Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Identificação de mentiras eleitorais em tempo real

Ao conceder o prêmio Mentira do Ano a Donald Trump, em dezembro do ano passado, a turma do PolitiFact [projeto administrado pelo Tampa Bay Times no qual repórteres e editores do jornal, assim como de outros veículos afiliados, apuram a veracidade de declarações feitas por parlamentares, pelo presidente e por lobistas e grupos interessados] teve bastante material de onde fazer a seleção.

Durante o primeiro debate do Partido Republicano, no dia 6 de agosto em Cleveland, estado de Ohio, o candidato do partido que lidera a preferência pela indicação para presidente disse que o governo do México manda “os vilões para cá”, referindo-se à entrada nos Estados Unidos, não documentada, de imigrantes daquele país.

No dia 21 de novembro, em Birmingham, estado do Alabama, Trump denunciou que “milhares de pessoas estavam aplaudindo” em Jersey City, estado de Nova Jersey, quando as torres do World Trade Center desmoronaram, em 11 de setembro de 2001. Não há provas que sustentem essa denúncia e Trump não apresentou qualquer uma para apoiá-lo.

Em 22 de novembro, Trump fez um retuíte de uma imagem que continha a seguinte estatística: “Brancos assassinados por brancos – 16%; brancos assassinados por negros – 81%”. As estatísticas do FBI mostram que, em 2014, 82% das vítimas brancas foram assassinadas por brancos e o número de brancos mortos por negros foi de aproximadamente 15%.

“Tivemos uma longa discussão para avaliar se uma mentira era mais significativa do que outra, mas no fim da discussão pareceu-nos que seria uma escolha difícil”, diz Angie Drobnic Holan, editora do PolitiFact, vencedor do prêmio Pulitzer de apuração jornalística do Tampa Bay Times. “As mentiras eram imprecisas e incendiárias.” Então, o PolitFact acabou designando as falsidades coletivas de Trump como Mentira do Ano, ao invés de selecionar uma delas como particularmente escandalosa.

Detectar instantaneamente as denúncias

As temporadas de campanhas eleitorais sempre ocupam muito o pessoal que apura a veracidade dos fatos, mas nesta campanha presidencial isso tem sido particularmente intenso. Segundo o Reporter’s Lab, da Universidade Duke, existem 96 projetos de apuração de fatos em atividade nos Estados Unidos e no exterior, o que representa um aumento de 50% em relação ao ano passado. Muitos deles estão utilizando tecnologias avançadas para automatizar e acelerar o processo. “A chave para o futuro desses projetos de apuração é conseguir verificar os fatos virtualmente num instante e fazer com que seja apresentado ao veículo que fez a denúncia”, diz Bill Adair, diretor do Reporter’s Lab e fundador do PolitFact.

As pesquisas sugerem que as pessoas se preocupam com a apuração dos fatos – de certa maneira. Um estudo do Instituto Americano de Imprensa – API [American Press Institute] que mediu as visitas feitas pelo público para avaliar a apuração dos fatos durante a campanha de 2014 descobriu que quase a metade das pessoas ouvidas pela pesquisa ignoravam parcial ou totalmente essa prática. As pessoas que conheciam um pouco mais do trabalho de apuração de fatos avaliavam o projeto de maneira mais favorável, assim como indivíduos bem-informados sobre política em geral, principalmente democratas. O estudo da API, que foi divulgado na última primavera, constatou que 59% de democratas politicamente bem-informados tinham uma opinião favorável do pessoal que apura a veracidade dos fatos, contra 34% de republicanos bem-informados. Em relação aos democratas politicamente menos informados, 36% avaliavam os apuradores de fatos de maneira favorável, comparados a 29% de republicanos menos informados.

A apuração da veracidade dos fatos vem sendo cada vez mais reforçada por ferramentas como a ClaimBuster, uma plataforma automatizada projetada para ajudar a identificar quais as denúncias feitas por políticos que deveriam ser verificadas. O ClaimBuster, que é um projeto colaborativo criado por jornalistas, professores e cientistas de computação da Universidade do Texas, em Arlington, e da Universidade Duke (com a participação de Bill Adair), pelo Google Research e pelo jornal Dallas Morning News, é programado para dar às declarações políticas uma classificação de valor de verificação que aponta quais delas merecem verificação. Durante os debates dos partidos Democrata e Republicano, a equipe do ClaimBuster alimentou o protótipo com legendas ocultas e enviou algumas das declarações que mais valiam a pena verificar pelo Twitter. Embora de momento o sistema só identifique declarações, os pesquisadores esperam que o ClaimBuster acabe conseguindo monitorar fluxos de dados ao vivo, textos de redes sociais e websites – de forma a não só detectar instantaneamente denúncias de fatos, mas também comparar declarações identificadas com um depósito de checagem de notícias existentes de veículos como PolitFact e FactCheck.org.

A biblioteca digital sem fins lucrativos Internet Archive também vem trabalhando para avançar a apuração dos fatos. Seu buscador, Political TV Ad Archive, usa algoritmos para identificar e classificar anúncios políticos em 20 mercados – incluindo os dos estados da Flórida, Iowa, Ohio e Virgínia – e torná-los disponíveis aos apuradores da veracidade dos fatos, assim como a outras pessoas interessadas no material.

Um serviço essencial para a democracia

O Archive já fez parcerias com o Reporter’s Lab, na Universidade Duke, com o Fact Checker do Washington Post, com o FactCheck.org e com o Center for Public Integrity para examinar em profundidade publicidade política desde a temporada das primárias de 2016 e, até o momento, veículos como Fusion e Fox News já usaram suas informações em matérias. Andrew McGill, editor assistente da revista The Atlantic, e outros colegas fuçaram o arquivo para visualizar uma tela de televisão de tamanho médio no dia 29 de janeiro, dois dias antes das primárias de Iowa, quando um anúncio ia ao ar, em média, por 45 segundos.

Na Universidade Duke, Bill Aidar também está desenvolvendo Share the Facts, uma ferramenta que permite a jornalistas, blogueiros e colunistas embutir resumos de checagem de fatos em seus artigos – da mesma forma que já fazem embutindo tweets. Um post recente sobre a PolitFact num site do estado de Carolina do Norte, que funciona em parceria com The News & Observer na cidade de Raleigh, classificava como “meia verdade” a declaração de Donald Trump de que sua candidatura teria recebido o endosso da Nascar [National Association for Stock Car Auto Racing]. Ele recebeu, de fato, o endosso do diretor-presidente da Nascar, Bill France, mas a associação não endossou Donald Trump. O post citado incluía a ferramenta embutida, mostrando a fala de Trump, a data e a ocasião em que a denúncia fora feita e a classificação de veracidade da PolitFact, que vai de “verdadeiro” a “inteiramente falso”.

Michelle Ye Hee Lee, uma repórter do Fact Checker, do Washington Post, está ampliando a checagem de informações, levando-a para o Snapchat. Como o Snapchat prioriza a imagem, e não o texto, Michelle Lee seleciona a apuração de fatos que pode ser facilmente explicável sem muitas palavras. Por exemplo, quando Ted Cruz denunciou, durante o debate dos republicanos em 3 de março, que passou boa parte de sua vida defendendo a aplicação da lei, Michelle Lee enviou um post com a denúncia de Cruz acima de uma ilustração do candidato. Quando os usuários o receberam, viram uma frase do Post desmascarando a denúncia de Ted Cruz: “Não é bem assim… Ele está exagerando. Ele era um advogado do Texas e defendia criminosos em seu escritório particular.” Checagem de notícias como esta do Snapchat representaram um maior número de visitas do que qualquer outra matéria política na plataforma do Post.

Embora jornalistas e cientistas de computação estejam trabalhando para aperfeiçoar o processo e fazê-lo ao vivo, Bill Adair acha que o crescimento dessa prática assinala “um momento maravilhoso para o jornalismo de responsabilidade. A checagem de notícias fornece um serviço crítico para a democracia no qual muitas, muitas pessoas mesmo, confiam para formar o que acreditam que seja a verdade”.

(A matéria teve a colaboração de Eryn M. Carlson)

***

Tatiana Walk-Morris é repórter do Nieman Journalism Lab