Friday, 04 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Que bicho é esse?

Quando se fala de televisão hoje em dia é difícil encontrar consensos, tanto entre os críticos quanto entre os defensores. Por isso não deve ser fácil para quem estuda, pensa ou escreve sobre o veículo organizar idéias que sobrevivam por muito tempo. Há sempre algo novo, provocando, questionando, alertando, chamando atenção, exaltando, erguendo altares aos novos deuses, preconizando futuro, anunciando a morte ou a chegada de um novo tempo.

O livro Televisão regional, globalização e cidadania, que acaba de ser lançado no Vale do Paraíba, persegue respostas para três questões-chave: o que é televisão regional, como ela se organiza nas relações entre o massivo e o local e que tipo de experiência ela evidencia como determinante de sua identidade. É importante registrar, antes de qualquer comentário ou reflexão, que o material aqui reunido não dá a busca por concluída; pelo contrário, agenda e defende a sua continuidade. Mais do que respostas oferece pistas, aponta caminhos para futuras investigações, e, principalmente, abre novas questões.

No que diz respeito ao conceito de televisão regional os esforços de investigação organizados na coletânea apontam, pelo menos, para quatro conjuntos conclusões parciais:

a) o termo regional, a exemplo de muitos outros que viraram moda, perdeu força explicativa; precisa ser resgatado, reconstruído, ressignificado. Não pode ser pensado apenas pelo consenso imposto pela dimensão espacial. Há fatores de toda sorte (políticos, econômicos, sociais, tecnológicos, culturais) determinando seu destino. É uma construção social importante;

b) tal qual a globalização, a regionalização deve ser compreendida em sua forma dinâmica, seu movimento de passagem – ato ou efeito de regionalizar, mudança em curso;

c) a televisão regional se constrói, como experiência, dos modelos totalizadores aos quais se afilia para viabilizar-se como empreendimento midiático, das representações dominantes sobre o ser e o fazer televisivo, e do cotidiano das forças sociais locais, com as quais negocia, de forma permanente, a sua identidade;

d) independente da sua natureza (pública, privada, educativa, comunitária, virtual), não existe como um modelo pronto, acabado, definitivo; modela-se nas interações com o meio, em processos que envolvem disputas mercadológicas, estratégias de conquista de audiência e ressignificação de conteúdos.

Quanto a segunda questão – relação entre o massivo e o local – discute-se as transformações ocorridas na mídia, nos últimos anos, levando-se em consideração as mudanças na economia política que resultaram em concentração, diversificação, globalização e desregulamentação. Sugere-se, entre outras leituras:

a) que a globalização proporcionou a volta do olhar para o local, revalorizando os grupos regionais;

b) que as estruturas dos grupos regionais na América Latina possibilitaram que as informações sejam tratadas regionalmente e localmente, bem como as experiências de convergência no âmbito da Internet e da TV por assinatura também contribuíram para uma melhor relação com nichos específicos por parte dos grupos de mídia.

Por fim, sobre a relação experiência e identidade pondera-se:

a) que a proximidade veículo-público nem sempre é sinônimo de interações dialógicas. A televisão constrói seus produtos a partir de uma concepção média de público, generalizada pelas grandes redes, independente das particularidades locais;

b) o público, de uma forma geral, não participa, diretamente, da elaboração das pautas noticiosas, embora a ele se destinem os conteúdos, colocando em xeque, mais uma vez, a questão da identidade;

c) as agendas de interação disponíveis no mercado não contemplam o mais importante: o calor humano, o saber diferenciado, a boa vontade de colaborar, a produção dialógica; são processos mecânicos e unilaterais;

d) há experiências fundadas em conceitos importantes de jornalismo cidadão, educomunicação, jornalismo público, pauta cidadã, que tentam fazer frente ao status quo, mas não atingem às emissoras de natureza comercial; concentram-se nas emissoras de natureza pública, comunitária e educativa;

e) a televisão regional, por questão de sobrevivência, terá que rever sua relação com o público, e o primeiro passo desse processo é democratizar sua pauta conteudística; uma televisão regional de qualidade só pode ser construída com muitas mãos.

Como se observa neste breve panorama, o que se aponta, sugere e pondera, na presente obra, não tem caráter conclusivo; ao contrário, são provocações abertas à crítica. A intenção que move este projeto, apoiado pelo Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté (SP), que ousou incluir a Comunicação Midiática em suas linhas de pesquisa, não é outra senão a de enfatizar a necessidade de se investigar, com mais freqüência, a complexa rede de relações sobre a qual se organiza e se constrói a televisão regional.

Os autores são profissionais da comunicação envolvidos com o mercado, a pesquisa e, também, com a educação. Articulados pela força da internet, não hesitaram em colaborar com o projeto, oferecendo contribuições, algumas inéditas, outras re-elaboradas a partir de dissertações de mestrado, teses de doutorado e trabalhos apresentadas em congressos. A eles, os sinceros agradecimentos e a proposta de novas parcerias. O livro está dividido em duas partes, cada uma delas com três capítulos. A primeira, apresenta textos que problematizam história, conceitos e teorias; a segunda, experiências que refletem sobre o lugar da televisão regional na comunidade, na escola, no mercado. Boa leitura.

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Jornalista, doutor em Ciências, professor da Universidade de Taubaté (SP); os interessados no livro podem entrar em contato diretamente com a editora ou mandar e-mail ao autor