Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

A velha, boa e ausente reportagem

Está vazando petróleo no mar brasileiro. Quanto? Os números variam: de 200 a 300 barris por dia, conforme a Chevron (cada barril tem perto de 160 litros), a 4 mil barris por dia, segundo a ONG Skytruth, com base em imagens de satélite da NASA. De qualquer forma, é muito: põe em risco a vida marinha na região, ponto de passagem de baleias e outros cetáceos nesta época do ano; e, conforme as condições climáticas, pode derivar para as praias do Rio e atingir até a reserva ecológica de Rio das Ostras. Também pode ir para outros países e poluir por lá.

A Chevron, multinacional que opera o poço, diz que tem 18 navios trabalhando na área. A Polícia Federal sobrevoou a região e encontrou só um.

Perceba: aqui há informações da NASA, da Chevron, de uma ONG americana, da Polícia Federal. Cadê as informações da imprensa brasileira?

A TV mostra jatinhos levando equipes de uma capital para outra, tem helicópteros sobrevoando invasão de favelas, tem helicópteros para mostrar o trânsito na cidade. Até emissoras de rádio trabalham com helicópteros. Mas onde estão as imagens da mancha de petróleo? O consumidor de informação terá de se contentar com fontes da empresa (ligadas, portanto, a um dos lados da questão), da Polícia Federal (que, por mais competente que seja, não tem gente especializada em vazamentos de petróleo), em ativistas ambientais estrangeiros? O curioso é que ninguém entrou no tema – nem mesmo os portais especializados em petróleo.

E a coisa é grave – tão grave que a Polícia Federal abriu inquérito para apurar a atuação da Chevron. O delegado Fábio Scliar classifica o fato como “criminoso” e levanta a possibilidade de a multinacional estar omitindo informações.

O repórter Vladimir Platonow, da Agência Brasil, faz aos grandes meios de comunicação perguntas das mais pertinentes (que poderiam ser estendidas à própria Agência Brasil, que também não foi buscar os fatos em primeira mão):

“Os próprios releases dizem que há 18 navios trabalhando no combate ao vazamento. Devem ser navios-fantasmas, como é a direção da Chevron. Não têm nome, não têm comandante, não têm tripulação, não têm coordenadores. Não há uma pessoazinha que seja, com nome e sobrenome, que diga: ‘Olha, as coisas aqui estão assim ou assado’.

“Ninguém tem uma máquina fotográfica, uma filmadora, um reles celular que tire fotos. Internet, então, nem pensar.

“Será que vamos ter que esperar que coloquem uma mensagem na garrafa, para que a nossa imprensa publique algo além de notas oficiais?”

 

E daí, e daí?

A Folha de S.Paulo demitiu um número considerável de jornalistas; esta é a notícia. O curioso é a notícia seguinte, dizendo que três jornalistas “permaneceram na empresa” e receberam o Prêmio Esso de Jornalismo.

1. Não foram só três jornalistas que permaneceram na empresa.

2. O anúncio de que tinham ganho o Prêmio Esso foi posterior à notícia das demissões.

3. A premiação indica que os três jornalistas citados certamente estão entre os melhores do jornal. Foram escalados para uma reportagem da maior importância, e dela se desincumbiram tão a contento que ganharam o principal prêmio jornalístico do país. É normal que tenham permanecido na empresa.

4. A demissão, em si, não indica falta de capacidade dos atingidos. Steve Jobs foi demitido da Apple; Lee Iacocca, que comandaria o reerguimento da Chrysler, foi demitido da Ford. Mas, de qualquer maneira, a demissão de tantos jornalistas é uma notícia triste, que não deve ser utilizada com fins demagógicos.

 

Coisa feia

A radicalização típica dos subdesenvolvidos, que tinha caído de moda no Brasil, ameaça voltar. Na USP, circulam panfletos apócrifos com a foto de Vladimir Herzog morto e insultos a “estudantes maconheiros”. Uma coisa nojenta, inadmissível. Como é inadmissível ameaçar o colunista Reinaldo Azevedo, da Veja, que criticou duramente os estudantes que invadiram a reitoria da USP, com frases do tipo “vamos te quebrar”. Azevedo é vítima frequente de agressões verbais, que já incluíram a manifestação do desejo de que tivesse câncer no cérebro.

Discussão é discussão, por áspera que possa tornar-se. Azevedo é polemista agressivo, não se preocupa com a possibilidade de fazer inimigos, mas não é possível imaginá-lo procurando machucar alguém – exceto intelectualmente. E Vladimir Herzog, além de ter se transformado num símbolo, foi assassinado por gente desclassificada. Tem de ser respeitado. Sua imagem não pode ser usada por gente tão desclassificada quanto aqueles que o mataram.

 

Pena branda

Não faz muito tempo, a ministra Eliana Calmon disse que não havia colarinhos brancos na cadeia. Nem ex-ministros, não é mesmo? Outro dia, Ricardo Setti lembrava que a sucessão de escândalos que derrubaram ministros fez com que se esquecesse um grande escândalo anterior: o que levou à demissão de Erenice Guerra, braço-direito e substituta de Dilma Rousseff na Casa Civil do governo Lula.

Faz mais de um ano que Erenice caiu, acusada de tráfico de influência. Há, naturalmente, um rigoroso inquérito (e, repetindo Luis Fernando Verissimo, “rigoroso inquérito” não é sinônimo de “inquérito rigoroso”: é exatamente o contrário). Cadê os resultados do rigoroso inquérito? De duas, uma: ou a ex-ministra é inocente, e sua inocência deve ser proclamada formalmente, ou não é inocente, e nesse caso o afastamento do cargo não terá sido o único problema que deveria enfrentar. Isso também vale para os outros casos, de outros ministros derrubados pela revelação daquilo que foi chamado de “malfeitos”; mas estes casos são mais recentes. Em que pé anda o inquérito de Erenice Guerra?

 

Censura, não

Lembra do crime da rua Cuba, em São Paulo, ocorrido há mais de vinte anos? Um dos melhores repórteres do país, Percival de Souza, escreveu um livro sobre o tema – um livro excelente, O Crime da Rua Cuba, que vendeu dez edições. O filho do casal assassinado, Jorge Bouchabki, processou-o: queria indenização por danos morais e apreensão do livro, inclusive dos exemplares já vendidos.

Ganhou em primeira instância. A advogada de Percival de Souza, Tania Lis Tizzoni Nogueira, apelou e acaba de vencer amplamente no Tribunal de Justiça de São Paulo. A decisão foi claríssima: apreender o livro seria censurar a liberdade de expressão, garantida pela Constituição. Quem tenta censurar a liberdade de expressão está agindo de maneira inconstitucional.

 

Grande dama, grande livro

Uma mulher notável merece uma biografia notável: a de Dorina Nowill, que lutou por 60 anos em favor da inclusão dos cegos, foi elaborada por um excelente repórter, Luiz Roberto de Souza Queiroz, um dos astros do antigo Estado de S.Paulo. Dorina Nowill ficou cega aos 17 anos. E se dedicou até a morte, aos 91 anos, a criar condições para que os deficientes visuais em geral pudessem viver da melhor maneira possível. Para isso, criou a Fundação Dorina Nowill para Cegos e trabalhou dos dois lados: dando condições, especialmente educacionais, aos deficientes (com esforço concentrado na edição de livros em Braille) e lutando contra a discriminação e o desinteresse da sociedade. O livro será lançado na segunda-feira (28/11), às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. Toda a renda irá para a Fundação Dorina Nowill. O livro terá uma edição comum, outra em Braille e uma terceira em áudio. Uma mulher notável, um biógrafo notável, um livro notável – e uma boa chance para todos de contribuir para uma causa notável.

 

Tristeza e alegria

Um excelente jornalista, de belíssimo texto, num livro que narra como é possível enfrentar problemas terríveis e manter intacta a alegria de viver: é Feliz de Outro Jeito, de Carmo Chagas, narrando a luta pela vida de sua esposa Léa.

Léa, uma mulher alegre, expansiva, enfrentou uma série de problemas que culminaram com a necessidade de amputar os pés. Daí vem o título do livro. Ao tomar conhecimento do diagnóstico, Léa disse ao marido: “Até agora fui feliz de um jeito, daqui pra frente vou ser feliz de outro jeito”. Seria um livro sobre uma tragédia; acabou sendo uma história de amor muito bem escrita, com happy end. Lançamento na segunda-feira (28/11), na Livraria Saraiva do Shopping Eldorado, em São Paulo.

 

História paralela – 1

Carmo Chagas, um rapaz tímido, que saiu de Minas para integrar a equipe do Jornal da Tarde em São Paulo, encontrou-se na rua, por acaso, com a colega de trabalho Helena Mainieri (que hoje vive na Itália). Heleninha estava com uma amiga, Léa, bonita, simpática, extrovertida. Carmo queria sair com ela, não tinha muito jeito para a coisa, acabou convidando-a para ir ao futebol – na época, no final dos anos 1960, mulher em estádio era coisa rara. Léa topou e começou assim o namoro. Todos os colegas se divertiram muito com a ousadia do rapaz tímido, de buscar aproximação com a moça no futebol. Enfim, deu certo. Já faz uns quarenta anos que os dois estão casados.

 

História paralela – 2

Um dos que se divertiram com a história da Léa e do Carmo foi este colunista. Pouco depois, em situação parecida, achou que o truque poderia funcionar de novo. Convidou a jovem Berta para ir ao jogo do Corinthians. E foi lá que começou o namoro, que se transformou num casamento que já completa 39 anos.

O Carmo Chagas não sabia dessa história. Nem a Berta sabia como surgiu a ideia  de convidá-la para o futebol (1×0 para o Corinthians, gol de Aladim cobrando falta).

 

Tirando da reta

Antigamente, o sujeito estava perto da cena do crime e já era apontado pela imprensa como bandido, assassino, vagabundo. Hoje, nem com testemunhas, confissão e filme sonoro mostrando o crime o sujeito deixa de ser “suposto”, e o verbo não sai em hipótese alguma do futuro do pretérito: “teria matado”.

Um exemplo notável:

** “Cinco suspeitos fazem família refém na Zona Leste de SP”

Se fizeram a família virar refém, não são suspeitos: fizeram e pronto (e o crime, se forem condenados, é de cárcere privado). Se são suspeitos, não se pode dizer que fizeram a família de refém. Ou será que fizeram a família de refém e são suspeitos de outra coisa? No caso, qual?

Outro caso interessantíssimo é o dos tiros na Casa Branca. Num grande jornal, o título diz que houve tiros. O texto diz que supostamente houve tiros.

E o leitor, que supostamente compra o jornal para ficar bem informado?

 

Um tanto quanto, mas nem tanto

Num grande portal noticioso, o título: “Brasil pega Argentina na Copa do Mundo de Vôlei Feminino”.

O subtítulo: “Em situação complicada, Seleção não pode mais perder e ainda depende de outros resultados”.

O texto: “RIO – O presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, disse nesta segunda-feira que está pronto para renunciar dentro de 90 dias assim que chegar a um acordo que acabe com a crise que assola o país há nove meses (…)”

 

Como…

De um grande jornal, de circulação nacional:

** “Ex-viúva de Kurt Cobain deu show à parte ontem no SWU e cantou covers de Stones e U2”

Pode ser que, como Carlos Lupi, este colunista não tenha uma memória absoluta. Mas parece ser a primeira ex-viúva de que ouve falar.

 

…é…

Do material enviado por especialistas no assunto:

** “Fazenda em MG terá de indenizar empregada que morreu eletrocutada”

Nos velhos tempos, a pessoa morta não receberia indenização nenhuma. Ficaria tudo para seus herdeiros.

 

…mesmo?

De um grande portal noticioso:

** “Torcida ‘perdoa’ Ramírez por expulsão após gol contra Ceará”

Este colunista assistiu ao jogo do Corinthians contra o Ceará e tinha certeza de que Ramirez não tinha sido expulso. Mas acabou descobrindo o segredo da frase: a torcida perdoava Ramirez, segundo o portal, por ter sido expulso num jogo no início de fevereiro deste ano, quando fez muita falta ao time.

 

É assim…

De um portal de esportes:

** “A quatro rodadas sem vencer, o Atlético-GO muda”

Este “A” é do verbo “aver”.

 

…mesmo

De um importante jornal impresso, narrando o dia-a-dia de Lula:

** “ (…) ex-presidente se antecipa à químio muda visual e raspa também a cabeça (…)

Pode ser implicância deste colunista. Mas o “também” fica estranho: que mais é que Lula deveria raspar?

 

Mundo, mundo

Não há dia em que policiais não apareçam na TV reclamando das restrições ao uso de algemas. Agora elas não servem para humilhar os presos, explicam as autoridades; nem para submetê-los. É para protegê-los, veja só. De repente, bate um desespero no detido e ele pode tentar suicídio se não estiver algemado.

Pois não é que nos Estados Unidos um casal foi preso, algemado com as mãos atrás das costas e posto no banco de trás do carro de polícia? Os policiais se distraíram e ambos, mesmo algemados, atracaram-se sem problemas e estavam num frenético bem-bom quando os policiais os separaram e colocaram cada um num carro diferente. No caso, as algemas não funcionaram direito, não.

 

E eu com isso?

As festas se aproximam, novembro chega ao final, vem aí a temporada das chuvas – aquela em que todos os que costumam jogar lixo nas ruas e entupir os bueiros reclamam das autoridades que não conseguem combater as enchentes. É hora de comprar presentes, de trocar presentes, de planejar a ceia, de procurar novas receitas de farofa. Não é hora de se preocupar com notícias que não sejam estas:

** “Grávida de oito meses, Gabriela Duarte vai a lançamento”

** “Lady Gaga para o carro para cumprimentar fãs em porta de hotel”

** “Cléo Pires coloca aparelho nos dentes”

** “Famosos de Hollywood prestigiam homenagem a Pedro Almodóvar”

** “Daniela Albuquerque admite que está grávida de uma menina”

** “Jennifer Hudson exibe marca de suor em evento”

** “Mamma Bruschetta é operada para tratar obesidade”

** “Pippa Middleton passeia ao lado de seu irmão James”

** “Ellen Jabour teria acordado com ressaca moral após ficar com Pe Lanza”

** “Chamada de gorda, Miley rebate críticas”

** “Xuxa diz que seu cachorro canta música de O Rei Leão”

** “Cheia de sacolas, Mila Kunis se esconde com boné ao ser fotografada”

** “Ingrid Guimarães e humorista almoçam juntos no Rio”

** “Homenagem a Judy Garland reúne famosos no Rio de Janeiro”

 

O grande título

Temos dois títulos de primeira categoria. Um deles é rigorosamente verdadeiro, embora não pareça; e traz à cabeça dos mais maliciosos aqueles pensamentos nocivos que adoram ter.

** “Justin Bieber vai leiloar sua cobra”

E é exatamente isso: ele tem uma jiboia  de estimação, chamada Johnson, e pretende doar o valor da venda a instituições de caridade. Os lances terminam na segunda-feira que vem; por enquanto, estão perto de US$ 6 mil. Mas para ganhar não é necessário apenas dar o maior lance: o vitorioso precisa garantir por escrito que vai cuidar corretamente da cobra e que dispõe de espaço e tempo para ela.

O melhor título foi dado com excelentes intenções, mas não é verdadeiro, se bem que o autor pense que é:

** “Morre Lee Pockriss, o compositor da música que inspirou ‘Biquíni de Bolinha Amarelinha’”

Lee Pockriss é o compositor americano que compôs um sucesso internacional, “Itsy Bitsy Teenie Weenie Yellow Polka Dot Bikini”. E não inspirou nada: “Biquíni de Bolinha Amarelinha” é a versão brasileira do sucesso – do mesmo modo que “Parabéns a Você” é a versão nacional de “Happy Birthday to You” (e ainda por cima sem a versão fantástica de Marilyn Monroe).

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]