluía que, portanto, os antropólogos sempre ‘studied down‘), enquanto Hannerz, ao analisar os correspondentes, poderia estar ‘studying up‘. Neste livro, o que se pretende, como Hannerz também disse ter tentado com os correspondentes, é ‘study sideways‘. Ou seja, trata-se de um membro da tribo que tenta analisar o que ele mesmo e seus colegas fazem ao produzir relatos do mundo para se sustentar.

Eventos distantes

Quero registrar meus agradecimentos à Folha de S.Paulo, que me autorizou a usar parte do meu tempo no período de quarentena ligada à função de ombudsman do jornal (que exerci entre 2008 e 2010) para redigir estes originais, de modo a saldar uma dívida de cinco anos que tinha com Luciana e Jaime Pinsky, da Editora Contexto, com quem eu havia me comprometido a escrever um livro sobre correspondente internacional, que só fui capaz de fazer agora. Também à Folha eu devo a oportunidade de meus mais longos períodos como correspondente e enviado especial a outros países, que foram extremamente ricos profissional e intelectualmente para mim.

Sinto-me também no dever de agradecer aos que viveram comigo na casa que foi por muito tempo também o meu local de trabalho em Washington: Maria Cecília de Sá Porto, Lavinia Porto Silvares, Natália Porto Silvares, Daniel Porto Lins da Silva, que aturaram mau-humor e nervosismo provocados por prazos curtos e tarefas longas, e a Sargent Pepper of Chevy Chase, meu querido Pepinho, golden retriever que me garantiu carinhosa e agradável companhia em muitas manhãs, tardes, noites e madrugadas de trabalho em dias úteis, domingos e feriados sem nunca reclamar de nada.

Sob o risco de cair em esquecimentos constrangedores (pelos quais me desculpo desde já e que, asseguro, não terão sido intencionais), já que foram tantos com quem aprendi pelo menos parte do que aqui transcrevo, quero também registrar sinceros agradecimentos a todos os colegas correspondentes com quem convivi nesses anos de jornalismo, na condição de colega ou ex-colega correspondente, editor ou amigo.

Entre eles, estão:

Agostino de la Porta (em memória)

Alcides Ferreira

Alcino Leite Neto

Américo Martins

Ana Astiz

Ana Barón

Ana Maria Bahiana

André Barcinski

André Lahoz

André Soliani

André Vieira

Andrea Fornes

Andrew Greenless

Antonio Carlos Seidl

Araújo Netto (em memória)

Argemiro Ferreira

Ariel Palácios

Armando Ourique

Artur Ribeiro Neto (em memória)

Assis Moreira

Bernardo Carvalho

Bob Fernandes

Caio Blinder

Caio Túlio Costa

Carlos Castilho

Carlos Dornelles

Carlos Fino

Celso Pinto

Chris Del Boni

Claudia Trevisan

Claudio Abramo (em memória)

Claudio Lessa

Claudio Tognolli

Clóvis Rossi

Cristiano Romero

Daniel Rittner

Daniela Chiaretti

Daniela Falcão

Daniela Rocha

Denise Crispim Marin

Domingos Mascarenhas

Elio Gaspari

Elvis Bonassi

Emanuel Néri

Ernesto Yoshida

Eurípides Alcântara

Fernanda Godoy

Fernanda Scalzo

Fernando Canzian

Fernando Gabeira

Fernando Rodrigues

Fernando Rossetti

Flávia de Leon

Flavia Sekles

Fritz Utzeri

Frota Neto

Gilberto Dimenstein

Getulio Bittencourt (em memória)

Graça Magalhães

Haroldo Castro

Hélio Alvarez

Heloísa Vilela

Henrique Kraus

Hermano Henning

Herbert Henning

Humberto Saccomandi

Igor Gielow

Ilze Scamparini

Jaime Spitzcovsky

Jair Rattner

Janaína Figueiredo

Janes Rocha

João Carlos Assumpção

José Arbex Jr.

José Meirelles Passos

José Pepe Carreño

Julio Crespo

Kennedy Alencar

Leão Serva

Lourival Sant’Anna

Lucas Mendes

Lúcia Guimarães

Luis Antonio Ryff

Luiz Carlos Azenha

Luiz Carlos Novaes

Luiz Fernando Silva Pinto

Luiz Recena

Marcelo Mendonça

Marcelo Starobinas

Marcos Strecker

Marcia Carmo

Maria Ester Martinho

Maria Helena Tachinardi

Marilena Chiarelli

Marc Margolis

Marcio Aith

Marcelo Leite

Marco Chiaretti

Marcos Augusto Gonçalves

Maria Luisa Abbott

Marina Moraes

Mario Andrada e Silva

Matinas Suzuki Junior

Matthew Shirts

Marcela Sanchez

Marcelo Calliari

Mauricio Stycer

Mauro Santayana

Maya Santana

Melchiades Duarte

Michael Reid

Milton Blay

Milton Coelho da Graça

Moisés Rabinovicci

Nelson de Sá

Noeli Russo

Norma Couri

Oscar Pilagallo

Osmar Freitas Jr.

Osvaldo Peralva (em memória)

Otavio Dias

Pamela Constable

Paulo Braga

Paulo Henrique Amorim

Paulo Francis (em memória)

Paulo Moreira Leite

Paulo Sotero

Paulo Totti

Paulo Zero

Pedro Del Picchia

Pepe Escobar

Peter Braestrup

Raul Juste Lores

Reali Júnior (em memória)

Renata Lo Prete

Ricardo Anderáos

Ricardo Balthazar

Ricardo Grimbaum

Ricardo Kotscho

Richard House

Roberto Garcia

Roberto Cabrini

Rogerio Ferreira

Rogério Simões

Rosental Calmon Alves

Selma Santa Cruz

Sérgio Dávila

Sérgio Malbergier

Sérgio Mota Mello

Silio Boccanera

Silvia Bittencourt

Silvio Ferraz

Silvio Giannini

Sylvia Colombo

Sonia Bridi

Sonia Nolasco

Tad Szulc

Tatiana Bautzer

Teodomiro Braga

Tereza Rangel

Todd Benson

Vanessa Adachi

Verónica Goyzueta

Vitor Paolozzi

Warren Hoge

William Waack

Wilson Silveira

Wladir Dupont

Zeca Camargo

Agradeço a esses 170 membros da tribo dos correspondentes (mais aos que sem querer eu possa ter omitido), que dividiram comigo a passagem por este mundo entre 1985 e 2005 no trabalho de mandar para seu país notícias e informações de outros países e, assim, provendo seu público com contexto de utilidade sobre eventos distantes, ajudando-o a compreender melhor o mundo.

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Jornalista