Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma crítica da mídia

Nascida em Itaúna, Minas Gerais, a poeta e artista Regina Mello também se coloca, categoricamente, como crítica da mídia, ao expressar os seguintes versos que integram seu fabuloso livro Cinquenta (2010): “Eu odeio computador/ odeio televisão/ porque são demasiadamente atraentes/ dominadores/ me pegam pra si e me perco”. Neste âmbito poético, a escritora lança questões fundamentais no sentido de problematizar os meios de comunicação, considerando um conjunto repleto de vícios que afetam diretamente a qualidade midiática tão almejada coletivamente.

Ao salientar quão exagerado se configura o poder de atração proveniente da mídia, Regina Mello traz à baila impressões pertinentes acerca da linguagem argumentativa utilizada pelos meios de comunicação no sentido de seduzir a atenção pública. Cabe salientar que argumentar se traduz como a arte de convencer e persuadir. Convencer é saber gerenciar informação, é falar à razão do outro, com a utilização de provas a respeito da razão demonstrada. Etimologicamente, convencer significa “vencer junto com o outro” (com + vencer), e não contra o outro. Já persuadir é saber gerenciar relação, é falar à emoção do outro. A origem dessa palavra está ligada à preposição per, “por meio de” e a Suada, deusa romana da persuasão. Sendo assim, persuadir significa “fazer algo por meio do auxílio divino”.

Segundo Antonio Suárez Abreu, em A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção (2006), “convencer é construir algo no campo das ideias. Quando convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nós. Persuadir é construir no terreno das emoções, é sensibilizar o outro para agir. Quando persuadimos alguém, esse alguém realiza algo que desejamos que ele realize”. Argumentar é, pois, em última análise, a arte de, gerenciando informação, convencer o outro de alguma tese no plano das ideias e de, gerenciando relação, persuadi-lo, no plano das emoções, a fazer alguma coisa que nós desejamos que ele faça.

A voz poética tecida por Regina Mello parece se incomodar com o propósito exclusivo de comunicação enquanto processo pelo qual o indivíduo (comunicador) transmite estímulos para modificar o comportamento de outros indivíduos. No conjunto dos versos em questão, existe um fecundo debate, envolvendo os propósitos da “comunicação dominante” e da “comunicação dominada”. Sutilmente, desponta um vetor poético a partir do qual se propõe a mudança estrutural dos atuais sistemas de informação dominantes, objetivando o atendimento de uma nova ordem cultural em que a direção ideológica se dê pelas classes dominadas, que estão fora do pacto do poder. A finalidade última é a “felicidade”, ou a “utopia”, e o sentido para o qual apontam é o da democratização da informação, mas que só é viável numa perspectiva de democratização da sociedade como um todo.

Riqueza de informação e pobreza de atenção

A poesia de Regina Mello também lança luz para uma melhor compreensão do seguinte fenômeno midiático: investe-se, em matéria de “capital simbólico”, muito mais nos apelos de persuasão (comunicação unilateral) do que nos exercícios de convencimento (comunicação bilateral/multilateral). O incômodo do eu-poético diante da dominação midiática representa o legítimo anseio de romper com a estrutura autoritária de funcionamento dos meios de comunicação, em que o poder de controle está nas mãos do emissor, ou seja, das classes e grupos dominantes (com suas variações nacionais e multinacionais). Esta ruptura quer dizer que a relação vertical existente entre emissor e receptor, em que ambos estão distanciados pelos papéis específicos desempenhados dentro do processo informativo, deve se transmutar, dissolvendo-se e conferindo a todos os participantes do processo o mesmo poder de participação. Isto pressupõe que todos tenham a mesma chance básica de poder deliberar sobre o que lhes é pertinente em termos da intensidade, do conteúdo e da forma do intercâmbio. Cada um deles tem o espaço político assegurado no sentido de determinar o que quer receber e transmitir, de que maneira, em que grau ou nível e qual o propósito do processo deflagrado.

Em última instância, a nova definição de comunicação procede a uma implosão da clássica estrutura emissor-mensagem-receptor, na medida em que ela é necessariamente unidirecional. Quando se propõe a reciprocidade e o intercâmbio, deixa de fazer sentido a existência do emissor (dono da informação) e do receptor (consumidor da informação) e a sua intermediação por uma mensagem. Esta deixa de ser uma “ponte” entre os integrantes da relação para fazer parte constitutiva desta relação. A poesia de Regina Mello, emblematicamente, colabora também no sentido de perceber que o nosso erro está em não nos atentarmos que muito do que chamamos comunicação nada mais é que transmissão: remessa num único sentido. Comunicação é expressão da alteridade por excelência, transitada em via de mão dupla, isto é, transmissão e recepção. Não sendo assim, os meios de comunicação correm o sério risco de carregarem, por mais tempo, o peso de serem veículos da chateação e da intromissão.

Além dos aspectos da atração e da dominação que marcam hegemonicamente a mídia, Regina Mello destaca o estado de desorientação existente em quem está diretamente exposto a uma realidade de inflação informacional. A importante advertência feita pela poeta dialoga diretamente com uma das melhores avaliações já realizadas sobre a economia da atenção. Refiro-me à seguinte reflexão expressa pelo economista estadunidense Herbert Simon (1916-2001), pelos idos da década de 1970: “O que a informação consome é bastante óbvio: consome a atenção de seus destinatários. Assim, uma riqueza de informação cria uma pobreza de atenção.”

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Marcos Fabrício Lopes da Silva é professor da Faculdade JK, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários