Thursday, 30 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1289

A crise iraniana e o fim dos ‘heróis’ do jornalismo

A crise iraniana é mais um sintoma do lento desaparecimento da figura do  correspondente de guerra , especialmente daquele personagem glamourizado pela cinema e pela literatura, que desafiava a morte para cobrir conflitos e batalhas como testemunha ocular.


 


A crise iraniana está sendo coberta por repórteres que não podem sair dos hotéis de Teerã e que são obrigados a recolher material para suas reportagens recorrendo fontes indiretas e com escassa possibilidade de verificação, como mensagens transmitidas por correio eletrônico, weblogs , YouTube e o badalado Twitter, o microblog que virou uma febre mundial.


 


Os limites impostos pelo governo iraniano para a locomoção da imprensa estrangeira em Teerã são apenas a menor parte do problema, conforme reconhece Brian Murphy, da agência Associated Press. A esmagadora maioria das publicações internacionais substituiu seus correspondentes por freelancers (fotógrafos, cinegrafistas e repórteres) iranianos mesmo antes da proibição.


 


Se as dificuldades para a cobertura da crise fossem causadas apenas pelas limitações aos deslocamentos de repórteres estrangeiros, o uso de freelancers resolveria o problema porque, sendo iranianos, eles conseguem enganar mais facilmente as autoridades. O problema é que chegar até a notícia está sendo muito difícil inclusive para os locais, devido ao caráter descentralizado das manifestações e à guerra de rumores e conflitos espalhados por meios eletrônicos e pelo velho boca a boca.


 


A imprensa ocidental transformou o Twitter na grande vedete da crise iraniana atribuindo ao sistema de micro-mensagens transmitidas por internet e telefone celular o caráter de arma virtual contra a ortodoxia religiosa dos mulás iranianos. Algumas revistas semanais já batizaram a crise de Revolução Twitter. 


 


Mas segundo Noham Cohen, do The New York Times, a situação é um pouco diferente e nada parecida com imagem uma tecno-revolução em marcha,  transmitida pela TV norte-americana. O Twitter está sendo usado fundamentalmente para transmitir para o exterior imagens e informações produzidas por grupos de oposição aos ayatolás.


 


Internamente, são raríssimos os iranianos que usam os microblogs para se comunicar e menos ainda os que os empregam para fins políticos. A mobilização oposicionista contra o resultado das eleições presidenciais do dia 12 de junho, está sendo feita basicamente pelo sistema boca a boca, por blogs na internet e por torpedos enviados por telefone celular. Estas são, ainda segundo Cohen, as grandes armas da oposição liderada pelo candidato derrotado Mir-Hossein Mousavi, que denuncia fraude na votação vencida por Mahmoud Ahmadinejad, candidato à  reeleição.   


 


O essencial é que a imprensa estrangeira está sendo obrigada a informar com base em fontes que não tiveram acesso direto aos acontecimentos e por ferramentas como o


Twitter que podem ter acelerado a transmissão de fotos para o exterior, mas também causaram uma enorme confusão informativa interna por conta de uma onda de boatos espalhados por agentes do governo e ativistas pouco preocupados com a precisão das informações.



Esta também não é uma característica exclusiva da cobertura jornalística da crise iraniana. O mesmo fenômeno de “terceirização” noticiosa vem se agravando desde a guerra do Vietnã. O conflito no sudeste asiático foi a última grande oportunidade em que os correspondentes de guerra puderam deslocar-se livremente pelos fronts de combate recolhendo historias e imagens, sem intermediários.



O glamour dos correspondentes de guerra começou a se evaporar nas invasões norte-americanas no Iraque quando os repórteres perderam completamente a liberdade de movimento no front de guerra. Eles só podiam informar sobre o que os militares permitiam. A segunda invasão foi ainda pior porque a imprensa teve que vestir uniformes e incorporar-se às unidades em combate como se fossem soldados.



Em abril do ano 2000, o veterano correspondente de guerra Phillip Knightley[1] já havia decretado o fim dos correspondentes de guerra num artigo intitulado No More Heroes (Não há mais heróis). No texto ele previa que os jornalistas não teriam mais liberdade nas coberturas em combates porque a guerra tecnológica e a concentração de todas as informações nas mãos de militares impossibilitavam qualquer visão independente ou a verificação de versões conflitantes.

Os norte-americanos foram os que mais aprimoraram as técnicas de controle da imprensa em cenários de guerra, mas hoje os mesmos procedimentos se tornaram padrão em todos os exércitos do mundo. Os correspondentes acabaram tendo que se conformar com a posição de
mensageiros da versão oficial dos fatos.

A tecnologia aumentou exponencialmente o volume e a velocidade de transmissão de notícias sobre guerras e conflitos mas sacrificou um personagem que já tinha um lugar cativo no imaginário popular. No caso do Irã, parece mais fácil acompanhar a crise de um computador em Nova Iorque do que nas ruas de Teerã.




[1] Phillip Knightley, inglês, é o autor do best seller The First Casuality (A primeira vítima) considerado um clássico do jornalismo em conflitos bélicos.