Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

O primeiro jornalismo

Finalmente, saiu o primeiro livro do Elias Ribeiro Pinto. Em formato pequeno, bem cômodo de ler, em 101 páginas, integra a coleção “Pará de todos os versos, de todas as prosas”, lançada em boa hora pelo Diário do Pará. Crônicas a sangue frio, com o título de evidente inspiração em Truman Capote, o jornalista que virou escritor (ou vice-versa), tem o grande mérito de abrir caminho para Elias seguir no rumo de um abrigo mais perene para os seus textos, um oceano de palavras reprimidas pela ausência de um vertedouro à altura.

A coleção, da qual Elias é o curador (em outra época – e, ainda, para pessoas mais velhas – seria o editor), se junta a iniciativas do próprio Diário e também de O Liberal na extensão da imprensa periódica, que é o livro, ou o quase-livro. Felizmente já são produtos de melhor acabamento do que as tradicionais edições caça-níqueis dos aniversários ou das datas gradas, como o Círio.

Reproduzo meu quase-prefácio como um convite à leitura do livro do Elias. (L.F.P.)

O autor está estreando em livro, este aqui, mais de 35 anos depois de ter começado a escrever para o público. Durante todo esse tempo tentou dar forma à vastidão de ideias, observações, aprendizados, cultura e inventividade que acumulou. Faz seu debut às pressas, no afogadilho da hora, para dar conta de encomenda que ele próprio criou, mas da qual esperava ser usufrutuário e não autor: a coleção de livros paraenses do jornal Diário do Pará.

Pela quantidade de encomendas sucessivas de textos, Elias Ribeiro Pinto (que cortou o júnior do nome, sempre sujeito a trocadilhos) não produziu a grande obra da qual é capaz e pela qual ainda esperamos. Produziu milhares de textos para jornais, impressos num papel que nem sempre se adapta mesmo a serventias menos nobres, não tendo atendido, antes, as realmente nobres, que seriam sua finalidade.

O jornalismo é absorvente e desgastante, quase incompatível com a criação mais exigente, como a literatura. Vários grandes jornalistas ficaram devendo – a si próprios e ao distinto público – o livro que, frequentemente, até chegaram a anunciar. E que jamais se desvencilhou dos potins das colunas sociais – ou ditas literárias.

O jornalista e cronista Carlinhos Oliveira foi um desses entre nós (“entre nós”, uma ova: entre os circunstantes do mirífico e mitológico “Sul Maravilha”m tão próximos de nós quanto a China). Mas outros jornalistas, como Antônio Callado ou Herberto Salles, dentre tantos, atravessaram o deserto. E outros conseguiram produzir tanto no dia a dia com uma qualidade tal que chegaram ao século a século, amém. Como Balzac. Ou Victor Hugo.

A situação, portanto, é bem complexa. Não cabe num verbete à Daniel Piza, desnatador da cultura. Elias escreveu muitíssimo, boa parte dessa imensidão de letras sendo de boa qualidade. O projeto de poesia evaporou. O de literatura ainda não se materializou. E ambos estão na ponta da língua – ou do dedo, melhor dizendo. Por que não desabrocharam?

A resposta requer alguma dose de jornalismo investigativo e muitas de sociologia, sem entrar nos meandros de Freud, Jung et caterva. Como irmão e leitor, só tenho a lamentar por essa dispersão e imprecisão, que partilho. Éramos quatro irmãos no jornalismo. O Raimundo já se foi, antes do tempo e das previsões. Não poderá verificar que, de um jeito ou de outro, a superior produção do Elias agora está em formato mais perene do que a das páginas de um jornal. Talvez desencadeando por emulação novos livros, à espera de capacidade de organização e execução.

Mas por que o livro e, ainda por cima, em papel? Porque a cercadura da produção do Elias o limita. Seu valor só se revela por completo quando ele sai dos estreitos limites da província, que regride à selvageria, para entestar nomes sagrados da grande imprensa nacional. Ora como jornalista ora como crítico literário. Ou, por fim, como o literato em processo ziguezagueante.

Espero que esse delineamento se confirme e, através do livro, em papel, mais exigente e mais próprio, Elias tenha acesso a um universo ainda maior (ou mais qualificado), que, por tabela, o ponha a trabalhar com mais racionalidade e produtividade, burilando o que já escreveu e materializando o que ainda se acha depositado no seu privilegiado arquivo natural. O resto se fará por efeito, se o valor de criadores como ele conseguir romper o círculo de ferro do colonialismo cultural, talvez mais forte até do que o econômico.

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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista e editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]