Monday, 09 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

Armas: o statu quo policial e judiciário agradece

Começou neste sábado a propaganda do “não” e do “sim” com que a população vai responder, no dia 23, à pergunta “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”


As duas organizações que se credenciaram para canalizar na mídia a propaganda das duas respostas apresentaram, na hora do almoço e à noite, programas que passam ao largo das questões decisivas quando se fala em violência e criminalidade: os problemas da polícia e da justiça.


As forças policiais devem estar exultantes, porque é como se sua incompetência, seu grau de contaminação pela corrupção e seu envolvimento direto no crime não estivessem em discussão, mas sim, apenas, pelo lado do não, o direito do cidadão de decidir se deve ou não se armar, e, pelo lado do sim, a tese de que dificultar a circulação de armas terá efeitos positivos na redução do número de homicídios e lesões por arma de fogo.


Veja exerce direito de se expressar


A revista Veja usa prerrogativa que lhe confere a lei para se manifestar, desde a capa da edição desta semana, pelo “não”. Emissoras de televisão, até segunda ordem, não podem tomar partido, segundo resolução do Tribunal Superior Eleitoral, como se lerá adiante.


A revista vai chocar muita gente bem-intencionada, mas faz bem ao usar a faculdade de se expressar. Melhor do que a hipocrisia ou do que ficar em cima do muro em nome de uma pretensa neutralidade.


A Veja tem razão quando afirma que o referendo é um falso caminho. Talvez não tenha razão ao dizer que o referendo vai piorar a situação da violência, mas tem razão ao dizer que o método expõe a população ao sentimento de fracasso, e a democracia ao risco de todo referendo sobre questão que não se pode resolver em referendos. É a mania brasileira de achar que o caminho é mudar as leis.


A Veja tem ainda o mérito de nadar contra a corrente na mídia e no mundo do entretenimento, tão misturados (não por acaso os principais garotos-propaganda da proibição de armas são atores famosos).


Ficou com cara de publicação de direita, mas isso talvez corresponda ao perfil desejado por seus editores. Num certo sentido, seria parte do marketing da revista, que fala cada vez menos para uma elite intelectualizada e cada vez mais para uma nova classe média, de contornos ainda não muito claros.


É curioso e sintomático que o coronel da reserva da PM paulista José Vicente de Carvalho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, tenha dado uma declaração técnica à Veja – “As mazelas da insegurança nacional não decorrem do excesso de armas nas mãos da população, mas de uma polícia, um sistema judicial e prisional ineficientes” (faltou falar da incompetência específica da mídia nesse capítulo) – mas não se tenha furtado, algumas semanas atrás, a aparecer no programa de televisão do Ratinho falando em defesa da proibição das armas. Sintomático da confusão entre mídia e espetáculo.


A opinião pública assistirá agora a um duplo embate: entre partidários do sim e do não, e, dentro desses campos, entre diferentes tipos e veículos de mídia (a Rede Bandeirantes, por exemplo, vota pelo não).


O controle sobre emissoras de rádio e televisão


A legislação do TSE é dura. No capítulo IV, a Resolução n° 22.033 estabelece que é proibido:


“III – veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a qualquer das propostas do referendo;


IV – dar tratamento privilegiado a qualquer das frentes parlamentares;


V – veicular ou divulgar filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa com alusão ou crítica às frentes parlamentares, mesmo que dissimuladamente, exceto programas jornalísticos ou debates sobre o referendo.”


No capítulo VI, das Disposições Gerais, está a punição prevista, “a requerimento do Ministério Público ou de frente parlamentar”: suspensão por até 24 horas da programação normal da emissora. Cada vez que a punição se aplicar novamente, o período de suspensão será duplicado.


(Ver abaixo transcrição de partes da resolução.)


Uma primeira manifestação da Justiça ocorreu ontem, 30 de setembro, conforme noticiário do TSE:


“Brasília, 30/09/2005 – O ministro José Delgado determinou à Rede Globo de Televisão que, ao veicular qualquer notícia sobre o referendo de 23 de outubro próximo esclareça que o referendo é sobre a proibição ou não do comércio de armas de fogo e não sobre o desarmamento da população.


O ministro acolheu reclamação da frente Pelo Direito da Legítima Defesa ao alegar que esse tipo de informação equivocada prejudica o real esclarecimento da população acerca do que efetivamente será decidido no dia 23 de outubro.


Segundo a frente parlamentar, <<a confusão ao utilizar o termo desarmamento se apresenta evidente na medida em que uma pessoa pode ser favorável ao desarmamento da população, e também ser a favor ao comércio legal de armas de fogo e munição>>.’


A seguir, partes da resolução do TSE para a propaganda no referendo.


RESOLUÇÃO Nº 22.033


(4.8.2005)


INSTRUÇÃO Nº 90 – CLASSE 12ª – DISTRITO FEDERAL (Brasília).


Relator: Ministro Luiz Carlos Madeira.


DISPÕE SOBRE A PROPAGANDA NO REFERENDO DE 23 DE OUTUBRO DE 2005.


(….)


CAPÍTULO IV


DA PROGRAMAÇÃO NORMAL E NOTICIÁRIO


NO RÁDIO E NA TELEVISÃO


Art. 18. A partir de 1º de agosto de 2005, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário:


I – transmitir, ainda que sob a forma de entrevista jornalística, imagens de realização de pesquisa ou qualquer outro tipo de consulta popular em que seja possível identificar o entrevistado ou em que haja manipulação de dados;


II – usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem pessoas ou frente parlamentar, bem como veicular programa com esse efeito;


III – veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a qualquer das propostas do referendo;


IV – dar tratamento privilegiado a qualquer das frentes parlamentares;


V – veicular ou divulgar filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa com alusão ou crítica às frentes parlamentares, mesmo que dissimuladamente, exceto programas jornalísticos ou debates sobre o referendo.


§ 1º Entende-se por trucagem todo e qualquer efeito realizado em áudio ou vídeo que possa degradar ou ridicularizar pessoa ou frente parlamentar ou que desvirtue a realidade e beneficie ou prejudique qualquer frente parlamentar.


§ 2º Entende-se por montagem toda e qualquer junção de registros de áudio ou vídeo que possa degradar ou ridicularizar pessoa ou frente parlamentar ou desvirtue a realidade e beneficie ou prejudique qualquer frente parlamentar.


§ 3º Poderá a Justiça Eleitoral, por representação de frente parlamentar ou do Ministério Público, fazer cessar a propaganda em desconformidade com este artigo.


§ 4º As disposições deste artigo aplicam-se às páginas mantidas pelas empresas de comunicação social na Internet e demais redes destinadas à prestação de serviços de telecomunicações de valor adicionado, inclusive provedores da Internet.


Art. 19. Independentemente da veiculação de propaganda gratuita no horário definido nestas instruções, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre o referendo.


§ 1º O debate será realizado segundo as regras estabelecidas em acordo celebrado entre as frentes parlamentares e a emissora de rádio ou televisão interessada na realização do evento.


§ 2º As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, à realização de debates na Internet ou em qualquer outro meio eletrônico de comunicação.


§ 3º O debate poderá ser realizado até as 24 horas do dia 20 de outubro de 2005.


(….)


CAPÍTULO VI


DISPOSIÇÕES GERAIS


(….)


Art. 39. As disposições destas instruções aplicam-se às emissoras de rádio e de televisão comunitárias, às emissoras de televisão que operam em VHF e UHF e aos canais de televisão por assinatura sob a responsabilidade do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das assembléias legislativas e da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou das câmaras municipais.


Parágrafo único. Aos canais de televisão por assinatura não compreendidos no caput se aplica o art. 18 destas instruções, sendo-lhes vedada, ainda, a veiculação de qualquer propaganda, salvo a retransmissão integral do horário gratuito e a realização de debates, observadas as disposições destas instruções.


Art. 40. A requerimento do Ministério Público ou de frente parlamentar, o Tribunal Superior Eleitoral poderá determinar a suspensão, por até vinte e quatro horas, da programação normal de emissora que deixar de cumprir as disposições destas instruções.


§ 1º No período de suspensão, a emissora transmitirá, a cada cinco minutos, a informação de que se encontra fora do ar por ter desobedecido às instruções do Tribunal Superior Eleitoral sobre o referendo de 2005..


§ 2º Em cada reiteração de conduta, o período de suspensão será duplicado.