Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O legado do repórter Leleco

A iniciativa oportuna e necessária dos jornalistas Alexandre Costa Nascimento e Eduardo Mariot Araujo em pesquisar a carreira de Haroldo Cerqueira Lima (1939-2003), o Leleco, constitui-se momento para lançarmos luzes sobre aspecto central da profissão de jornalista, mas que, devido ao seu elevado e destoante grau de subjetividade, muitas vezes escapa a uma acurada abordagem nos cursos de jornalismo. Refiro-me ao princípio basilar do relacionamento interpessoal, que se expressa tanto no âmbito das redações quanto na relação direta com as fontes de informação e se escuda numa sólida formação moral.

A carreira de Leleco atingiu o ápice durante o regime militar, período em que o exercício do jornalismo, mais do que o domínio da técnica, exigiu companheirismo e uma sólida relação de confiança entre entrevistados e entrevistadores.

Admirado e respeitado por todos, no período que vai dos anos JK à Constituinte de 1988, foi jornalista credenciado no Palácio do Planalto e, já no final da vida, trabalhou no Senado Federal. Seu empenho profissional se fazia notar mesmo em momentos que não foram registrados pelos jornais da época, como me revelou o competente e admirado jornalista Rubem de Azevedo Lima, que trabalhou com Leleco na sucursal da Folha de S.Paulo em Brasília.

Contou-me Rubem que em 1976, pouco antes da morte de Juscelino, a repórter Iara Stivalets Borges (filha de Mauro Borges, ex-governador de Goiás e amigo de JK quando eclodiu o Movimento de 64) conseguiu entrevistar o ex-presidente. De posse do material bruto e conscientes do seu valor, Leleco e ele se dedicaram ao trabalho de edição. ‘Eram mais de trinta laudas em espaço dois que foram reduzidas a vinte e enviadas para São Paulo, mas que jamais foram publicadas e acabaram se perdendo’, lembra.

Lição antiga

Não se pode, contudo, falar de Leleco sem mencionar o Prêmio Esso de Jornalismo que a Folha de S.Paulo conquistou pela publicação da famosa entrevista com o general João Figueiredo, em abril de 1978. Feita por Leleco e Getúlio Bittencourt, teve duração de 95 minutos, foi integralmente redigida com base exclusivamente na memória dos repórteres e é considerada como uma das melhores reportagens brasileiras do século 20.

Simpático, bom caráter e de texto excelente, Leleco era um mestre na profissão. Tanto que Getúlio Bittencourt costuma repetir, a quantos o procuram, lição aprendida nos idos do regime militar mas que se aplica à permanente busca da qualidade para o ato de informar. Àquela época, declarou Leleco em entrevista a O Pasquim: ‘Está na hora de o jornalista brasileiro fazer a reciclagem do seu comportamento, senão será como nos 40 anos de salazarismo (a ditadura portuguesa): os jornalistas desaprenderam a informar e vão ter que aprender de novo’.

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Apresentação

A História é análoga a um quebra-cabeça, no qual cada peça é um fato isolado. Encontrar a relação entre os fatos, encaixando-os uns aos outros, é reconstruir a imagem de um passado. Quanto mais completo o quebra-cabeça, mais nítida é a imagem formada e, conseqüentemente, mais fácil se entender o período que ela representa.

No entanto, no quebra-cabeça que representa a história do jornalismo brasileiro, uma peça está ausente: os fatos ligados à vida e a trajetória profissional de Haroldo Cerqueira Lima, o Leleco. Como um dos pioneiros da imprensa na nova capital, Leleco foi repórter político do jornal Folha de S.Paulo credenciado junto ao Palácio do Planalto, onde trabalhou por quase três décadas cobrindo a gestão de todos os presidentes da República, entre os governos de Kubitscheck e Sarney. Em 1978, Leleco venceu o Prêmio Esso de Jornalismo, o principal da categoria no Brasil, após uma entrevista exclusiva com o então futuro presidente, general João Figueiredo.

Afastado da atividade profissional em virtude de uma doença crônica desde o início da década de 90 e, refugiado do convívio de amigos e parentes na cidade de Curitiba, Haroldo foi sendo aos poucos esquecido.

Sofrendo de um câncer em estágio avançado, Haroldo Cerqueira Lima recebeu-nos em outubro de 2003 na sua residência para um encontro. Na oportunidade, pudemos ouvir o testemunho de várias experiências acumuladas por Leleco durante toda sua vida.

Empolgados com a possibilidade de aprofundar os conhecimentos do jornalismo e diante da oportunidade de fazê-lo através da descoberta de detalhes da vida de Haroldo, mantivemos outros contatos com o jornalista. Até que surgiu a idéia de escrever sua biografia com a intenção de preencher a lacuna que sua ausência representa na história da imprensa brasileira. Já no hospital, dois dias antes de vir a falecer, a proposta foi-lhe apresentada, quando obtivemos seu consentimento.

O livro Leleco – Peça ausente tem como objetivo resgatar e divulgar os principais fatos que marcaram a vida e a trajetória de Haroldo Cerqueira Lima, para que seja possível às gerações presentes e futuras tirarem proveito das lições que a história nos oferece através de seu exemplo.

O livro reportagem biográfico foi organizado da seguinte forma:

** Primeira Parte – ‘O menino Baô’: trata dos aspectos e vivências de infância, dificuldades, superações e problemas familiares no período entre 1939 a 1957;

** Segunda Parte – ‘Lelequinho’: descreve o início da carreira no jornalismo pela Folha de S.Paulo, a escolha da profissão até a mudança para Brasília.

** Terceira Parte – ‘Leleco’: mostra o envolvimento com o mundo da política em Brasília antes e depois do golpe de 64, relata a carreira de jornalista político, as grandes reportagens, as viagens internacionais, a vitória no Prêmio Esso e a luta pela redemocratização do país – período decorrente entre 1964 a 1990;

** Quarta Parte: ‘Haroldo’: os aspectos da vida particular, a aposentadoria precoce, o refúgio em Curitiba, os problemas de saúde e as memórias de Haroldo até sua morte no ano de 2003.

O conteúdo deste projeto é resultado de um trabalho de pesquisa iniciado em outubro de 2003, data em que colhemos os primeiros depoimentos pessoais de Haroldo Cerqueira Lima. A partir de então, foram utilizados como fonte de estudo os documentos de acervo pessoal, entrevistas com familiares, amigos e colegas, pesquisa bibliográfica e
o acervo de todas as matérias publicadas pelo jornalista.

Para sua elaboração, foram entrevistados, entre outros, Bóris Casoy, Ruy Lopes, Ana Lagôa, Getúlio Bittencourt e Jarbas Passarinho. O prefácio é assinado pelo senador e ex-vice-presidente Marco Maciel. O livro foi apresentado em dezembro de 2005 para uma banca de graduação do curso de jornalismo da Universidade Tuiuti do Paraná, que o avaliou com a nota máxima (10).

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Quem conheceu Leleco

** ‘Este trabalho serve de exemplo, não só para as novas gerações e para o pessoal que conheceu Leleco, mas para todo mundo que já está em atividade e para aqueles que ainda virão. É um material que certamente revela na figura do Haroldo o perfil de um profissional de que o país anda muito carente. Leleco tinha uma visão muito clara da necessidade de se fazer uma cobertura jornalística séria, honesta e competente – principalmente no que se refere aos trabalhos do Congresso Nacional. Ele tinha muito clara a responsabilidade social do jornalismo, e ele, como jornalista e como cidadão, exercia em sua plenitude esta responsabilidade. Um trabalho como este pode servir para resgatar, pelo menos em parte, esses princípios, nos ajudando a reconquistar aquela capacidade de análise crítica e de isenção – que a mídia hoje, de certa forma, perdeu.’ (Ademir Malavazi, foi diretor de redação da sucursal da Folha de S.Paulo em Brasília. é hoje diretor da secretaria de comunicação social da Câmara dos Deputados)

** ‘Li e gostei, embora reconheça minha suspeição em tudo referente ao Leleco. Não há qualquer problema em recomendar este trabalho para publicação.’ (Boris Casoy, foi diretor de redação da Folha de S.Paulo (77-84), desde 1988 atua na televisão)

** ‘Este é um trabalho interessante e necessário. Inclusive pelas figuras que, de um modo ou do outro, marcaram uma época. Leleco foi um cara que marcou a época em que atuou em Brasília, porque tinha aceitação em todos os meios. Quem comandava o jornalismo nesta época eram as sucursais – com destaque para a sucursal da Folha, do Estadão, do Globo e do Jornal do Brasil – eram as quatro sucursais dos maiores jornais daquela época. O Leleco foi um cara que sempre se destacou no meio deste pessoal, sendo, inclusive, convidado várias vezes para trabalhar no Estado de S.Paulo e sair da Folha. Lembro-me muito bem que o Carlos Castello Branco convidou-o para ir para o Jornal do Brasil, tudo isso pela qualidade do seu trabalho. Ele era um profissional sério, acima de tudo. Acho este trabalho importante, um trabalho que serve, por exemplo, para quem esta começando no jornalismo conhecer uma época. É importante seguir por outros caminhos e ter grandes exemplos. É um trabalho importante para a imprensa, que merece nota dez.’ (Cláudio Coletti, um dos primeiros jornalistas da Folha de S.Paulo na nova capital, foi diretor da Rádio Nacional, assessor de imprensa do ex-governador de São Paulo Franco Montoro, e atualmente trabalha é assessor de imprensa do deputado Silvio Torres (PSDB-SP)

** ‘Trabalhei com ele [Leleco] na sucursal da Folha em Brasília. Testemunhei a seriedade com que exercia a profissão (…). É pedagogicamente valioso que estudantes, prestes a entrar na profissão, contribuam para que exemplos profissionais como Leleco sigam servindo de referência.’ (Gilberto Dimenstein, foi diretor da sucursal da Folha de S.Paulo em Brasília e ex-correspondente do jornal em Nova York; é hoje colunista e membro do conselho editorial da Folha e colunista da rádio CBN)

** ‘Com este trabalho vocês tocam um pouco no meu sentimento. Eu conheci o Leleco quando fui senador. Com alguma regularidade eu visitava a sucursal da Folha, quando ficava conversando com ele e com o Ruy Lopes. Ele era um jornalista que tinha um texto muito bom, era um rapaz inteligente, mas não bastava ser inteligente, porque no jornalismo, além de se exigir o texto, é preciso ter caráter, e ele sempre teve muita honradez pessoal. Por tudo isso, é muito bonito este trabalho de vocês. O Leleco merece ser lembrado, ser apontado na profissão de vocês como exemplo. O que vocês estão fazendo é um trabalho muito bonito, muito louvável e nobre.’ (Jarbas Passarinho, governador do Pará (1964-65), senador pelo estado em três mandatos (1967-74, 1975-82 e 1987-95) e ministro da Educação [governo Médici], da Previdência Social [governo Figueiredo], e da Justiça [governo Collor])

** ‘Acho que os bons exemplos devem ser difundidos. No caso específico do Leleco, vemos que pessoas que não foram decentes com ele estão aí pontificando sobre jornalismo. Então, por que não o Leleco que foi um cara decente, de caráter, trabalhador, competente, um cara com um monte de qualidades, inclusive com a qualidade de ter alguns defeitos – como todo ser humano? Para mim até é surpreendente que vocês tenham se atirado nesta empreitada, surpreendente do ponto de vista de que estas coisas, aparentemente, não têm mais tanto valor. Hoje em dia parece que o mais importante é a aparência e não a essência. Vocês estão de parabéns. Em se tratando do Leleco, vocês coletaram um material muito rico. Desejo boa sorte a vocês.’ (Nélio Lima, foi repórter da Folha de S.Paulo e hoje é presidente da Agência Plá de Comunicação)

** ‘Em primeiro lugar, este é um trabalho de fundamental importância – não só para história do país, ou porque o Leleco foi um jornalista que viveu a história – mas pelo resgate que faz. Porque o Leleco foi um meteoro, um Sputnik, que subiu e depois não explodiu, mas ficou vagando no ar. Todos se perguntavam onde estava o Leleco, mas ele havia sumido. Tem que haver este resgate. Então vocês estão de parabéns, não só pelo fato de descobrirem o Leleco – uma figura ímpar – mas por lapidarem um diamante bruto, que foi sua ascensão.’ (Roberto Stuckert, foi fotógrafo da Folha de S.Paulo, fotógrafo oficial do presidente da República [governo Figueiredo] e hoje é fotógrafo da Infraero)

** ‘O jornal é uma coisa que se esgota de um dia para o outro. O fato de vocês estarem se lembrando do trabalho de um profissional como o Leleco é digno de todos os méritos. Profissional que dou meu depoimento, porque eu vivi com ele pelo menos 22 anos na Folha de S.Paulo cotidianamente, e que pode servir de exemplo para qualquer estudante. Ele tinha dentro de si aquela consciência da profissão, que cumpriu com uma lisura que eu nunca vi em outros profissionais – já vi iguais, mas não vi superiores ao Leleco. Acho que o fato de vocês prestarem esta homenagem a ele é uma coisa tão bonita, que honra o profissional, e vocês também se honram ao fazê-lo. A vocês meus parabéns, e que este livro seja proveitoso a outras pessoas também.’ (Rubem Azevedo Lima, foi i repórter da Folha de S.Paulo, vencedor do Prêmio Esso de 1985, e hoje atua como repórter no Senado Federal)

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Senador da República pelo DEM de Pernambuco, foi vice-presidente da República no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), ministro da Educação no governo Sarney (1985-1990), senador pelo PFL-PE (1982-1994) e governador do estado de Pernambuco (1978-1982)