Sunday, 05 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

A imprensa e o novo Estado de Patrulhamento Nacional

A expressão National Survaillance State (Estado de Patrulhamento Nacional) está sendo usada na mídia anglo-saxã para caracterizar a transformação dos aparelhos estatais em sistemas de vigilância destinados a recolher o maior número de dados possíveis sobre os cidadãos para poder prever o que indivíduos e grupos sociais provavelmente farão.

Trata-se de um fenômeno ainda pouco estudado, mas que potencialmente pode alterar radicalmente a relação que as pessoas têm com os governos de seus respectivos países. Ao perceber a acelerada erosão do seu poder centralizador e verticalista por conta das mudanças provocadas pela internet e pela digitalização, os governos estão optando pelo uso de novas tecnologias para ampliar o patrulhamento sobre a sociedade, visando manter o controle sobre a mesma usando outros recursos.

É o que ficou evidente na reação de governos afetados pela divulgação de informações sigilosas como o caso Wikileaks e, mais recentemente, o caso Snowden. Ambos se tornaram críticos para os governos não tanto pelo conteúdo dos segredos divulgados, mas pela constatação de que as caixas-pretas da Inteligência estatal são vulneráveis e podem ser vasculhadas pela curiosidade pública.

Saber o que os governos sabem a nosso respeito é muito mais ameaçador para os serviços de inteligência do que a divulgação de dados secretos. Isso porque a grande batalha atual da informação é sobre o que se sabe sobre outras pessoas, empresas, governos e organizações. Quanto maior a massa de informações recolhida, maior a capacidade de prever desdobramentos – e com isso antecipar-se a ações contrárias.

É por meio dessa capacidade de antecipar ações que os governos pretendem compensar a perda do sigilo e o controle direto sobre informações pontuais e específicas relacionadas ao exercício do poder. Esta é a real natureza do tal Estado de Vigilância (ou de patrulhamento) Nacional. É uma espécie de Big Brother de giga proporções.

A imprensa entra nesse esquema já não mais como aliada, mas como uma potencial adversária. A mudança de situação não ocorre por opções ideológicas ou políticas, mas simplesmente pela necessidade de sobreviver. Os promotores desae Estado de Vigilância Nacional veem a imprensa como um fator perturbador que está “colocando areia nas engrenagens dos sistemas de inteligência”, conforme afirma o ex funcionário do CIA, Barry Eisler.

Pressionados pela queda de receitas publicitárias e pela perda de leitores, os jornais voltaram suas atenções para os leitores, na expectativa de recuperar audiências e fidelidade. A divulgação de segredos estatais funciona como um chamariz imbatível em matéria de atenção do público, principalmente quando a privacidade das pessoas está em jogo, como acontece no caso da espionagem eletrônica denunciada pelo também ex-funcionário da CIA, Edward Snowden.

Quem observa a imprensa no mundo inteiro já percebeu que a lógica da sobrevivência está empurrando gradualmente a imprensa na direção do interesse público, o que é ameaçador para o aparelho estatal que sempre manteve a imprensa sob controle, direto ou indireto. Nesses dias, em Londres, quase todos os jornais condenaram uma possível participação da Inglaterra num ataque norte-americano à Síria. Foi uma posição tomada em função de resultados de sondagens de opinião pública sobre a participação de tropas inglesas numa nova invasão a um país árabe. Trata-se de uma atitude inédita da imprensa, que teve influência decisiva na decisão do Parlamento britânico, afastando-se da beligerância do seu grande aliado.

A conjuntura atual e a dinâmica do processo de luta pelo controle da informação como ativo estratégico para projetos políticos podem acabar transformando a imprensa no principal contrapeso à proposta do Estado de Patrulhamento Nacional. Não é uma hipótese absurda, porque tudo vai depender da escolha a ser feita pelos donos de jornais entre sobreviver no seu negócio mudando a estratégia editorial, ou manter a política atual e arcar com as consequências.

O fato de a imprensa tradicionalmente lidar com grandes massas de informação lhe confere a capacidade de, usando as tecnologias apropriadas, desenvolver o mesmo trabalho de coleta, seleção e análise de dados executado hoje pelos serviços de inteligência. Esse potencial é o que assusta os arapongas digitais