Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os desatinos da rapaziada

Um grande jornalista, Humberto Werneck, um grande livro, uma fonte ideal para copiar o título desta coluna. Os acontecimentos que se discutem abaixo só podem ser avaliados como desatinos; jornalismo é que não são.

1. Revistas de fofocas (e jornais que exploram o tema) aproveitaram o Dia da Criança e destacaram “o corpão” que uma menina de 13 anos, de biquíni, “exibia na piscina”. São revistas de fofocas, portais de fofocas, colunas de fofocas; mas certos valores não podem ser esquecidos. Por exemplo, explorar em notas, reportagens e fotos o corpo em formação de uma adolescente que sem dúvida é bonita, mas continua sendo uma adolescente. Terá sido combinado com a garota, com a mãe, artista de fama, com algum empresário artístico? Não muda nada: a quebra de decoro continua existindo, mesmo com o consentimento da menor, mesmo com o consentimento da mãe da menor, mesmo com apoio do empresário da mãe da menor, mesmo com o consentimento do pai da menor ou de todos juntos. Tudo tem limite; e a adolescência usada para despertar erotismo em adultos é absolutamente inaceitável.

2. É absolutamente inaceitável em matérias, é absolutamente inaceitável em anúncios. Uma loja de calçados do Ceará fotografou uma criança de três anos, só de calcinha, em poses que imitam imagens sensuais de publicidade. Colares, maquiagem adulta, pernas abertas, tudo sugerindo erotismo – e, repetindo, a garota tem três anos de idade. A mãe afirma que as fotos, todas com o mesmo tipo de apelo sensual infantil, foram feitas de graça, sem que ela nada recebesse. E diz que não entende a má repercussão do caso (a campanha foi retirada do ar, o anunciante pediu desculpas e jurou que as fotos tinham sido mal interpretadas, os anúncios foram levados ao Conar). “Não vi erotização no resultado”, disse Mamãe. Já a coordenadora do Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia da Universidade Federal do Ceará, Inês Vitorina, diz que a campanha desrespeita as crianças. “A marca é para consumo de adultos e coloca a criança extremamente erotizada (…) em situação vexatória, de calcinha, se maquiando”.

3. Como todos sabem, é mentira que o homem tenha chegado à Lua: aquilo tudo é coisa de Hollywood, efeitos especiais, entende? Também não é verdade que o Japão tenha perdido a Segunda Guerra Mundial. Há duas correntes: uma acha que a guerra continua (é cada vez mais minoritária, e há alguns anos foi encontrado um de seus últimos representantes, escondido numa ilha do Pacífico e pronto para lutar contra os Aliados); outra acha que o Japão venceu a guerra e os americanos, que controlam a imprensa internacional – às vezes; a imprensa internacional também é controlada pelos judeus e pelos sionistas, conforme o caso – inventaram uma vitória inexistente, com a foto forjada da rendição do imperador Hiroíto. Um grupo black bloc dessa corrente foi o Shindo-re-mei, que andou matando japoneses e descendentes que, no Brasil, acreditaram na mentira da vitória aliada na guerra (Corações Sujos, de Fernando Morais, é um esplêndido livro sobre este tema).

Malucos e maluquetes agora discutem se as Torres Gêmeas foram mesmo derrubadas pela Al-Qaeda ou pelos próprios americanos. Detalhe: esta discussão se trava entre filiados à Abraji, entidade que reúne jornalistas investigativos. As proclamações da própria Al-Qaeda, comemorando a derrubada das Torres Gêmeas, não são levadas a sério: importantes mesmo são os depoimentos de jornalistas ocidentais que decidiram mudar-se para países muçulmanos por motivos ideológicos. Falta de notícia? Talvez. E, mais ainda, falta de bom senso.

Como diria um amigo do colunista, “ô, gente chata!”

4. Mas a falta de notícias também integra os desatinos da rapaziada. Este é um caso que se tornará clássico: um fotógrafo inglês notou que um casal, na praia de Eastbourne, com roupas de banho de estampa parecida. E criou o título “Casal combina roupa ao tomar banho de sol na Inglaterra”.

Até aí, vá lá. Mas dar a notícia na primeira página, com foto imensa? Os portais brasileiros de notícias certamente exageraram. Talvez nem houvesse tantas notícias assim, mas não precisavam ir tão longe.

5. Chico Buarque expôs sua opinião sobre censura a biografias. Acredita este colunista que ele falou muita bobagem; e, concretamente, chegou a negar que tivesse sido entrevistado pelo biógrafo de Roberto Carlos, quando a entrevista tinha sido filmada, fotografada e gravada. OK; mas a reação contra Chico nos meios de comunicação – tanto em editoriais como em entrevistas e artigos – está sendo desmedida. Embora em posição difícil de explicar, Chico não está com as faculdades mentais alteradas pela idade, nem tem interesses escusos, nem deixou de ser um dos monumentos da música popular brasileira. Ele não mudou de um mês para cá – nem mesmo modificou sua posição política, já que sempre defendeu regimes em que a liberdade de expressão é restrita (e, por favor, não lhe peçam que tenha um apartamento em Havana, em vez de Paris; Chico tem suas preferências ideológicas, um inalienável direito seu, mas sabe o que é bom). Que a posição de Francisco Buarque de Holanda no caso da censura às biografias seja discutida, contestada, desmontada, mas que se evite o patrulhamento. Crítica, sim; patrulha ideológica, não.

 

O lado escuro da Força

O presidente boliviano Evo Morales arrisca transformar-se num novo ícone do cinema mundial. Neste último fim de semana, durante a Mostra de Cinema de São Paulo, foi exibido o filme Um Minuto de Silêncio, do italiano Ferdinando Orgnani, que procura demonstrar o envolvimento do governo Evo com os produtores de cocaína. Na plateia, concentrando as atenções, o senador boliviano Roger Pinto Molina, que ficou 455 dias em silêncio, confinado na embaixada do Brasil em La Paz, à espera do salvo-conduto para deixar o país.

Alguém prestou atenção no ruidoso silêncio dos meios de comunicação a respeito do filme? Pois vão continuar esforçando-se para saber do próximo filme, já que o silêncio, ao que tudo indica (nada foi noticiado a esse respeito até hoje), será também estrondoso.

O próximo filme deve ser lançado em três meses: é Missão Bolívia, de Dado Galvão, sobre a ditadura do narcotráfico que, afirma, permeia o governo de Evo Morales. O governo brasileiro já deixou claro qual é seu lado: segurou Roger Pinto Molina ao máximo na embaixada, e puniu o diplomata Eduardo Saboia, que o retirou de lá por terra. No caso de Dado Galvão, tomou-lhe o passaporte, para que não entrevistasse o senador que estava asilado na embaixada brasileira.

O filme de Dado Galvão mostra a luta de Roger Pinto Molina, a posição do Brasil, a decisão de Evo Morales de colocar-se sob a proteção e o comando da Venezuela. E culmina com o emocionante reencontro de Pinto Molina com a família, asilada no Acre, depois da separação que durou mais de um ano.

Dado Galvão foi um dos responsáveis pela visita ao Brasil da blogueira cubana Yoani Sanchez, que provocou a ira das patrulhas ideológicas que até hoje não entendem como é que Fidel Castro não é titular da seleção de Felipão. Prepare-se: a imprensa pode não dar notícia alguma, nem a favor nem contra, mas os revolucionários do Facebook devem estar prontinhos para republicar o material contra Dado Galvão e seu filme que lhes for enviado.

 

Audálio, d. Paulo, Henry Sobel

1. É um grande livro; premiá-lo é uma atitude que dignifica o prêmio, tanto quanto a obra. Por As Duas Guerras de Vlado Herzog, o jornalista alagoano radicado em São Paulo Audálio Dantas recebeu o Prêmio Jabuti, o mais importante do país. Audálio recebe em novembro outro prêmio da maior importância: o Juca Pato, de Intelectual do Ano.

Audálio não é apenas o autor do livro sobre Vlado. É um dos protagonistas do desafio à ditadura que ocorreu após o assassínio do jornalista, torturado nas dependências do Doi-Codi de São Paulo. Como presidente do Sindicato dos Jornalistas, mobilizou a categoria, participou das articulações com o cardeal de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo James Wright, unindo católicos, judeus e protestantes num grande culto ecumênico que lotou a Catedral da Sé. Audálio foi hábil, foi político, mas foi firme, inflexível: a tortura tinha de ser abolida, era preciso protestar, com ditadura ou sem ditadura. E venceu.

2. Ricardo Carvalho, excelente jornalista, lança neste dia 23 O Cardeal da Resistência – as muitas vidas de d. Paulo Evaristo Arns (a partir das 19h, Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Avenida Paulista, SP). É uma biografia em forma de reportagem, escrita por uma das pessoas que melhor conhecem d. Paulo: Ricardo Carvalho, católico militante, acompanhou de perto toda a carreira de d. Paulo como cardeal-arcebispo e sua luta pela democracia. Um livro que vale a pena.

3. O rabino Henry Sobel, que no final do ano retorna aos Estados Unidos, país onde passou infância e boa parte da juventude, será homenageado no dia 31 de outubro, no Memorial da América Latina, em São Paulo, a partir das 19h. A homenagem é de iniciativa conjunta da família de Vladimir Herzog, da Congregação Israelita Paulista (CIP), que teve Sobel como rabino-chefe por dezenas de anos, e da Comissão Nacional de Diálogo Religioso Católico-Judaico.

Sobel nasceu em Portugal, foi criado nos Estados Unidos e se notabilizou no Brasil como um dos responsáveis pela abertura democrática. Primeiro, rejeitou a alegação oficial de que Vladimir Herzog teria cometido suicídio, e determinou que fosse enterrado fora da ala dos suicidas no Cemitério Israelita do Butantã, SP. Isso significou uma acusação de assassínio contra as autoridades responsáveis pela tortura, morte e falsificação dos fatos. Depois, oficiou, ao lado de d. Paulo Evaristo Arns e do reverendo James Wright, o culto ecumênico pelo jornalista torturado e assassinado. Com a cidade sitiada, com o trânsito deliberadamente prejudicado pelas autoridades, o culto reuniu oito mil pessoas na Catedral.

Numa reviravolta surpreendente, um dia o rabino Henry Sobel se envolveu num furto de gravatas, nos Estados Unidos. Estava evidentemente doente (embora tenha feito questão de dizer que o furto se deveu a uma falha moral), mas não faltou quem aproveitasse a oportunidade para destruir sua carreira. É por isso que Sobel, às vésperas de completar 70 anos, decidiu retornar aos Estados Unidos.

Mais informações sobre o evento com o Instituto Vladimir Herzog: (11) 2894-6650 e contato@vladimirherzog.org

 

A luta armada

Cid Queiroz Benjamin participou da luta armada, foi preso e torturado; libertaram-no por ocasião do sequestro do embaixador alemão no Brasil. Viajou para Cuba, onde recebeu treinamento militar, ficou por muitos anos no exterior. Na volta, após a anistia, encantou-se com Lula e participou da fundação do PT. Decepcionou-se profundamente. E agora, no livro Gracias a la vida, narra sua história, compartilha suas experiências, fala de suas esperanças. O livro está sendo lançado agora, dia 22, 19h, na Livraria Travessa do Shopping Leblon, Rio.

 

A luta eleitoral

Carlos Manhanelli, estudioso de campanhas eleitorais, marqueteiro de ampla atuação, lança na quarta-feira (23/10), às 18h30, Como ganhar sua eleição para deputado. Um útil guia de campanha para quem está entrando agora na disputa. Na Livraria da Vila, Alameda Lorena, 1731, São Paulo.

 

Como…

De um jornal impresso de grande circulação, noticiando que o presidente da Bolívia, Evo Morales, confessou ter determinado à Promotoria e à Justiça que libertassem os torcedores brasileiros detidos sem processo em Oruro:

** “Falei com o general-fiscal”

Espanhol é parecido com o português. Todo mundo pensa que é fácil traduzi-lo – mas como é fácil se enganar! Não, as Forças Armadas bolivianas não estão atuando na fiscalização – aliás, muito pelo contrário.

Traduzindo corretamente: “Falei com o procurador-geral”.

 

…é…

Informa o press-release de uma universidade de prestígio, a respeito de um evento:

** “Realizada no próximo sábado e domingo (19 e 20), em Campinas, a última fase da (…) reunirá cerca de duas mil pessoas”.

Vejamos: “realizada” significa que já se realizou. “Reunirá”, que vai reunir.

Passado e futuro, finalmente unidos!

 

…mesmo?

Dos mais diversos meios de comunicação, no primeiro momento, a mesma notícia (esta coluna escolheu uma, mas todas tinham o mesmo teor):

** “Promotor é morto com 20 tiros em estrada de Pernambuco”.

Pouco depois…

** “Promotor é morto com quatro tiros”.

OK, a vítima era mesmo um promotor, tinha sido morto a tiros. Mas nem a polícia nem os repórteres policiais conseguem contar quantos buracos de bala há no corpo?

 

Frases

>> Da presidente Dilma Rousseff: “Tudo o que as pessoas que estão pleiteando a Presidência querem é ser presidente”.

>> Do jornalista e escritor Humberto Werneck: “Esses caras não precisam preocupar-se com os maus biógrafos. Eles mesmos já estão se encarregando de avacalhar suas biografias”.

>> Do jornalista Mário Mendes: “Não me amola que eu te biografo, hein?”

>> Do jornalista Cláudio Humberto: “Já tem domínio o futuro e-mail do Governo contra espionagem: naosoueu.gov.br”

 

As não notícias

Pode ser, pode não ser, talvez, quem sabe? E, já que o destinatário das notícias não tem muita certeza do que aconteceu, como é que pode processar alguém pela notícia que divulgou – ou não? Mas a mania não é exclusivamente brasileira: espalhou-se pelo mundo.

Duas sobre os Jonas Brothers:

** “Joe Jonas seria viciado em drogas”

** “Jonas Brothers teria cancelado turnê para Joe Jonas se recuperar de vício em drogas”

Joe Jonas é ou não é viciado? Se não for, o cancelamento da turnê dos Jonas Brothers deve ter outro motivo. Qual será?

** “Harrison Ford reviveria Indiana Jones mais uma vez no cinema”

Multiplica-se a dúvida: irá Harrison Ford usar mais uma vez aquele chapéu que não cai? E o novo filme, sem ele, será realizado? Dependerá, quem sabe, de ele topar ou não?

** “Condenado na França suposto dirigente da Al Qaeda, Naamen Meziche”

Se ele foi condenado, a Justiça determinou que é culpado de participar da organização terrorista. Mas, se é apenas suposto, por que o condenaram?

E voltemos ao Brasil:

** “Polícia ouvirá jovem que diz ter levado tiro em ato no Rio

Levar um tiro não é algo que possa ser discutido: ou há marca do tiro ou não há. Que quer dizer “diz ter levado”?

 

E eu com isso?

É por essas e outras que o jornalismo frufru está na moda. Nada seria, tudo é. O sujeito está fazendo a coisa mais inocente do mundo mas “é flagrado”. As artistas saem sem calcinha mas são surpreendidas por fotógrafos, veja só. Saem com blusas transparentes, sem sutiã, mas “se distraem e mostram mais do que deviam”. Os astros são bem comportados, passeiam com esposas, namoradas, vão com os filhos ao parque, à praia – pais exemplares!

E, se não for assim, também não tem a menor importância.

** “De biquíni de oncinha, Cláudia Raia posta foto com os filhos”

** “Tom Cruise curte jogo de beisebol junto com o filho”

** “Gracy Barbosa posa empinando o bumbum”

** “Britney Spears passeia por Londres”

** “Jogador Ganso e esposa flagrados fazendo tratamentos estéticos juntos”

** “Jay-Z é flagrado no metrô de Londres”

** “Olívia Wilde usa pantalonas”

** “Kate Hudson revela como mantém o corpão”

** “Top Model Izabel Goulart posa de cabeça para baixo na Bahia”

** “Matt Damon passeia com a filha Stella”

** “Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank namoram em evento”

** “Heidi Klum e Seal se cumprimentam em aniversário da filha”

** “Ingrid Guimarães almoça com amiga em restaurante na Gávea”

** “Ricky Martin comemora o ‘dia de sair do armário’”

 

O grande título

Há dois grandes exemplares nesta semana, tão bons que tornaram desimportantes todos os demais concorrentes.

Este colunista se limita a republicá-los: não consegue decidir, entre ambos, qual o melhor título da semana.

** “Polícia prende suspeito de matar estudante achada morta em praia do Rio”

…ou…

** “Menina surda vence concurso de vegetais gigantes”

Este colunista não resiste a títulos chamativos como estes: faz questão de ler o texto, também!

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação