Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um favor à humanidade

Até quando vamos ser obrigados a ver e ouvir gente inapta falando sobre o que não sabe? Sobre ciência, vemos pessoas dando palpite (sim, é esse o termo), simplesmente porque não ‘acredita’ na teoria da evolução. Ora, ciência nunca foi questão de fé. Quando surgiu há séculos foi justamente porque as pessoas se cansaram de ter que aceitar idéias pela fé, perceberam os problemas que isso acarretava, e acharam melhor confiar apenas nas evidências concretas, e de preferência quando repetidas várias vezes por pessoas independentes ao redor do mundo. E isso não foi fácil, nem aconteceu da noite para o dia. Não estranho que o Sr. Rodrigo Lima, estudante de Curitiba, tache de ‘ideologia’ a defesa do evolucionismo feita pelo Sr. Ulisses Capozzoli.

Mas ele é estudante de quê? Pois trate de estudar mais, de preferência sobre evolução, ciência, história e filosofia. Como biólogo, passei um ano estudando genética, mais de dois estudando zoologia, outro ano e meio estudando botânica, um ano inteiro estudando ecologia, para não falar dos estudos sobre a própria evolução, paleontologia, geologia, física, fisiologia, etologia, bioquímica e diversas outras disciplinas que nos fornecem ‘evidências’ (muito mais que só um livro ‘sagrado’) sobre o processo evolutivo. Que, a propósito, já virou neodarwinismo faz mais de 50 anos! Talvez eu pareça arrogante dizendo tudo isso, mas como explicar em espaço tão pequeno o que levei cinco anos para aprender?

Acusarem-me de dogmático, de crédulo, de ‘algemado’ é muito fácil para quem não deu duro para uma disciplina científica séria que tanto tem contribuído à medicina, à conservação da biodiversidade e à visão mais humilde que passamos a ter de nosso papel como espécie.

E o Sr. José Eduardo Camargo, de Sorocaba, estudou o que para se considerar entendido de tantas bobagens que escreveu por aqui? Me explique, então, caro senhor, quais são as leis fundamentais da ciência que o evolucionismo contraria? E por favor, seja mais objetivo e menos retórico. Que ninguém sabe o que havia antes do Big Bang (e talvez essa pergunta nem faça sentido, dado que o próprio tempo talvez tenha nascido ali) nunca foi novidade, mas que átomos de hidrogênio se formam espontaneamente nas condições iniciais, e que os demais átomos são formados em reações nucleares no interior das estrelas, que estas mesmas estrelas, quando são grandes o bastante (e aí são chamadas de novas ou de supernovas) explodem e que a própria gravidade é suficiente para atrair o resultado dessas explosões e formar sistemas solares inteiros, tudo isso já foi ou visto por telescópios, medido em laboratório ou inferido por outros dados muito mais empíricos que a ‘arca de Noé’.

Façamos um favor a toda a humanidade, não falemos sobre o que não conhecemos. O Sr. Camargo afirma que o ‘postulado básico das origens’ defendido pelos evolucionistas é metafísico apenas porque não sabemos a origem do Big Bang? Ora, então me parece que ciência virou sinônimo de metafísica. Não é porque desconhecemos a origem geológica de um mineral qualquer que toda uma usina siderúrgica deixará de funcionar ou então se transformará num templo da nova era. Em outras palavras, o fato de não conhecermos as origens do universo não abala uma única vírgula do conhecimento sobre o fato da evolução biológica. Se alguém prefere ignorar o que se tem acumulado de informações durante quase 150 anos de pesquisa em diversas disciplinas, em todos os países livres e produtores de ciência do mundo, por milhares de pesquisadores de diferentes etnias, religiões e demais convicções pessoais, então que ao menos ignore esse conhecimento sozinho. Não é justo que imputemos aos outros nossa própria ignorância.

Para concluir, sinto-me na obrigação de apontar outra área, bastante diferente, na qual vemos pessoas opinando sobre o que não têm nenhuma experiência. Trata-se da polêmica mundial sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo. Em primeiro lugar, quando as pessoas perceberão que ninguém ‘escolhe’ ser gay, nem é algo aprendido na televisão ou na sala de aula? Se os detratores do casamento gay ao menos tivessem um amigo homossexual, de quem fossem íntimos (e isso não significa sexo, caso alguém ache impossível ser amigo de verdade de um gay), teriam opinião bastante distinta da que mantêm hoje.

Em segundo lugar, como é que padres podem opinar sobre a vida sexual de alguém, eles que – ao menos teoricamente – jamais fizeram sexo em suas vidas? E se fizeram se arrependem ardorosamente e tentam despoluir suas mentes do que deveria ter sido um aprendizado de alguma forma útil? Se realmente entre 5% e 10% da população humana são homossexuais (como aponta o Relatório Kinsey, o mais respeitado do mundo sobre sexualidade humana), então somem-se a eles os jovens das escolas públicas do Rio de Janeiro, e ainda as pessoas que serão obrigadas a tomar placebo no atendimento pelo SUS, e teremos uma idéia de quantos são diariamente prejudicados por tanta falta de bom senso.

Chega de desinformação, de opiniões não embasadas se passando por válidas e lutando para conseguir (e conseguindo) espaço igual ao de quem tem experiência! Se um marceneiro fosse ensinar o agricultor a plantar alface, e este fosse ensinar àquele como fazer uma boa mesa, ninguém levaria a sério tais disparates. Mas basta o assunto em questão ficar um pouco mais complicado, exigir alguns anos de estudo, e pronto, assistimos ao resultado de um sistema educacional miserável e vergonhoso, em todos os aspectos. Não é apenas triste, é revoltante.

Rodrigo Dias, analista ambiental e biólogo, São Gabriel da Cachoeira, AM

Apenas teoria – Canal do Leitor [rolar a página]

Lógica ao avesso – Canal do Leitor [rolar a página]



Criacionismo científico

É muito fácil ir a público carregando meia dúzia de adjetivos a tiracolo, do tipo essa idéia é um ‘absurdo’, ou isso é coisa de gente ‘néscia’, e por aí vai. Reclama-se tanto das limitações do jornalismo científico, mas os próprios críticos raramente apresentam fatos, e ficam só no blábláblá opinativo. Há quem considere o criacionismo como estando no campo da metafísica (e, em certo sentido, tem razão), mas quando a ciência extrapola seus limites (experimentação, repetição, previsões de acordo com as observações etc.) ao afirmar que Deus é uma impossibilidade lógica e a criação, um absurdo, não está (a ciência) também invadindo um espaço que não lhe diz respeito?

Acho curioso o fato de haver muitos cientistas respeitadíssimos que se consideram ‘crentes’ (como também há muitos ateus). Se a existência de Deus fosse uma constatação do domínio científico, creio que todos os cientistas seriam crédulos. E o contrário também seria verificado: sendo Deus uma impossibilidade científica, todos aqueles que se pautam pelo método científico seriam ateus. Mas não é assim. O jornalismo científico foge às suas propostas (elogiáveis) de esclarecimento quando divulga artigos carregados de preconceito e premissas questionáveis, formando opiniões unilaterais. ‘O cientista disse que Deus é um absurdo, então deve ser assim mesmo’, é a conclusão popular.

Anseio ver o dia em que a mídia possa abrir espaço para a publicação de artigos criacionistas ‘científicos’ sérios, escritos por bons autores e pesquisadores criacionistas, e não apenas a interpretação do que seja criacionismo, do ponto de vista evolucionista. Talvez, se houvesse um debate mais aberto e respeitoso, ainda que não se chegasse a um consenso, haveria maior clareza com relação ao que ambos os lados pensam e pregam. Se a ciência e a imprensa se detivessem nos fatos, deixando o juízo de valores (ou as conclusões quanto às origens) aos leitores, estariam cumprindo de forma mais efetiva seu papel.

Michelson Borges, jornalista, Tatuí, SP