Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A imprensa com funções de partido político

Sempre que o país enfrenta uma conjuntura delicada no terreno econômico, social ou político, ou ainda durante campanhas eleitorais acirradas, a imprensa se transforma na principal arena de confronto entre posições antagônicas, deixando em segundo plano os debates parlamentares. 

Este fenômeno não é fruto de uma conjuntura específica, mas um processo estrutural cujos efeitos tendem a se prolongar. A origem está no fato de que a busca visibilidade pública por políticos e governantes como parte da preocupação com apoios eleitorais tornou-se mais importante do que a busca por soluções para os problemas nacionais.

Como a imprensa é a instituição mediadora entre a massa da população e os seus dirigentes políticos, ela, inevitavelmente, acabou se tornando mais importante do que a tribuna parlamentar para deputados e senadores. Com isso, os legisladores e governantes passaram a pautar suas ações mais pela forma como elas são transmitidas pela mídia jornalística do que pelo conteúdo do problema em debate.

Esta transferência de funções partidárias foi intensificada pela perda de identidade ideológica das diferentes siglas representadas no poder legislativo federal, estadual e municipal. A miríade de partidos brasileiros não representa hoje nada além do que estratégias de permanência ou conquista do poder, sem falar nos egos.

Esta “desidratação” de partidos políticos já ficou evidente para o eleitorado a ponto de no primeiro turno das eleições deste ano terem se registrado resultados como o do Maranhão, onde o governador eleito é do Partido Comunista Brasileiro enquanto o seu companheiro de chapa é de um partido conservador. Quem ainda tem uma vaga ideia do que foi o marxismo deve ter levado um susto quando o novo governador maranhense anunciou que dará “um choque de capitalismo” em sua gestão.

A descaracterização da atividade partidária no país deveria ter sido um processo tratado pela imprensa como tema de interesse público, mas aconteceu justamente o contrário. Em vez de assumir um papel crítico em relação à utilização dos meios de comunicação com substitutos das tribunas legislativas, os jornais, revistas, emissoras de rádio, telejornais e páginas noticiosas na Web transformaram-se em peças de estratégias de marketing político baseado na mídia de massa.

Esta alteração de prioridades foi facilitada pela mudança estrutural na ação partidária, mas teve também os seus atrativos econômicos, nem sempre visíveis. É preciso levar em conta que toda a imprensa vive hoje um momento de profunda incerteza financeira porque seu modelo de negócios está sendo implodido pelo uso da internet como plataforma de distribuição massiva de notícias de atualidade.

As receitas com publicidade e vendagem minguaram e o futuro é cada vez mais sombrio para a imprensa. Uma das estratégias adotadas pelos donos de conglomerados jornalísticos é procurar algum tipo de apoio financeiro estatal e este, obviamente, está condicionado a favores políticos. Neste ponto uniram-se a fome com a vontade de comer – e a imprensa assumiu plenamente uma função partidária complementar às estratégias de interesses oposicionistas e oficialistas. A imprensa assume assim o risco de envolver-se no mesmo mecanismo corruptor de troca de favores políticos por benefícios financeiros que está na origem dos escândalos do “mensalão” e da Petrobras.

É bom lembrar que o ódio da revista Veja em relação ao lulopetismo tem origem no fim de um milionário contrato de impressão de livros didáticos pela Editora Abril, determinado durante o governo do ex-presidente Lula. Coincidência ou não, foi a partir do fim desse privilégio que começaram as agruras orçamentárias da editora, cuja revista semanal de informações assumiu, sem muitos disfarces, a função de um partido político oposicionista.

A mudança do papel político de muitos órgãos da imprensa ainda não foi percebida pela maioria dos leitores, ouvintes e telespectadores que continuam sob a influência da herança cultural criada pela ideia de independência dos meios jornalísticos de comunicação. Mas o quadro está mudando rapidamente – como fica expresso nas pesquisas de credibilidade na imprensa, que registram uma queda continuada, apesar dos índices de confiança ainda serem mais elevados do que noutros países, como os Estados Unidos.

A função partidária da imprensa é um tema complexo que precisa ser discutido com intensidade principalmente pelos cidadãos, já que eles são os mais afetados pela mudança no papel dos meios de comunicação. Este texto nem de longe pretende ser definitivo porque não sou um especialista na questão. Ele precisa ser complementado com percepções diversificadas e mais aprofundadas, porque envolve muitas outras áreas de estudo. O tema é um desafio para os jornalistas e para os cientistas políticos. Por isso, ele deve ser visto como um convite para o início de uma troca de ideias que será longa e complexa