Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Para que escrever uma teoria do jornalismo

A obra convence pelos fragmentos, ninguém a lê por inteira.

Vou começar e concluir a leitura em ti, minha mulher. És a página que dobrei para retornar; o manuscrito que nunca acordei de completo.

As palavras, como pêras, perecem ao toque. E é tarde para não mastigá-las.

Palavras e palavras, destruíram as que me dariam significado.

Mudei de endereço e nenhum sinônimo me localiza.

(Fabrício Carpinejar)

Qualquer teoria não passa de um reducionismo. Está na sua natureza. Se vou teorizar sobre determinado assunto, significa que quero enquadrá-lo sob um ponto de vista determinado. Mesmo que para isso utilize os mais diversos conceitos e as mais diversas metodologias. Ao final, meu trabalho acaba sendo reduzir os tais conceitos e as tais metodologias aos limites do próprio quadro teórico que proponho. Não adianta, é impossível escapar dessa sina. Teorizar é uma tentativa desesperada de enquadrar interpretações críticas que, vistas sob qualquer outro ângulo, mostrariam-se muito mais complexas.

Então, para que escrever uma teoria do jornalismo? Pelo mesmo motivo que se fazem teorias nas mais diversas áreas: para aprofundar o conhecimento sobre elas. Por mais paradoxal que pareça, reduzir também é ampliar. Quando faço um recorte sobre um tema, meus métodos de análise promovem questões que podem servir para incentivar a criação de outros métodos, que vão produzir novas questões e assim por diante. A pertinência de qualquer pesquisa está nas perguntas, não nas respostas. Desde que o pesquisador tenha consciência do relativismo teórico e não se feche nos próprios hermetismos, a teorização pode ser muito útil. E não falo só dos círculos acadêmicos. Aliás, talvez sejam os profissionais do jornalismo os maiores beneficiários da reflexão crítica sobre sua atividade.

Sei que nós, jornalistas, detestamos os academicismos. Mas será que podemos prescindir de estudos críticos sobre a nossa profissão? Nosso saber é autônomo e somos auto-suficientes? Será que a imprensa tem tanta credibilidade assim para requerer autonomia? Essas perguntas estão no centro dos debates sobre a importância do campo jornalístico na sociedade contemporânea.

Corações e mentes

O século 21 foi inaugurado pelo jornalismo. Com data e local bem definidos: Nova York, 11 de setembro de 2001. Nas análises sobre os atentados, veículos de comunicação da mais variada procedência foram unânimes em apontar o fato como marco oficial de um triste começo de século. Fizeram o que fazem habitualmente: por suas lentes midiáticas, reconstruíram os acontecimentos diversas vezes, mas ofereceram ao mundo a idéia de que o que estavam vendo era o espelho da realidade. E, como historiadores da atualidade, batizaram a época que começava. Afinal, como duvidar das imagens da CNN?

A mesma pergunta deve ter sido feita pelos autores do ataque às torres gêmeas, quando o estavam planejando. Não bastava atingir o símbolo do império capitalista, era preciso que o mundo fosse testemunha desse ato. E, assim, ele foi meticulosamente programado para que o segundo avião atingisse o alvo em um espaço de tempo suficiente para as câmeras de TV transmitirem ao vivo. O espetáculo do terror encontrou seu palco. E os roteiristas e diretores fomos nós, jornalistas, do alto de nossa perene pretensão de testemunhar a história e oferecer aos outros mortais a verdade sobre os acontecimentos.

Mas não foram só os terroristas que usaram a imprensa. Dois anos depois, a vergonhosa cobertura da mídia americana na Guerra do Iraque mostrou a que nível pode chegar a manipulação da informação pelos governos constituídos. Escaldada pela Guerra do Vietnã, quando corajosas reportagens e imagens aterrorizantes mudaram a opinião pública do país e forçaram a retirada das tropas do Tio Sam, a administração Bush inventou a mais ultrajante forma de cobertura jornalística da história da imprensa: os famosos repórteres embedded. Ou seja, jornalistas que viajavam nos tanques do exército americano e, obviamente, só reportavam o que interessava aos comandantes/guarda-costas.

Tente se colocar no lugar desses repórteres. Seu país está em guerra, seus chefes dão suporte ao governo, a maioria da população, cega pelo medo, apóia o presidente e, ainda por cima, você está no meio de tiros e explosões, em um país estranho, sendo protegido por ‘Rambos’ que falam a sua língua e também comem bacon no café da manhã. Mesmo para um profissional sério e bem intencionado, é muita pressão e muito constrangimento.

Um dos poucos repórteres americanos que não se submeteu aos ditames do Pentágono foi execrado durante a guerra. Veterano da cobertura do Vietnã, com 50 anos de profissão, sendo 45 como correspondente de guerra, o experiente Peter Arnett foi demitido da emissora após conceder entrevista à rede iraquiana de televisão criticando a imprensa americana. A pressão, portanto, atingiu até mesmo os jornalistas que evitaram o passeio no deserto a bordo das carruagens blindadas de George W. Bush.

Peter Arnett esteve duas vezes no Brasil, a meu convite, para proferir palestras sobre jornalismo. No item sobre correspondente de guerra, vou relatar algumas das histórias que ele deixou registradas. Agora, no entanto, vale utilizar o exemplo da pressão que ele sofreu durante a Guerra do Iraque e também o planejamento midiático dos atentados em Nova York para ilustrar a importância que o jornalismo assume neste começo de século. A batalha por corações e mentes, travada na seara da comunicação, é tão ou mais importante do que os fuzis e canhões.

Altas patentes

Na sociedade pós-industrial, não há bem mais valioso que a informação. Mercados financeiros estão conectados em tempo real, fluxos de capital mudam de pátria em frações de segundo e mesmo um simples acesso à internet já nos coloca como ativos integrantes do estratégico banco de dados do mercado global. Não é exagero, é fato. Seu perfil de consumidor (que há muito já substituiu a palavra cidadão) é mapeado diariamente por meio das indicações de seus gostos e preferências registrados pelo clique do seu mouse na web. O Big Brother já existe, amigo. E você está nele.

A questão é: se, no capitalismo tardio, a informação é tão estratégica, quem serão seus mediadores? Nesse ponto é que o jornalismo assume função vital. E é por isso que estou interessado em discutir seus conceitos e teorias neste livro. Com a convergência tecnológica, que traz a hibridação de contextos midiáticos e culturais em fluxos de informação com velocidade cada vez mais acelerada, o profissional da imprensa precisa ter uma formação sólida e específica para assumir o papel de mediador. Em outras palavras, ele precisa ser um especialista. Ninguém gostaria de entrar em um hospital e ser atendido por um contador. Ou ser defendido no tribunal por um veterinário. Então, por que seria diferente com o jornalismo?

Na verdade, arrisco-me a dizer que, na sociedade atual, o jornalista deve ser ainda mais especializado que um médico ou um advogado. Da mesma forma, acredito que os defensores da desregulamentação da profissão são os mesmos que lutam pelo controle do fluxo de informação nos megaconglomerados de mídia e, por isso, não têm interesse que o espaço público seja mediado por profissionais coerentes e bem formados.

Em suma, para ser jornalista é preciso estudar jornalismo. E isso se faz na universidade. Mas qual é a formação ideal para os cursos de jornalismo? Disciplinas ‘técnicas’ como redação jornalística e telejornalismo devem ser privilegiadas ou o curso deve ter um caráter reflexivo, com ênfase nas chamadas disciplinas teóricas? E qual deve ser a formação dos professores: profissionais com experiência no mercado ou doutores com grande cabedal acadêmico? Equipamentos e instalações são fundamentais? Como deve ser a estrutura pedagógica? Essas e outras perguntas estavam na pauta da comissão de especialistas do Ministério da Educação, no Brasil, já em 1999, quando uma avaliação das condições de ensino dos cursos de jornalismo teve conclusão decepcionante. Mais de dois terços dos cursos receberam pelo menos um conceito insuficiente entre os três itens analisados: corpo docente, instalações e estrutura pedagógica.

Na época, eu era diretor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, onde a avaliação foi comparativamente muito boa. Ficamos entre os três melhores cursos de jornalismo do Rio, junto com a UERJ e a PUC. Mesmo assim, escrevi dois artigos para o Jornal do Brasil, questionando os critérios da avaliação. Minha principal crítica era com relação às próprias perguntas que permearam o debate sobre o ensino de jornalismo, pois não acredito na dicotomia proposta.

Os currículos dos cursos devem articular teoria e prática e não separá-las em blocos monolíticos, sem intercâmbio. O aluno não pode ser um mero reprodutor de técnicas, mas também não pode desconhecer as ferramentas que irá utilizar na profissão. A reflexão acadêmica é fundamental para o desenvolvimento do pensamento crítico, mas deve estar associada à própria produção discente, antenada com a realidade. O ideal é juntar experiência profissional e reflexão acadêmica. Um exemplo paradigmático disso é o projeto dirigido pelos professores Fernando Ferreira e Miguel Pereira na PUC-Rio, o Comunicar, que seleciona alunos de comunicação para atividades práticas nas áreas de TV, jornal, rádio e publicidade. Aliás, os métodos de trabalho de Fernando e Miguel serviram de norte para boa parte das ações que empreendi no sentido de unir teoria e prática.

O corpo docente deve seguir o mesmo caminho. Assim, professores oriundos do mercado com título de mestre ou doutor possuem o perfil ideal. E mesmo nas disciplinas ‘teóricas’ os docentes devem dialogar com a realidade que cerca os alunos. No curso de jornalismo que dirigi, mais da metade dos professores eram mestres ou doutores, mas muitos deles vieram do mercado. Por isso, tínhamos facilidade para implementar uma série de projetos práticos em jornalismo. Hoje, como professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, escola pública e de notória excelência, encontro os mesmos desafios. Há professores competentes e dedicados, cuja principal preocupação é ‘antenar’ a produção prática com a reflexão crítica. No meu caso específico, leciono telejornalismo e jornalismo político, mas procuro sempre viabilizar a interação entre teoria e prática seguindo os preceitos que nortearam minha gestão como diretor e sub-reitor, funções que exerci durante cinco anos, construindo e reconstruindo currículos de jornalismo.

Na época, montei um núcleo de pesquisa acadêmica, cujo comando entreguei ao doutor Erick Felinto, e iniciamos uma série de atividades práticas. Os alunos produziam um telejornal universitário diário e ao vivo, de segunda a sexta-feira, às 19 horas, no canal comunitário da NET-Rio. Eles eram responsáveis por todas as etapas de produção, desde a pauta até a apresentação do jornal, reproduzindo fielmente o ambiente de uma redação de TV. A diferença é que os professores responsáveis pela orientação dos estudantes procuravam avançar no formato e no conteúdo, evitando as fórmulas dos telejornais tradicionais. Além disso, o curso tinha uma revista mensal, uma rádio interna, uma revista on-line, cinco programas de TV no Canal Universitário e cinco jornais-laboratório veiculados na grande imprensa, em periódicos como o Jornal do Brasil e O Dia, com tiragem semanal de cerca de quatrocentos mil exemplares.

Todos os projetos foram supervisionados por professores com experiência acadêmica e de mercado. Para o telejornal, nomeei o professor Fábio Watson, editor-executivo da Globonews, que fez mestrado em Nova York enquanto era diretor do escritório da Rede Globo. Para a TV Universitária, a professora Regina Varella, ex-coordenadora de programação da Rede Globo. Para as publicações, o ex-editor de O Dia, José Laranjo. Para a revista On-Line, Adilson Cabral, doutorando em comunicação e webdesigner. Para a rádio, o famoso repórter aéreo Genilson Araújo. Para a agência de publicidade, o professor Hugo Santos, eleito profissional do ano em 1984. E assim por diante.

Vale lembrar que, logo na primeira Expocom, concurso brasileiro de produtos estudantis de comunicação social, da qual participamos em 1999, a Estácio recebeu o maior número de prêmios entre todas as faculdades de comunicação do país: melhor telejornal, melhor revista, melhor revista on-line, melhor fotografia jornalística e melhor vídeo publicitário, além do grand prix de fotografia. O sucesso valeu uma matéria na revista Imprensa, com o título ‘Jornalismo se aprende na prática’. Nos anos seguintes, as premiações continuaram, não só no Brasil, mas no exterior. Ou seja, na prática, minha teoria baseia-se na produção crítica e na reflexão permanente. Na teoria, a prática fala por si mesma. Uma não tem sentido sem a outra.

Na verdade, a tal dicotomia não deve nem ser abordada. É uma pergunta superada. Teoria e prática devem estar juntas. Ponto final. A questão é: como articulá-las? Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o diploma de jornalismo não é obrigatório para o exercício da profissão, a articulação é feita a posteriori. O aluno passa pelo menos quatro anos em qualquer curso superior teórico (chamados de ‘undergraduate studies’) e, depois, ingressa em um curso de perfil prático com um ou dois anos de duração, uma espécie de pós-graduação lato sensu (‘graduate studies’). Na Universidade de Columbia, em Nova York, onde fui muito bem recebido pelos professores Josh Friedman e David Klatell, a Graduate School of Jornalism oferece disciplinas práticas em todas as mídias e especialidades. O aluno monta o currículo de acordo com o perfil que deseja para a sua atividade profissional (1).

O ensino de jornalismo em Columbia tem caráter eminentemente prático, embora, nos últimos anos, o diretor Nicholas Lemann tenha proposto um sistema híbrido (2), também voltado para a teoria, com ênfase em disciplinas como Estatística e Ciência Política, deixando a prática (específica e aplicada) para os últimos três meses de um curso de dois anos. Na verdade, a proposta só confirma a opção de não estabelecer uma dicotomia inconciliável entre teoria e prática, mas sim de pensar em como articulá-las.

No New York Times de 14 de maio de 2003 está registrado que uma das propostas específicas de Lemann é um curso que examine as diferentes maneiras de ‘busca da verdade’, além de abordar os tipos de indícios exigidos em áreas como Direito, Economia, Psicologia, Estatística e Filosofia. Ele também sugeriu que os alunos do primeiro ano façam cursos sobre Literatura Clássica e grandes pensadores. No segundo ano, os alunos se especializariam em uma disciplina concreta como Ciência, Religião ou Economia e produziriam uma publicação semelhante às feitas por alunos de faculdades de Direito americanas.

O modelo deve ser adotado na maioria das escolas americanas. Principalmente, na Ivy League, associação de oito universidades e faculdades de boa reputação do nordeste dos EUA, entre elas Columbia, Brown, Harvard, Princeton e Yale. Isso significaria a substituição do curso de dez meses por outro de dois anos no nível ‘graduate studies’. Entretanto, existem também os ‘undergraduate courses’ em Comunicação Social, cuja carga teórica é muito próxima a dos currículos brasileiros e europeus.

E por falar em Europa, na maioria dos países o diploma não é obrigatório, mas a exigência acadêmica é grande. Na França, por exemplo, o jornalismo costuma ser freqüentado por intelectuais de alta patente e tem forte tradição cultural e política. Boa parte das publicações tem identidade e posicionamento bem definidos. Na Inglaterra, também há jornais de estirpe, embora os tablóides de fofocas tenham forte presença no cenário local. A ilha de Sua Majestade é o paraíso dos paparazzi.

Jornalismo e comunicação

A história de cada país teve influência direta na forma de fazer jornalismo. A primeira tese de doutorado sobre a estrutura de um jornal foi defendida na Universidade de Leipzig, na Alemanha, em 1690, mas só em 1806 a Universidade de Breslau, também na Alemanha, ofereceu o primeiro curso sobre a imprensa. O ano de fundação da Escola Superior de Jornalismo de Paris é ainda mais recente: 1899.

A Espanha tem uma das mais famosas escolas de jornalismo do mundo, localizada na Universidade de Navarra, em Pamplona, coração do País Basco. Há cursos de graduação e pós-graduação em jornalismo por todas as regiões espanholas, mas a maioria ainda carrega o título de Comunicação Social, como, por exemplo, o curso da Universidade de Santiago de Compostela, umas das mais tradicionais do país. O mesmo acontece em Portugal, onde o ensino de jornalismo é recente, embora tenha um dos mais competentes teóricos do mundo, o professor Nelson Traquina, da Universidade Nova de Lisboa.

Em Coimbra, a mais antiga e tradicional universidade portuguesa, o Instituto de Estudos Jornalísticos só foi fundado na década de 1990 e ainda é ligado à Faculdade de Letras. Mesmo assim, já é academicamente respeitado, pois mescla a experiência universitária de catedráticos, como a professora Isabel Vargues, e o traquejo profissional de jornalistas como José Manuel Portugal, diretor da RDP Centro. As Universidades da Beira Interior e do Minho seguem o mesmo caminho, contando com professores como Antonio Fidalgo, João Canavilhas, Paulo Serra, Helena Souza e Felisbela Lopes, entre outros.

O ambiente para o ensino do jornalismo em todo o mundo ainda procura superar a obsoleta dicotomia entre teoria e prática, o que acaba se reproduzindo em outra dicotomia, conforme o caro leitor já deve ter percebido: comunicação ou jornalismo. E, mesmo não concordando com ela, para atingir os objetivos deste livro, é impossível não abordá-la.

No livro História das teorias da comunicação, Armand e Michele Mattelart (3) dão o tom sobre as dificuldades desta área de estudo:

A história das teorias da comunicação é a história das separações e das diversas tentativas de articular ou não os termos do que freqüentemente surgiu sob a forma de dicotomias e oposições binárias, mais do que de níveis de análise.

Uma percepção que encontra eco em outro famoso teórico, Mauro Wolf (4):

Daí resultou um conjunto de conhecimentos, métodos e pontos de vista tão heterogêneos e discordantes que tornam não só difícil, mas também insensata qualquer tentativa para se conseguir uma síntese satisfatória e exaustiva.

Wolf, então, opta por renunciar às correntes de pesquisa e expor apenas o que ele chama de tendências mais difundidas e consolidadas. E, embora o título de seu livro seja Teorias da comunicação, muitos dos conceitos estudados estão incluídos nas abordagens da Teoria do Jornalismo, como é o caso, por exemplo, do agendamento, do gatekeeper, e do newsmaking, que está inserido em uma perspectiva de construção da realidade.

Na verdade, as dificuldades e discordâncias estão no cerne do embate político sobre o tema. Não só na luta sobre definições e conceituações, mas na própria divisão entre os pesquisadores. Os teóricos da comunicação perguntam: ‘Afinal, jornalismo não é comunicação?’ Então, é preciso estudar a teoria da comunicação. Mas, para algumas correntes de professores de jornalismo, esses estudos estão ultrapassados e são irrelevantes para a formação dos jornalistas.

De minha parte, acredito que algumas abordagens da teoria da comunicação devam ser estudadas nos cursos de graduação. Entretanto, um recorte específico nas teorias do jornalismo, conforme as sistematizações propostas por professores como Nelson Traquina, Jorge Pedro Souza, Michael Kunczik, José Marques de Melo e Nilson Lage (que serão abordadas ao longo deste livro) são imprescindíveis para a formação dos futuros profissionais. E essa é mais uma razão para escrever o presente texto, além, é claro, da conhecida carência de publicações sobre o tema. O que não acontece com as teorias da comunicação, cuja bibliografia é bastante ampla e conta com autores brilhantes, como Muniz Sodré, Antonio Hohlfeldt e Daniel Bougnoux, entre outros.

Corte e recorte

De forma sintética, a Teoria do Jornalismo ocupa-se de duas questões básicas: 1) Por que as notícias são como são? 2) Quais são os efeitos que essas notícias geram? A primeira parte preocupa-se fundamentalmente com a produção jornalística, mas também envereda pelo estudo da circulação do produto, a notícia. Esta, por sua vez, é resultado da interação histórica e da combinação de uma série de vetores: pessoal, cultural, ideológico, social, tecnológico e midiático.

Já os efeitos podem ser divididos em afetivos, cognitivos e comportamentais, incidindo sobre pessoas, sociedades, culturas e civilizações. Mas também influenciam a própria produção da notícia, em um movimento retroativo de repercussão. Em suma, os diversos modelos de análise ocupam-se da produção e/ou da recepção da informação jornalística.

Neste livro, procuro sistematizar as principais questões desses modelos. Mas também quero incluir outros assuntos que considero pertinentes, como, por exemplo, as próprias técnicas de narração da notícia e os aspectos semiológicos do discurso jornalístico. Além disso, vou enveredar, de forma tangencial, por uma abordagem histórica, ética e epistemológica do jornalismo, bem como por discussões estilísticas, instrumentais e de gênero. Minha proposta é fazer uma introdução pequena e simples, que conduza a leituras mais aprofundadas. Nada mais, nada menos. Não pretendo esgotar assuntos ou ter a palavra definitiva sobre nada. Tanto que, ao final de cada item, há indicações bibliográficas para recortes específicos das questões.

A linguagem também é um pouco diferente daquela utilizada em meus livros anteriores. Para começar, escrevo na primeira pessoa do singular, o que não é comum em um livro considerado acadêmico. Geralmente as obras universitárias seguem um rigor estilístico que as torna muito pouco atraentes para o leitor. E isso inclui, além da fatídica utilização da primeira pessoa do plural e da narrativa hermética, uma infinidade de notas de rodapé e referências que desviam a leitura e interrompem o raciocínio. Para ser sincero, os textos acadêmicos são chatos. Muito chatos. Então, por que não tentar simplificá-los? No meu caso, como escrevo sobre teorias, cuja natureza é reducionista e complexa, a missão é muito difícil. Há também o receio de passar por cima de algum procedimento científico ou de não citar corretamente algum autor. Mesmo assim, vou correr o risco e procurar ser um pouco mais simples.

Todo livro é uma obra coletiva, pois dialoga com vários outros autores. Mesmo assim, escrever é e sempre será um ato solitário. Não há companhia para a angústia da página em branco. Isso já é um clichê para os escritores. Então, não entendo por que os círculos acadêmicos gostam do sujeito ‘nós’ em suas escrituras, mesmo compreendendo conceitos como intertextualidade e obra aberta, por exemplo. A primeira pessoa do plural não me soa bem nos artigos teóricos. Parece artificial, fabricada e, principalmente, confusa. Neste livro, o sujeito ‘nós’ só aparece quando se refere à classe dos jornalistas ou ao público em geral.

Minha opção pela primeira pessoa do singular também tem outra conseqüência: o uso de alguns exemplos baseados em experiências pessoais. Não pretendo ser auto-referente. Essa é apenas mais uma tentativa de simplificação, além de ter como objetivo explicitar minhas motivações ideológicas (5) e métodos de trabalho, o que considero imprescindível para ser honesto com o leitor.

Da mesma forma, serão utilizadas muitas histórias extraídas de jornais e revistas, além de quadros explicativos e metáforas. Ao longo do texto, o leitor vai encontrar frases em negrito que resumem alguns conceitos. Como já disse, ao final de cada item há indicações de leituras para o aprofundamento no referido tema. Mesmo assim, deixei uma bibliografia comentada nas últimas páginas do livro. Ali estão relacionados os autores que mais me influenciaram.

A divisão dos capítulos segue uma ordem metodológica própria. Primeiro, enveredo pelos conceitos e histórias do jornalismo, abordando temas como a invenção da imprensa, a notícia, a reportagem, as fontes e a ética, entre outros. Em seguida, meu assunto são as próprias teorias e críticas, organizadas segundo minhas interpretações sobre os autores que li e também direcionadas a algumas novas abordagens, como, por exemplo, a teoria dos fractais biográficos, que foi o tema de minha tese de doutorado. Por último, relaciono algumas tendências e alternativas que me parecem pertinentes para o bom exercício da profissão. Entre elas, a reportagem assistida por computador, um instrumento tecnológico imprescindível para o jornalismo contemporâneo.

Para terminar esta introdução, um alerta: apesar de escrever na primeira pessoa do singular, acredito piamente na idéia de construção coletiva do conhecimento. As teorias não pertencem a ninguém. São, no máximo, sistematizadas por algum pesquisador. Ele pode até ter o direito de reivindicar a autoria, desde que tenha consciência do percurso coletivo que o levou a ela. A grande armadilha para qualquer escritor que tenta enveredar por uma abordagem teórica é a convicção de ser o dono da narrativa. Essa visão transforma-o em um corpo estranho ao texto, um olhar externo, inverossímil, que o distancia do leitor.

A posse do discurso, como denuncia a própria etimologia, vem acompanhada de um sentimento de poder cuja principal característica é limitar a obra, deixando-a presa a dogmas e conceitos absolutamente questionáveis. Ajude-me a evitar essa armadilha, caro leitor. A narrativa em primeira pessoa é apenas uma tentativa de simplificação, não um sentimento de posse. Este livro é seu e de todos os outros autores que o influenciaram. Construa-o e reconstrua-o da maneira que achar melhor. Corte, recorte. Invente, reinvente. Nesse ponto, o sujeito ‘nós’ faz todo o sentido.

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Jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense, mestre e doutor em Literatura pela PUC-Rio; foi sub-reitor da Universidade Estácio de Sá, onde fundou e coordenou a pós-graduação em telejornalismo e jornalismo cultural e também ocupou o cargo de diretor da Faculdade de Comunicação Social.