Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Como observar o silêncio?

O artigo Art. 5º do Estatuto do Desarmamento reza:




‘Art. 5º O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. (Nova redação dada pela Lei nº 10.884, de 18 de junho de 2004)’


O parágrafo terceiro diz:




§ 3º Os registros de propriedade, expedidos pelos órgãos estaduais, realizados até a data da publicação desta Lei, deverão ser renovados mediante o pertinente registro federal no prazo máximo de 3 (três) anos.


O decreto lei 5123 de 1 de julho de 2004 regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM e define crimes. Nele, o artigo 37 estabelece:




Art. 37. Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos, instituições e corporações mencionados no inciso II do art. 6° da Lei no 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou aposentados, para conservarem a autorização de Porte de Arma de Fogo de sua propriedade deverão submeter-se, a cada três anos, aos testes de avaliação da aptidão psicológica a que faz menção o inciso III do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003.


Pois bem. No dia 1 de julho de 2007, os policiais que não tivessem feito os testes de aptidão psicológica seriam transferidos para a reserva remunerada.


Na calada do Planalto, na surdina da escuridão, a MP 379 empurrou esta data para mais tarde.


E ninguém deu nada.


Apuração competente


Foi um acaso absoluto. Nos pouquíssimos tempos em que uso automóvel, sintonizo e ouço a CBN, ‘a rádio que toca noticias’. Mas quando liguei naquela segunda-feira, 2 de julho de 2007, ouvi uma voz grave e enérgica em protesto contra o governo. O entrevistado estava enfurecido: o governo editara uma MP na sexta-feira (29/6) que passaria a valer a partir da segunda-feira, outra semana, outro mês, outro semestre. Pensei: estará na primeira página dos jornais amanhã.


A entrevistado continuava, com firmeza e segurança no que dizia, a protestar contra o fato de, no momento em que vencia um prazo estabelecido pelo Estatuto do Desarmamento, o governo alterava autoritariamente a lei, cedia à pressão do lobby das armas e liberava o teste psicológico para a aquisição de armas até calibre 22.


‘Dá pra fazer uma chacina’, vituperou o entrevistado. Cheguei ao destino seguro que teria muito para ler nos jornais do dia. Ou, no máximo, no dia seguinte. Qual o quê!


Nos jornais de segunda (2/7), nada. Nos de terça, igualmente nada. Eu teria ouvido direito a CBN?


Nas primeiras páginas dos jornais de quarta-feira, nada. Mas, na página A-9 do Valor Econômico de 4/7/07 finalmente encontro uma matéria. ‘Deputados vêem pressão da indústria na MP que diminuiu limite à venda de armas’, afirmava o título em duas linhas, no alto da página impar, em quatro colunas, ao lado da coluna ‘Política’.


Matéria bem-feita. Quase dez fontes foram ouvidas ou procuradas. Repórteres em São Paulo, Brasília e Porto Alegre ouviram o ministro da Justiça, Tarso Genro; o coordenador do Projeto de Controle de Armas da ONG Viva Rio, Antônio Rangel Bandeira; o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), vice-presidente da Comissão de Segurança Publica e combate ao Crime Organizado; o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, relator do Estatuto do Desarmamento; o secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay; o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto


Omissão geral


Os repórteres do Valor Econômico procuraram contato na Forjas Taurus, mas a empresa não quis comentar o assunto.


De todo modo, levantaram dados da empresa de que ‘a venda de armas no mercado interno cresceu de R$ 7,6 milhões no primeiro trimestre de 2006 para cerca de R$ 10 milhões no mesmo período deste ano’. Do ex-deputado que quase presidiu a Câmara dos Deputados – perdeu para Severino Cavalcanti, hoje também ex-deputado, bastou a frase: ‘É um escândalo’, disse Greenhalgh. Sem exclamação. Ponto.


Apenas um pequeno erro na matéria, em citação do secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, que disse: ‘O que temos de ter claro é que o referendo do Desarmamento autorizou o uso de armas no país’. Não é exatamente isso. O referendo autorizou o comércio de armas no Brasil.


A entrevista que ouvi na CBN, por acaso, completou uma semana na segunda-feira (9/7). Lá se vão quatro dias úteis e o silêncio dos demais jornais é cada vez mais estridente.


Pois tampouco no jornalismo especializado da web encontrei informação. Tanto o Consultor Jurídico como o Última Instância acompanharam o silêncio geral.


Ombudsman da Folha ignorou o Valor


Não fosse o acaso de ouvir a CBN, desconheceria o caso. Sim, assino e leio o Valor Econômico (nenhum comercial aqui). Mas não faço o esquadrinhamento que o ombudsman da Folha de S.Paulo, por dever contratual, é obrigado a fazer. Tivesse feito com atenção – a página 9-A abre a editoria de Política e é ostensiva –  deveria resultar ao menos menção em crítica interna.


E a crítica interna poderia estimular a produção de alguma matéria, mesmo que tardia. Afinal, a Medida Provisória 379 está em vigor, tramita e caminha no Congresso Nacional. Na sua única matéria, o jornal Valor cercou-se de todas as fontes e produziu um texto redondo, claro, esclarecedor.


Para quem esperava encontrar o assunto nas primeiras páginas (não nas manchetes), esperar que a matéria do Valor estivesse na crítica interna do ombudsman e resultasse em alguma coisa da Folha é o mínimo, não? Até porque a Folha é detentora de 50% da propriedade da empresa que edita o Valor, em sociedade com O Globo,que também silenciou sobre o assunto.