Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A pressão das ruas e o direito dos acusados

O assunto decerto estará nas páginas de opinião dos jornais de amanhã e vai aquecer a polêmica sobre o que seria bom fazer contra os políticos corruptos e o que se pode fazer contra eles.

Ontem, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro negou o registro de cinco candidatos a deputado federal (quatro dos quais já o são) por ‘falta de perfil moral’. É a primeira vez que isso acontece no Brasil.

O que não é deputado quer voltar a ser. Trata-se do presidente do Vasco, Eurico Miranda. Ele é réu numa penca de processos por crimes os mais diversos. Nunca foi condenado.

Os que já são – Elaine Costa e Fernando Gonçalves, do PTB, Paulo Baltazar, do PSB, e Reinaldo Gripp, do PL, fazem parte da lista dos acusados de participar do esquema dos sanguessugas, que serão processados no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro, podendo, portanto, perder os mandatos e ter os direitos políticos suspensos. Mas eles ainda não foram julgados e conservam os direitos políticos.

A Justiça Eleitoral do Rio acha que as evidências contra os cinco bastam para alijá-los da eleição de outubro. Eles respondem que estão protegidos pelo princípio constitucional de que todos são inocentes até serem considerados culpados em julgamento definitivo. Teriam assim o direito de ser candidatos.

O presidente do TRE do Rio, Roberto Wider, replica que ‘os tempos são outros’. A juíza que barrou Miranda diz que ‘há que se mudar este estado de coisas’.

Outros invocam o fato de que ninguém pode participar de concurso público se tiver processo contra si – mesmo que ainda não tenha sido julgado.

E o deputado Miro Teixeira, do PDT fluminense, quer até que sejam proibidos de tomar posse os candidatos eleitos contra os quais haja provas de corrupção, fraude, ou abuso de poder econômico. Mesmo que ainda não figurem em processos.

Tomada a lei ao pé da letra, nem o TRE do Rio poderia bloquear candidaturas com base na vida pregressa de candidatos ou em acusações atuais contra eles, nem a Justiça poderá negar a posse de candidatos, a menos que tenham cometido crime eleitoral que deve ser denunciado até 15 dias depois da diplomação dos eleitos.

Outra coisa é o ânimo da opinião pública, da mídia, de autoridades (como os juízes do Rio) e de políticos honestos (como os que levaram adiante em tempo recorde a CPI dos Sanguessugas, conseguiram, ao que parece, driblar os obstáculos à ação contra três senadores acusados de vampirismo e batalham agora pelo voto aberto nas decisões em plenário sobre cassação de mandatos).

Direitos não podem ser violados, ponto. Mas os escândalos do mensalão e dos sanguessugas fazem muita gente achar que os políticos devem provar que são inocentes antes de pedir o voto popular – e não serem impedidos de fazê-lo só depois de condenados em última instância.

Já que os partidos não expulsam nem negam candidatura aos seus possíveis malfeitores, e já que a Justiça no Brasil leva uma eternidade para inocentar ou inculpar, argumentam, é hora de mudar ‘este estado de coisas’, como falou a juíza.

O raciocínio é perigoso, porque equivale a ressuscitar a expressão ‘a lei, ora a lei’ atribuída ao ditador Getúlio Vargas.

Mas não dá tampouco para enfiar a cabeça na areia e ignorar o tal do clamor popular – quando até o presidente do TSE Marco Aurélio Mello, membro da Suprema Corte, sustenta que ‘entre um interesse individual’ [no caso, o do político ameaçado de perder o registro ou de não tomar posse com base em provas, mas não numa condenação] ‘e o coletivo’ [a defesa do patrimônio público e a faxina ética da política], ‘a tendência é homenagear o coletivo’.

A mídia tem tratado dessa dicotomia com uma insuficiência de chorar.

P.S. Em louvor do Valor

Hoje – e está longe de ser a primeira vez – o jornal de economia Valor dá uma aula de jornalismo político. Uma não, duas.

A primeira é a reportagem ‘Lula lança as pontes para 2º mandato’, dos competentíssimos Raymundo Costa e Cristiano Romero, cheia de furos – no bom sentido, no bom sentido. Exemplos:

‘Lula já tomou algumas decisões quanto aos rumos de seu governo num segundo mandato. A política econômica, por exemplo, não muda. O presidente atribui a sua elevada popularidade, às vésperas da eleição, aos resultados dessa política, que derrubou a inflação e permitiu a retomada, mesmo que tímida, do crescimento econômico. o presidente é extremamente conservador em matéria macroeconômica, testemunha um ministro.’

‘Ele pretende procurar Serra para uma conversa, caso o tucano confirme o favoritismo apontado pelas pesquisas e se eleja governador. Na hora em que ganhar a eleição, ele não será mais candidato a nada, observa um ministro.’

A segunda aula do Valor ensina como noticiar pesquisas. Numa matéria de página inteira, ‘Cesta básica mais barata mantém Lula favorito’, 2/3 dela ocupada com gráficos e tabelas de uma clareza solar, o repórter César Felício revela em primeira mão e explica detalhadamente os resultados de uma pesquisa eleitoral do Ipespe, do cientista político Antonio Lavareda, cuja essência está no título da reportagem exclusiva.

Se o Valor, com pouco espaço para a política e pouca gente para cobrir a campanha, consegue entregar esse tipo de mercadoria aos seus leitores, o que os jornalões esperam para fazer o mesmo, em vez de ficar apenas no varejo do Fulano disse isso, Sicrano disse aquilo?

***

Os comentários serão selecionados para publicação. Serão desconsideradas as mensagens ofensivas, anônimas, que contenham termos de baixo calão, incitem à violência e aquelas cujos autores não possam ser contatados por terem fornecido e-mails falsos.