A crise alimentar mundial – com os preços disparando 83% nos últimos três anos e reduzindo os estoques globais ao menor nível em mais de duas décadas e meia – recebe da Folha de hoje tratamento à altura da extrema gravidade do problema, incluíndo a manchete do dia.
Uma das suas quatro matérias a respeito cita o presidente em Lula, falando de Haia, Holanda.
Para ele, a inflação alimentar é motivo de alegria. Primeiro, porque é sinal de que o povo está comendo mais. Segundo, porque no Brasil o problema é fácil de resolver – “dos 851 milhões de hectares [do território], 400 milhões são agricultáveis”. E terceiro, é que “se todo mundo voltar a produzir mais, a gente vai ter mais riqueza, mais emprego e menos inflação”.
Quando se fala em potencial agrícola e em expectativa de aumento de produção não há propriamente realidades a comemorar – são apostas para o futuro. Da terceira, aliás, não há nem semente a ver: em áreas imensas nos Estados Unidos, a produção de comida está sendo substituída pela produção de biomassa para fins energéticos – etanol de milho, com subsídios pornográficos.
E tem mais. Tem aquilo que talvez o maior demógrafo vivo, o americano Paul H. Erlich, escreve hoje na seção de cartas do New York Times:
“Neste século, a humanidade ‘planeja’ acrescentar cerca de 2,5 bilhões de pessoas à Terra, muito mais do que era a população mundial inteira quando nascemos [1932]. Pior ainda, essa nova gente terá um impacto desproporcional nos sistemas ambientais que sustentam a agricultura.
Naturalmente, os seres humanos utilizarão primeiro os recursos mais ricos e prósperos. Em média, cada nova pessoa precisará ser provida de alimentos cultivados em terras menos produtivas, usando água transportada mais longe, requerendo mais fertilizante por unidade de produção, com necessidades energéticas supridas principalmente por petróleo extraído de poços mais fundos. E tudo isso enquanto se estiver lidando com a mudança climática que ameaça a agricultura de muitos lados diferentes.
Nenhum economista, a rigor, nenhum ser humano, deveria ignorar esses fatores.”
Nenhum jornalista, tampouco, portanto.