Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Resposta a um fantasma de Boston (2)

Demonstrado pela forma da sua argumentação que o sr. Colucci é um vigarista, não me agradaria que os leitores, só por isso, dessem o caso por encerrado, desistindo de examinar a substância dos seus argumentos. Nem só de vigarice vivem os vigaristas, e idéias substancialmente verdadeiras podem também ser defendidas por meios desonestos. Embora essa combinação seja raríssima, não pode ser excluída a priori. Ao julgar uma argumentação perversa, é preciso distinguir cuidadosamente forma e substância, para não correr o risco de condenar, junto com o advogado trapaceiro, o cliente honrado que o contratou por engano.


Infelizmente, não é esse o caso presente. O exame do conteúdo mostrará, para além de qualquer dúvida razoável, que a causa do sr. Colucci é tão desonesta quanto os meios que ele usa para defendê-la.


Por absoluta falta de tempo, e por não ser o sr. Colucci nenhuma prioridade, adiei mais que o previsto a publicação desta segunda parte, que ainda terei de subdividir em três seções, uma dedicada aos temas históricos, outra ao conceito evolucionista em geral, outra ao experimento Dawkins e suas implicações científicas. Aqui vai a primeira seção.


Alguns dirão, diante da extensão do presente trabalho, que o sr. Colucci não merecia uma resposta tão meticulosa. Dito assim, é verdade. O sr. Colucci, em pessoa, não mereceria nem uma cuspida na cara, tendo em vista que o cuspe pode ser melhor aproveitado para colar selos ou limpar manchas. Mas a presente resposta não é bem ao sr. Colucci: é às dúvidas que muitos leitores me enviaram depois de ter lido o blefe dele no Observatório da Imprensa. A cada um, ante a impossibilidade de explicar o caso em poucas linhas, pedi que esperasse. Esta resposta é uma homenagem à sua paciência.


*


Para começar, vejamos como o sr. Colucci lida com a minha afirmativa de que o evolucionismo está nas origens do comunismo e do nazismo. Essa afirmativa não é minha: ela reflete uma opinião dominante entre os estudiosos de história intelectual e história das idéias. Ao tratá-la como se fosse apenas opinião minha (‘Olavo de Carvalho diz isto’, ‘Olavo de Carvalho diz aquilo’), o sr. Colucci demonstra a sua ignorância desses estudos ou finge que os ignora para dar aos leitores a impressão enganosa de que está discutindo com um esquisitão isolado e não com um consenso científico bem estabelecido.


A história desse consenso segue uma curva bem regular. Até os anos 40, não havia entre os historiadores nenhuma dúvida quanto à ancestralidade darwiniana do comunismo e do nazismo, mesmo porque alguns dos mais destacados próceres evolucionistas a proclamavam com orgulho. Após a derrota do nazismo, surgiram, como era natural, algumas tentativas de limpar retroativamente a imagem de Darwin, mas foram logo impugnadas e atualmente ninguém mais as leva a sério no campo da historiografia profissional, por mais que os crentes da igreja darwinista se apeguem a elas com obstinação devota.


A herança do darwinismo é hoje bem conhecida, graças principalmente aos estudos de Richard Weikart, Robert M. Young e John Reeve Pusey, que rastreando cronologicamente a bibliografia a respeito, reconstituíram a seqüencia das reações à teoria darwiniana, respectivamente no ambiente germânico, anglo-saxônico e chinês.


Nenhum desses historiadores ou dos muitos outros que os acompanham nas suas conclusões (indico alguns nas notas de rodapé) nega a complexidade de uma seqüência causal cheia de correntes cruzadas, nem atribui ecslusivamente ao darwinismo a paternidade dos movimentos totalitários. Mas nenhum ignora o papel estratégico que o darwinismo desempenhou em substituir à moral cristã uma ética baseada na superioridade material, no poder das comunidades mais organizadas e no culto do corpo e da ‘saúde’ e portanto em fazer com que a idéia de eliminar os mais fracos como entraves ao progresso viesse a ser amplamente aceita como uma exigência científica pura e simples. Também nenhum historiador, com os dados que possui hoje, imagina, como o sr. Colucci, que esse rol de conseqüências veio de ‘extrapolações indevidas’ operadas por ideólogos e pensadores sociais alheios à pesquisa natural. Todos sabem que a coisa começou com o próprio Darwin e seus colaboradores mais próximos e se propagou com a ajuda de eminentes cientistas darwinistas. Os ideólogos e pensadores sociais não fizeram senão ir a reboque da ‘ciência’. Não precisaram recobri-la de um manto ideológico porque ela já trazia dentro de si, camuflada em linguagem cientificamente neutra, uma carga ideológica altamente explosiva da qual só restava acender o estopim.


O isolamento asséptico com que o sr. Colucci parece separar ciência e ideologia é ele próprio uma camuflagem, já que produzido exatamente pelos meios inversos aos que se deve usar para prevenir contaminações desse tipo. Qualquer estudioso sério sabe que nenhuma teoria científica nasce isenta de resíduos ideológicos, mas, ao contrário, só se livra deles mediante a cuidadosa e reiterada análise crítica de seus pressupostos e implicações. A simples proclamação dogmática de pureza científica, desacompanhada desse esforço de análise ou, pior ainda, acompanhada de uma indignada recusa de submeter-se à análise, é um indício quase seguro de preconceitos ideológicos embutidos, refratários à desocultação.


No caso do evolucionismo, essa recusa torna-se ainda mais suspeita por tratar-se de uma teoria que, mal acabou de ser publicada, já produziu conseqüências ideológicas de proporções gigantescas e continua a produzi-las até hoje, sendo raro o evolucionista professo que não tenha posição firmada no partido materialista, laicista e anti-religioso, com exceção daqueles que preferem fazer guerra anti-religiosa por meios mais sutis e ainda mais perniciosos, deformando a religião para transformá-la numa caricatura mais ao gosto do materialismo evolucionista. E a suspeita transforma-se quase em certeza quando se comprova, por documentos irrespondíveis, que essas conseqüências não sobrevieram ao evolucionismo desde fora, como respostas imprevistas do meio social, mas foram previstas e desejadas pelos criadores da teoria, a começar pelo próprio Charles Darwin. Nessas condições, como deixar de enxergar uma camuflagem ideológica típica na recusa presunçosa de examinar a responsabilidade dos evolucionistas na geração de efeitos que eles próprios, de maneira aberta e declarada, desejaram com ardor e planejaram com astúcia, ainda que sem poder medir a imensidão do mal que com isso produziam?


Bem ao contrário do que o sr. Colucci imagina ou procura simular, a negação peremptória da influência evolucionista na origem das duas ideologias totalitárias é que, no presente estado dos conhecimentos, constitui uma esquisitice isolada. Quem quer que defenda em público essa tese só pode ser um pioneiro da investigação histórica, detentor de novas evidências desconhecidas pelo consenso científico, ou então um palpiteiro recém-chegado, que ignora por completo o status quaestionis. Para verificar em qual das duas categorias entra o sr. Colucci, é preciso notar, desde logo, que a hipótese defendida por ele contraria flagrantemente os depoimentos dos próprios fundadores daquelas duas ideologias, os quais reconhecem explicitamente sua dívida intelectual para com Charles Darwin.


Darwinismo e marxismo


Primeiro os marxistas. Eis o que diz a respeito o sr. Colucci:


‘Disse Engels: ‘Assim como Darwin descobriu as leis da evolução na natureza orgânica, Marx descobriu as leis da evolução na história humana.’ Não é possível estabelecer conexão mais substanciada entre darwinismo e marxismo do que essa, e a única conclusão a que se chega através dela é que Marx e Engels admiravam Darwin. Só.’


Viram bem? ‘Só.’ Nada mais que um paralelismo externo, sem ‘conexão substanciada’. Nada mais que uma ‘admiração’ epidérmica, sem raíz em qualquer ligação interna entre as teorias dos admiradores e as do admirado. O sr. Colucci não poderia ter sido mais enfático. Infelizmente, a ênfase não substitui vantajosamente o exame dos documentos. Estes mostram, da maneira mais inequívoca, que Marx e Engels não viram Darwin, nem muito menos a si próprios, segundo a ótica que lhes atribui a fantasia do sr. Colucci.


O primeiro impacto do darwinismo em Karl Marx foi profundo:


‘A idéia de Darwin – escreveu ele – é de extrema importância e se harmoniza com os meus propósitos, na medida em que fornece uma base científico-natural para a luta histórica das classes.'[1]


Marx aí não expressa apenas uma admiração genérica, mas fundamenta essa admiração no fato de que a seleção natural fornece ‘uma base científico-natural’ para a sua própria teoria da luta de classes. A ligação que ele vê entre esta e o darwinismo não é o mero paralelismo externo que pretende o sr. Colucci: é a da conseqüencia com a sua causa, a de uma aplicação específica com o princípio geral que a fundamenta: a luta de classes, aventada primeiro como pura constante sociológica, torna-se agora a manifestação social do princípio abrangente da seleção natural. Essa filiação será em seguida incorporada à tradição comunista e às doutrinas oficiais da URSS e da China maoísta, sem jamais chegar a ser questionada por nenhum pensador marxista de destaque. Bem ao contrário, segundo observa Richard Weikart no mais meticuloso estudo que até hoje se fez a respeito, ‘o evolucionismo, em alguma de suas versões, foi sustentado por todos os teóricos marxistas maiores’.[2]


Quase um ano depois da carta acima mencionada, tendo feito uma leitura atenta de A Origem das Espécies, Marx reitera:


‘Darwin é absolutamente esplêndido. Havia um aspecto da teleologia que esperava para ser demolido, e isto agora está feito. Nunca antes se fez uma tentativa tão grandiosa de demonstrar a evolução histórica na natureza, e certamente nunca de maneira tão boa.'[3]


Engels, expondo sua visão da concorrência capitalista, não vê entre a seleção natural e a luta de classes um mero paralelismo fortuito, mas uma continuidade essencial:


‘As vantagens nas condições naturais ou artificiais de produção decidem agora a existência ou inexistência dos capitalistas individuais, assim como de indústrias e países inteiros. Aquele que cai é, sem remorsos, posto de lado. É a luta darwiniana do indivíduo pela existência, transferida da natureza para a sociedade com violência intensificada. As condições da existência natural do animal aparecem como o termo final do desenvolvimento humano.'[4]


Na dialética de Marx, como na de Hegel, o ‘termo final’ de um processo é a revelação da sua verdadeira essência, que as etapas anteriores do desenvolvimento encobriam. Ao eclodir com ‘violência intensificada’ no auge do desenvolvimento capitalista, a luta darwiniana pela sobrevivência revela ser, nada mais, nada menos, a força interna que move a História. É a isto que o sr. Colucci chama ‘falta de conexão’ entre as duas teorias.


Mas Engels enfatiza ainda a importância do darwinismo para a crítica marxista de toda a concepção tradicional da natureza que havia imperado desde a Antigüidade até a Renascença, e que os pensadores iluministas tinham, com menos sucesso do que Darwin, tentado derrubar:


‘Darwin deve ser citado antes de todos os outros. Ele desferiu na concepção metafísica da Natureza o mais pesado golpe, com sua prova de que todos os seres orgânicos, plantas, animais e o próprio homem, são os produtos de um processo de evolução que durou milhões de anos.'[5]


O sentido histórico desse ‘pesado golpe’ é assim descrito por Seyyed Hossein Nasr, provavelmente a maior autoridade viva no estudo comparado da história das ciências com a história das religiões:


‘Metafisicamente, … o que quer que cresça e se desenvolva é apenas a atualização de uma possibilidade que prexistia na ordem divina. Metafisicamente, aquilo que pertence a uma ordem mais baixa não pode nunca dar origem àquilo que pertença por natureza a uma ordem mais alta. Do ponto de vista da scientia sacra, o único sentido que pode ter a evolução de alguma coisa é o de uma atualização das possibilidades latentes nesse ser. De outra maneira, nem a passagem de eras inteiras pode produzir algo do nada… O que a teoria da evolução faz é deificar o processo histórico, não apenas ao considerá-lo como a realidade última, mas ao transferir a ele o poder de creatio ex nihilo antes atribuído à Divindade transcendente.'[6]


A convergência com os propósitos do marxismo não poderia ser mais evidente. Mas essa convergência não se deu só na teoria, não ficou limitada às convicções subjetivas dos fundadores do marxismo. Os revolucionários práticos, que deram à ideologia marxista sua encarnação material nos regimes comunistas implantados na URSS e na China, inspiraram-se continuamente na índole darwinista da teoria que seguiam:


‘A descoberta de Darwin é o mais alto triunfo da dialética no campo inteiro da matéria orgânica’, afirmou Leon Trotsky.[7]


Para quem conhece marxismo o suficiente para saber que nele o termo ‘dialética’ não tem o sentido aristotélico de uma mera técnica lógica, mas o de uma síntese ativa de teoria e prática, isso quer dizer que para Trotski a própria praxis revolucionária era darwinismo em ação. No mesmo sentido deve-se compreender George Plekhanov, o maior teórico do marxismo russo na época da Revolução, quando ele diz: ‘O marxismo é o darwinismo aplicado à ciência social.'[8] ‘Ciência’, no contexto marxista, não quer dizer nunca a investigação teorética desinteressada, mas a união indissolúvel da teoria com a ação transformadora da sociedade.


A herança darwinista do comunismo, afirmada na origem da teoria comunista e reiterada no curso do processo revolucionário é, por fim, reconhecida pelo governo de um regime comunista plenamente instalado: ‘O socialismo chinês fundamenta-se em Darwin e na teoria da evolução’, disse Mao Tsé-tung.[9]


Cem anos de afirmações reiteradas dos mais destacados líderes marxistas, atestando a herança profunda do darwinismo, são reduzidos pelo sr. Colucci à mera expressão da simpatia pessoal nascida de um paralelismo fortuito. Não vou perguntar se isso é intrujice ou loucura. O sr. Colucci não me parece louco de maneira alguma.


Darwinismo e liberalismo


O que pode dar ocasião a confusões, nas quais um leigo nos estudos históricos como o sr. Colucci não perderá a oportunidade de cair sempre que possível, é o simples fato de que nenhuma influência de uma corrente de pensamento sobre outra é jamais unívoca e homogênea, mas sempre marcada por ambigüidades e disputas internas. É verdade, por exemplo, que alguns marxistas preferiam a versão lamarckiana do evolucionismo, por lhes parecer mais compatível com a doutrina revolucionária, enquanto o darwinismo stricto sensu foi subscrito mais entusiasticamente pelos socialistas revisionistas ou evolucionários, como Bernstein e Kautsky. Mas é evidente que a influência de Darwin como promotor e primeiro legitimador científico bem sucedido da idéia geral evolucionista foi muito mais decisiva, historicamente, do que as diferenças menores que a separavam de outras correntes evolucionistas anteriores ou posteriores. O evolucionismo é uma força histórica com identidade própria, e alegar suas divisões internas para negar a realidade da sua influência sobre o marxismo é tão bobo quanto negar a existência da corrente histórica marxista alegando a multiplicidade de suas subdivisões. Todas as correntes de idéias têm subcorrentes opostas entre si, e isso nunca foi motivo para negar sua existência histórica. Os platonismos não abolem o platonismo, os aristotelismos não suprimem o aristotelismo, os kantismos não negam o kantismo. Só o recém-chegado pode, na confusão dos dados mal apreendidos, perder de vista a unidade e continuidade históricas de fenômenos tão bem caracterizados. [10]


Outro motivo de confusão para os Coluccis da vida é que nenhuma doutrina de grande impacto exerce influência numa só direção, mas afeta correntes de idéias que podem ser opostas e incompatíveis entre si. A disputa entre Esaú e Jacó não é prova de que não fossem filhos da mesma mãe. Quando o sr. Colucci, para provar que o evolucionismo darwinista não influenciou o marxismo, alega que ele influenciou o liberalismo capitalista, a confusão é precisamente desse tipo. É tão primária quanto alegar que Kant não pode ter influenciado o idealismo de Fichte e Schelling porque influenciou o positivismo de Comte. [11]


Qualquer que seja o caso, duas correntes de idéias só podem ser influenciadas por uma terceira num ponto em que tenham algo em comum não somente com ela, mas entre si, por mais diferentes e incompatíveis que sejam em tudo o mais. E a área de intersecção entre o liberalismo e o marxismo é tão bem conhecida dos historiadores que chega a ser cômico ter de discutir com alguém que, pretendendo entender do assunto, a ignora ao ponto de tomar a inexistência dela como premissa auto-evidente para provar seus argumentos.


‘Liberalismo’, ao contrário de ‘marxismo’ ou de ‘evolucionismo’, não é o nome de uma corrente doutrinal identificável, consolidada por debates internos fundados na unidade de premissas gerais comuns. É apenas o nome de dois valores práticos – economia de mercado e liberdades civis essenciais – que podem ser e efetivamente vêm sendo defendidos desde premissas filosóficas absolutamente incompatíveis entre si. Marxismo ou evolucionismo são vastas correntes de influência que, nascendo de uma cosmovisão geral unitária, se diversificam em subcorrentes e em dissensões internas quando descem das premissas gerais às aplicações teóricas ou práticas mais particularizadas. Liberalismo é, ao contrário, o nome de uma convergência prática de cosmovisões teoricamente diversas e inconciliáveis. Nenhum estudante de história das idéias tem o direito de ignorar isso.[12] Muito menos tem o direito de ignorá-lo o debatedor que entra na arena de dedinho em riste, com ares de fiscal, passando pito em homens experientes e bem informados. Por isso, é tanto mais justo falar de ‘liberalismo’, no singular, quanto mais o debate verse sobre política prática imediata (na qual, para não citar senão exemplos brasileiros, o católico tradicionalista Adolpho Lindenberg podia estar em perfeito acordo com o céptico voltaireano Roberto Campos), e tanto mais necessário falar de ‘liberalismos’, num eloqüente plural, quanto mais o enfoque pretendido se eleve ao plano maior da história das idéias, que é precisamente o da discussão aqui em pauta.


Ora, dentre os vários liberalismos, aquele que esteve associado ao evolucionismo foi justamente o da segunda metade do século XIX — um tipo de liberalismo que, já não tendo um Ancien Régime a derrubar nem ainda um comunismo soviético a combater, se definiu precisamente pela sua oposição implacável à fé religiosa, pelo seu cientificismo e pelo seu materialismo militante. Esse liberalismo está muito mais próximo da linhagem antitradicional e revolucionária de 1789 que do nascente capitalismo americano – marcado, segundo Tocqueville, pela síntese indissolúvel de economia de mercado e religião cristã – , isto para não falar do moderno liberalismo de Mises e Hayek, base de um movimento conservador que, desde sua fundação nos anos 40 até as eleições de Ronald Reagan e George W. Bush, veio marcado com o selo indelével de um cristianismo intransigente e do combate aberto ao materialismo em todas as suas formas.


Se, de outro lado, é fato que o darwinismo social inspirou alguns doutrinários do imperialismo inglês e norte-americano, ele jamais se incorporou ao programa de nenhum dos grandes partidos das duas nações democráticas, permanecendo uma orientação intelectual desprovida de representação política organizada, bem ao contrário do que aconteceu nas nações socialistas, que, conforme já vimos, o adotaram oficialmente como doutrina estatal. Tentar equiparar o peso político da influência darwinista nos regimes de países capitalistas e comunistas, como o faz o sr. Colucci, é fraude no sentido mais estrito do termo. Não me espanta que, para sustentá-la, o sr. Colucci tenha sido levado a recorrer ao expediente supremamente porco da difamação psicológica, ao atribuir a uma ‘obsessão’ a ênfase que dei à influência darwiniana sobre o comunismo, ênfase que, no campo dos fatos históricos, é uma simples questão de realismo. Também não espanta que, nessa linha de esforços, o sr. Colucci tenha perdido totalmente o senso das proporções, dando ao darwinismo social americano uma importância que nunca teve[13] e acumpliciando-se, assim, ao velho ardil da propaganda comunista já mil vezes desmascarado, que, com base em procedimentos desse tipo, associa capitalismo americano e nazismo. Se essa associação realmente existisse, caberia perguntar se esse infeliz brasileiro tem sofrido muito desde que abandonou o paraíso tupiniquim para expor-se aos horrores do nazismo em Boston.[14]


Darwinismo e nazismo


Ainda mais grotesco é o esforço que o sr. Colucci faz para isentar Darwin de qualquer responsabilidade histórica pelo racismo nazista, lançando a culpa integral sobre o ‘darwinismo social’ de Herbert Spencer:


‘A influência dominante no nazismo é o chamado darwinismo social – uma ideologia racista que Olavo de Carvalho confunde com o darwinismo propriamente dito. O que foi chamado de darwinismo social por volta dos anos 1930 já existia antes de Darwin, nas idéias de Herbert Spencer. Em Social Statics, de 1850, Spencer afirma que as condições sociais modernas favorecem a multiplicação dos menos aptos. Como muitos outros, Spencer, em sintonia com o cientificismo de seu tempo, não deixou escapar a oportunidade de tomar emprestada a respeitabilidade científica da evolução para a sua ética. Foi Spencer, e não Darwin, quem cunhou a expressão ‘sobrevivência dos mais aptos’.’


É verdade que o darwinismo social já existia antes de Darwin, é verdade que foi Spencer e não Darwin quem inventou o conceito e a expressão de ‘sobrevivência dos mais aptos’. Mas isso prova exatamente o contrário do que pretende o sr. Colucci. Para começar, não existe entre o evolucionismo de Spencer e o de Darwin a diferença de uma teoria puramente sociológica (ou ideológica) para outra puramente biológica, diferença que o sr. Colucci nem se dá o trabalho de provar mas simplesmente toma por pressuposta, de tal modo está persuadido de que se trata de uma verdade inquestionável e de domínio público. Antes de Darwin, Spencer já havia defendido em termos estritamente biológicos e da maneira mais plena possível a hipótese da evolução orgânica. Tal como Darwin, Spencer fez escavações, examinou fósseis e confrontou os dados existentes com as hipóteses sugeridas pela leitura de Malthus e Lamarck. Escreve ele em sua Autobiografia:


‘Até o momento em que tive conhecimento das comunicações dos srs. Darwin e Wallace à Linniæan Society, eu considerava que a causa única da evolução orgânica fosse a hereditariedade das modificações produzidas pelo exercício das funções. A Origem das Espécies provou que eu estava enganado, que a maior parte dos fatos não podia ser devida a semelhante causa, (…) que aquilo que eu supunha ser a causa única podia no máximo ser uma causa parcial. (…) Não recordo se [diante disso] me senti vexado de não ter levado mais longe a idéia que exprimira em 1852, isto é, que entre os seres vivos a sobrevivência daqueles que são objetos de uma seleção é uma causa de desenvolvimento [da espécie]. Mas estou seguro de que, se experimentei tal sentimento, ele desapareceu logo diante do prazer que senti ao ver confirmada a teoria da evolução orgânica.'[15]


Os documentos não mostram, de maneira alguma, o encontro de um naturalista com um pensador social interessado em tirar proveito retórico das descobertas alheias. Mostram o confronto de dois cientistas naturais, cada qual com sua teoria e respectivos fundamentos empíricos, um levando mais adiante a descoberta incipiente formulada pelo outro. Pior ainda, a crença vulgar, subscrita dogmaticamente pelo sr. Colucci, de que Spencer apenas se aproveitou ‘da oportunidade de tomar emprestada a respeitabilidade científica da evolução para a sua ética’, já foi desmentida pelo próprio Darwin. O tradutor francês da Autobiografia de Spencer assinala nas suas notas:


‘… foi somente em outubro [1858] que ele [Spencer] teve conhecimento dos dois trabalhos desde então clássicos que Darwin e Wallace tinham lido na Sociedade Linneanna sobre a seleção natural, em primeiro de julho. Nesse entretempo, ele havia enviado a Darwin um exemplar dos seus Ensaios, pensando, pelo que ele sabia do trabalho deste último sem o haver lido ainda, que os Ensaios, com o capítulo sobre a hipótese do desenvolvimento, poderiam lhe interessar. Na Vida e Correspondência de Charles Darwin, por Francis Darwin (T1, p 653, tradução francesa, Ed. Schleicher), encontra-se a resposta que Darwin deu a Spencer, e que este último preferiu não publicar, se bem que ‘ela dissipe, melhor que qualquer outro documento, um erro muito disseminado quanto às relações entre as opiniões do Sr. Darwin e as minhas’ [precisamente o erro em que cai o Sr. Colucci].[16] Houve nisso um excesso de escrúpulos, que lamentamos. Não nos atribuímos todavia o direito de inserir aqui essa carta que Spencer preferiu omitir, para não se expor, diz ele, a uma acusação de vaidade, e que, com efeito, mostra a grande importância que Darwin dava às idéias expostas nos Ensaios.'[17]


Bem ao contrário do que sugere o sr. Colucci, foi Darwin quem exerceu sobre Spencer uma influência ideológica alheia ao campo da ciência natural estrita. Antes de conhecer o darwinismo, Spencer ainda admitia Deus como uma das fontes da moralidade. A leitura de A Origem das Espécies fez com que ele desistisse completamente de Deus e ajustasse seu sistema de moralidade inteiramente à linha materialista de Darwin.[18]


Não obstante, o sr. Colucci ainda insiste na pureza científica do darwinismo, enfatizando que sua transformação em darwinismo social foi obra de ideólogos alheios à investigação científico-natural: ‘Uma teoria científica só é válida para condições bem especificadas. Não é possível transplantá-la para condições diversas’, proclama ele, acusando não só Herbert Spencer de haver ‘tomado emprestada a respeitabilidade científica da evolução’ para dar respaldo publicitário às suas idéias sociais, mas também Francis Galton, primo de Darwin, de haver concebido a eugenia ‘como uma especulação intelectual a partir da extrapolação indevida das idéias de Darwin’. Só mesmo um tolo como eu poderia confundir ‘a ciência do darwinismo com a pseudociência do darwinismo social’.


Confrontada com os fatos, essa tese do sr. Colucci fica numa situação verdadeiramente catastrófica. Quase duas décadas antes de escrever A Origem das Espécies, Darwin já estudava as questões ético-sociais e especulava a possibilidade de resolvê-las pela via evolucionista. Do exame de seus manuscritos de 1838, repletos de idéias sobre economia e sociedade que depois se integraram na sua teoria final por meio de arranjos semânticos que camuflam sua origem no pensamento social, os historiadores Adam Desmond e James Moore concluem que ‘o darwinismo foi desde sempre planejado para explicar a sociedade humana’ e não apenas o reino animal.[19]


O objetivo traçado por Darwin nesse primeiro esboço é bem claro: encontrar uma explicação naturalística para a origem da moral. Para isso, diz Richard Weikart na mais atualizada resenha dos estudos sobre a história do darwinismo social, ‘Darwin tinha, primeiro, de demonstrar que a moralidade não era unicamente humana. Segundo, tinha de explicar como o mecanismo se produzira’.[20] A esse fim dedicaram-se as pesquisas que ele empreendeu ao longo das duas décadas seguintes: é um programa de ideólogo social realizado com instrumentos de naturalista. O darwinismo não foi transformado em darwinismo social ex post facto por ideólogos alheios à ciência natural: ele nasceu como darwinismo social na cabeça do próprio Darwin e foi transformado em evolução natural para dar respeitabilidade científica ao propósito inicial de Darwin de achar uma explicação naturalística para a origem das normas morais. Mais enfaticamente ainda, o historiador Robert M. Young resume suas investigações a respeito assinalando que:


‘… primeiro, as origens intelectuais da teoria da evolução pela seleção natural são inseparáveis das discussões socias, econômicas e ideológicas na Inglaterra do século XIX; segundo, a substância da teoria era, e permanece, parte de uma filosofia mais ampla da natreza, de Deus e da sociedade, onde as concepções da natureza e de Deus estão elas mesmas mudando por vias complexas que estão integradas na ordem social em transformação; terceiro, as extrapolações do darwinismo para a humanidade e a sociedade não são separáveis das opiniões do próprio Darwin nem lhes são cronologicamente subseqüentes. São parte integrante delas.'[21]


O darwinismo, em suma, jamais foi extrapolado das ciências naturais para o pensamento social, mas deste para as ciências naturais. E por iniciativa do próprio Darwin. Resta ainda o fato de que, desde Darwin até às vésperas da II Guerra Mundial, nenhum cientista evolucionista impugnou jamais o darwinismo social, mas todos – repito: todos — aderiram a ele com maior ou menos entusiasmo.[22] Se fosse lícito separar uma teoria científica de suas raízes e implicações culturais mais amplas, se existisse historicamente o purismo científico cujo manto protetor o sr. Colucci quer lançar ex post facto sobre o darwinismo para isolá-lo de todo contágio com as idéias do seu tempo, ainda assim o culpado de confusão ‘entre a ciência do darwinismo e a pseudociência do darwinismo social’ não seria eu: seria a galeria inteira dos apóstolos do darwinismo desde a primeira edição de A Origem das Espécies até a derrocada do nazismo. Como assinalou Robert M. Young com ênfase gráfica no título de um de seus estudos, ‘O darwinismo É social’.


Derrubado o muro de isolamento que o engenheiro de Boston construiu entre darwinismo tout court e darwinismo social, cai por terra também a seguinte distinção conceitual com que ele pretendia cimentá-lo:


‘O problema comum dos que tentaram aplicar o darwinismo a outras esferas – como Spencer, Galton, Marx, Engels e Mao – é a noção distorcida do significado de progresso no contexto evolutivo. A evolução natural postula a sobrevivência diferencial dos organismos mais bem adaptados ao ambiente; as teorias sociais inspiradas por ela assumem que esses organismos são também ontologicamente superiores.’


Tal como o darwinismo social, a valorização ontológica da evolução que lhe serve de base pseudofilosófica não foi um acréscimo posterior de ideólogos, mas um item essencial do receituário de crenças do próprio Darwin, inalterado desde os manuscritos de 1838 até The Descent of Man (1874). Neste último livro, Darwin deixa claro que, no seu entender, a moralidade mesma é um fruto da evolução. As leis morais nascem de um ‘instinto social’ necessário à preservação da espécie, e se desenvolvem pela seleção natural, que favorece as comunidades moralmente mais integradas. Diante disso, é imposível esquivar-nos da conclusão de que, para Darwin, a liquidação dos grupos humanos mais primitivos pelos mais civilizados era não apenas um fato natural inevitável, mas um decisivo progresso moral.


‘Em algum período futuro – escreve ele – , não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem exterminarão e substituirão, quase com certeza, as raças selvagens no mundo todo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos… serão sem dúvida exterminados. A brecha entre o homem e seus parentes mais próximos será ainda mais larga, pois ela se abrirá entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o próprio caucasiano, e algum macaco tão inferior quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila.'[23]


O sentido ‘melhorista’ da seleção natural entre seres humanos – e portanto do racismo inerente a esse processo — é ainda mais enfatizado nesta declaração de um dos mais prestigiosos colaboradores de Darwin, o biólogo inglês Thomas Huxley:


‘Nenhum homem racional, conhecendo os fatos, acredita que o Negro médio é igual, e menos ainda superior, ao homem branco. E, se isto é verdade, é simplesmente inacreditável que, quando todas as suas dificuldades forem removidas e o nosso parente prognata tiver uma oportunidade justa e nenhum favor, assim como nenhum opressor, ele venha a ser apto a competir vantajosamente com seu rival dotado de maior cérebro e menor mandíbula, numa disputa que seja entre pensamentos e não entre mordidas.'[24]


Outro discípulo e colaborador de Darwin, o biólogo alemão Ernst Haeckel, foi mais longe ainda ao proclamar as conseqüências incontornavelmente eugenistas e racistas do darwinismo, filiando-se pessoalmente à Associação para a Higiene Racial fundada pelo eugenista Alfred Ploetz em 1905.


Ao longo de toda a história da difusão do darwinismo social na Alemanha e fora dela, a nova moral não recrutou seus apologistas predominantemente no campo das ciências humanas, da filosofia ou do publicismo ideológico, como pretende o sr. Colucci, mas também e sobretudo entre as altas fileiras da ciência natural. Ao lado de Haeckel batalhavam Heinrich Ernst Ziegler (zoólogo), Wilhelm Waldeyer (anatomista), Paul Flechsig (neurofisiologista), Hermann Munk (neuro-anatomista), Ludwig Büchner (médico), Fritz Lenz (geneticista), Auguste Forel, Cesare Lombroso, Robert Sommer, Emil Kraepelin, Otto Binswanger, Eugen Bleuler e Hans Kurella (médicos psiquiatras), Felix von Luschan (professor de antropologia física na Universidade de Berlim), Hugo Ribbert (patologista), Wilhelm Foerster (astrônomo) e uma infinidade de outros. E, se houve publicistas famosos e professores de filosofia e ciências humanas que desde logo se alistaram nas tropas de Haeckel, como Max Nordau e Bartholomäus von Carneri, o fato é que entre os filósofos de maior renome só dois aderiram ao movimento: Friedrich Nietzsche e Christian von Ehrenfels. É preciso dizer, em honra dos demais astros de primeira grandeza da filosofia e das ciências humanas – Dilthey, Rickert, Windelband, Simmel, Brentano, Husserl, Cohen, Meinong, Weber, Scheler, Hartmann, Dopsch, Max Dvorak, Wölfflin e outros tantos –, que todos desprezaram a nova moda ou a condenaram explicitamente.[25]


Depois disso, quem, senão um tremendo cara-de-pau como o sr. Colucci, pode pretender que o darwinismo social e a eugenia foram ‘extrapolações indevidas’ feitas por pensadores alheios à puríssima ciência natural de Charles Darwin? E de nada adianta querer cavar um fosso histórico entre esse racismo abstrato e a sua versão mais concretamente genocida e nazista. Esta última não foi invenção de Hitler, nem de qualquer outro ideólogo sem treino científico, porém de um dos mais prestigiosos biólogos evolucionistas alemães do começo do século XX, o geneticista Fritz Lenz. Já em 1917, num artigo publicado sob o título ‘A Raça como Princípio do Valor: Para uma Ética Renovadora’, Lenz apresentou os argumentos darwinistas que mais tarde, em 1933, ele se gabaria de conterem antecipadamente ‘todos os elementos da cosmovisão nacional-socialista’.[26] O artigo foi lido atentamente por Hitler, em cuja biblioteca se encontraram também outras obras de Lenz.


Ao lançar mão de argumentos evolucionistas para justificar a liquidação das raças inferiores, Hitler não cometeu, pois, nenhuma apropriação indébita, nem perverteu o sentido originário do darwinismo. Este já era perverso em si, e o líder nazista foi totalmente sincero na sua adesão ao evolucionismo. Como observou Sir Arthur Keith:


‘O líder da Alemanha é um evolucionista, não apenas em teoria, mas, como milhões de pessoas o souberam a suas próprias custas, nos rigores da sua prática. Para ele, o front nacional da Europa é também o front evolucionário; ele se vê a si mesmo e é visto como a encarnação da vontade da Alemanha, cujo propósito é guiar o destino evolucionário do seu povo.'[27]


E Alfred Rosenberg, o principal ideólogo nazista abaixo de Hitler, também não distorceu em nada o sentido do darwinismo ao destacar que a maior contribuição dessa corrente de idéias ao nazismo residiu justamente nos argumentos que lhe fornecera contra o cristianismo e toda forma de universalismo piedoso, justificando a apologia alemã do ‘sangue’ em vez do ‘espírito’:


‘A emergência do darwinismo e do positivismo no século XIX constituiu o primeiro protesto, poderoso se bem que ainda totalmente materialístico, contra as idéias sufocantes e sem vida que tinham vindo da Síria e da Ásia Menor e trazido a degenerescência espiritual. O cristianismo, com seu credo oco de ecumenismo e seu ideal de humanitas, desprezava a corrente de vitalidade do sangue que corre nas veias de todos os povos dotados de cultura valorosa e genuína. O sangue foi reduzido a uma mera fórmula química e explicado dessa maneira. Mas, hoje, uma geração inteira começa a ter o pressentimento de que os valores só são criados e preservados onde a lei do sangue ainda determine as idéias e as ações dos homens, seja conscientemente ou inconscientemente.'[28]


Esse parágrafo constitui ainda a resposta, diretamente da fonte, à insinuação colucciana de que o nazismo deveu mais ao cristianismo do que ao darwinismo, insinuação tão perversa e sinistra quanto a própria ideologia nazista.[29] O nazismo não só aderiu maciçamente ao darwinismo, mas tentou superar o seu materialismo oitocentista, infundindo-lhe uma dimensão pretensamente espiritual e transformando-o numa proposta de alternativa gnóstica ao cristianismo. Neste último, todos os sacrifícios sangrentos foram abolidos de uma vez para sempre pelo sacrifício definitivo de Cristo na cruz. René Girard explica que aí, pela primeira vez na história, foi proclamada a inocência das vítimas sacrificiais e a malícia de seus sacrificadores.[30] O darwinismo, consagrando a liquidação dos inferiores não só como processo natural inevitável mas como mecanismo essencial do progresso, tentou rebaixar a consciência humana ao nível pré-cristão. Daí só poderiam resultar duas linhas de desenvolvimento: o materialismo estatal soviético e o arremedo nazista da espiritualidade — no primeiro caso, justificando os sacrifícios humanos pela racionalidade econômica da luta de classes, no segundo, pela divinização do corpo e do sangue. Que Darwin não antevisse a magnitude sangrenta dessas conseqüências não o exime da responsabilidade histórica de havê-las produzido.


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Na segunda e terceira subdivisões desta segunda parte, após ter feito um breve exame do evolucionismo como teoria e como metáfora, abordarei o experimento Dawkins e, de passagem, responderei às observações de um estudante de Uberaba, que, vendo o sr. Colucci em dificuldades, veio em seu socorro no Observatório da Imprensa, armado, como é próprio da sua idade, de mamadeira e chocalho.[31] Se o Observatório, em vez de mandar o menino ir brincar de cientista com sua caixinha de ‘O Pequeno Químico’, preferiu antes dar divulgação às suas opiniões como se de coisa séria se tratasse, foi apenas porque tinham o mérito indiscutível de ser contra o Olavo de Carvalho.