Friday, 17 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

O importante é denunciar, denunciar

Houve um tempo, este colunista pode assegurar, em que jornalista não publicava uma história sem conferi-la – e sem verificar se o caso era, no mínimo, verossímil. Os bebês-diabo sempre existiram, mas nunca a sério: eram brincadeira.


Veja, caro colega, a história que foi publicada sem qualquer ressalva: um faxineiro encontrou R$ 2.800,00, escondidos dentro de livros, no gabinete de um deputado. Agora, perguntemos: que diabo foi fazer o faxineiro dentro dos livros do nobre parlamentar? Espanar página por página? Ler? Ao encontrar o dinheiro, por que foi direto à polícia? Não seria razoável que ele imaginasse que o dinheiro era do dono do gabinete, e o devolvesse (ou então ficasse de vez com ele?)


O deputado é acusado de participar da Máfia dos Sanguessugas. Este colunista não o conhece, nunca tinha ouvido falar dele, não tem a menor idéia sobre sua atuação. Pode ser que o dinheiro encontrado seja ilegal; mas a história é estranha.


Outra história deu manchete: ‘Tucanos vão a culto evangélico sem avisar’. Este colunista correu para ver o que teria acontecido de tão importante e secreto no tal culto. E descobriu: nada. Alckmin e Serra tinham ido ao culto um mês antes, e cometido o crime de não colocar o compromisso na agenda. Vale manchete? Vale manchete com tom de denúncia? E que tal a frase ‘católico praticante, Alckmin dedicou pelo menos uma hora de sua noite à celebração’.


Só falta descobrir que Lula, sem avisar, mudou a marca do xampu.




Como é mesmo?


Esta notícia foi publicada na sexta-feira (4/8), numa coluna de prestígio, num grande jornal, e é aqui reproduzida na íntegra: ‘O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vai autografar o livro A arte da política – A história que vivi em uma concessionária de automóveis na Zona Leste de São Paulo’.


O jornalista Nelson Cunha, fiel leitor desta coluna, estava louco para ir à noite de autógrafos. Mas ficou com algumas dúvidas: em que concessionária de automóveis? Em que bairro? A que horas? Ou, pelo menos, em que dia?




O segredo desvendado


Existe vida inteligente no jornalismo brasileiro. O colunista Antônio Machado, do portal Cidade Biz, deu-se ao trabalho de assistir às reuniões do Instituto Fernand Braudel sobre a economia brasileira. E descobriu, por exemplo, que a Justiça do Trabalho custa mais caro do que as indenizações – o que leva à conclusão de que, se a União pagasse todas as indenizações no lugar dos patrões, gastaria menos. Vale a pena ler o artigo.




Vitória do repórter


Veja, na edição de 26 de julho, informou que Humberto Costa, ex-ministro da Saúde (governo Lula), candidato do PT ao governo de Pernambuco, ajudou a liberar recursos para a compra de ambulâncias pela Máfia dos Sanguessugas. ‘O rastro do suborno e do tráfico de influência alcança também o Executivo federal – mais precisamente a porta do gabinete do ex-ministro da Saúde Humberto Costa, hoje candidato ao governo de Pernambuco pelo PT’, afirmou o jornalista Marcelo Carneiro, de Veja.


Humberto Costa pediu direito de resposta, alegando que a matéria é difamatória, injuriosa e caluniosa. A resposta foi negada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. Costa pode recorrer; mas a decisão, sem dúvida, significa que, para os juízes, a revista fala a verdade.




O corte e o corte


Está no jornal: ‘Mulher corta pênis de ex-marido em São Paulo’. No texto, Fulana de Tal ‘cortou o pênis do ex-marido’.


Ou seja, como se diz no interior, a moça arrancou o mal pela raiz. Só que não é isso: ela fez um corte no pênis do marido. Machucou; doeu; mas continua lá.




Flor murcha


Durante muitos anos, o caro colega pode até duvidar, este colunista conviveu com a palavra ‘acessório’. Boa palavra, esta; servia a seus objetivos, cumpria suas funções, despertava até alguns desejos de compra.


Mas parece que as coisas mudaram: numa reviravolta notável, um poderoso portal de internet anunciou: ‘Assessório para IPod ‘aprofunda’ experiência musical’.


Deve ser alguma coisa notável: garante o assesso a novas utilizações do equipamento. E, com certeza, é de grande utilidade para os acessores (ou será aceçores?) da empresa.




E eu com isso?


Este colunista sempre conviveu com acessórios. Mas, entre estes, não havia até há pouco tempo coisas que hoje são absolutamente banais. Alguém pode conceber um carro sem cinto de segurança? E aquela cadeirinha especial para bebês, toda acolchoada? Antes de usar uma tomada era preciso saber a voltagem: esses equipamentos que aceitam qualquer voltagem são coisa moderna, bem de agora.


Acredite: quando houve um atentado contra o marechal Costa e Silva, no aeroporto de Recife – e isso é história recente – este colunista, então editor do Jornal da Tarde, ficou horas entrevistando funcionários do palácio do governo de Pernambuco, em busca de cada detalhe – principalmente o detalhe do tempo. Só havia aquele telex, e se o Jornal da Tarde o ocupava nenhum outro jornal teria os detalhes do atentado.


A gente convivia com as péssimas telecomunicações. Mas como poderíamos viver sem as notícias de agora? Sem o vigor, a modernidade e a instantaneidade da internet, como poderíamos saber que Nívea Stelmann e Marcos Paulo namoram na praia? E que uma atriz pornô ganhou estátua de cera sexy em museu – mas, que fique claro, não em ação.


E esta outra notícia, então? ‘Carol Castro leva namorado para boate gay.’


O recorde da informação absolutamente inútil, entretanto, não é nenhum destes. O recorde é ‘Astronautas realizam caminhada espacial’.


E que diabo de caminhada os astronautas deveriam fazer?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados