Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Boston: caos noticioso na era da abundância de informações

As explosões na maratona de Boston deram origem a uma impressionante cacofonia informativa nos Estados Unidos e mostraram a perplexidade do público, bem como dos jornalistas, diante dos efeitos da desorientação criada pela avalancha noticiosa.

A cobertura dos atentados e da caçada aos responsáveis pelas bombas foi exaustiva a ponto de emissoras como as redes de notícias CNN e Fox terem alterado toda a sua programação normal para abrir espaço para seus repórteres e apresentadores, isto durante quase quatro dias.

A enorme visibilidade dada ao evento teve com contrapartida a escassez de informações confirmadas. As emissoras e a imprensa em geral se jogaram na cobertura quase que como uma questão de vida ou morte, num contexto de luta pela sobrevivência financeira. Mas acontece que a natureza do tema obrigou a polícia a ter que trabalhar com discrição para não queimar pistas ou gerar equívocos embaraçosos.

A consequência foi que a imprensa, com exceção do vetusto The New York Times,partiu para a especulação informativa, o que proporcionou alguns episódios prosaicos como o do jornal The New York Post, que insistiu na tese das 12 mortes em consequência das explosões mesmo depois de as autoridades norte-americanas terem confirmado apenas três óbitos no incidente.

A confusão e a desorientação não foram privilégio da imprensa. O mesmo fenômeno se repetiu nas redes sociais, onde o “tiroteio” informativo foi tão ou mais intenso do que o confronto entre os dois suspeitos e a polícia no interior do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sexta-feira (19/4).

A imprensa norte-americana tentou compensar os seus erros, que não foram poucos, com um mínimo de sobriedade na cobertura da euforia geral após cobertura da prisão dos suspeitos. Mas nas redes sociais a boataria correu solta e as consequências só aparecerão daqui a algum tempo.

Houve uma estranha sinergia entre imprensa e redes sociais. Alguns jornais e emissoras de televisão foram, no mínimo, imprevidentes ao levantar hipóteses baseadas em informantes não confiáveis, o que deu aos usuários das redes sociais a munição adequada para a viralização de boatos e a estigmatização de suspeitos. Um erro foi potencializado por outros erros e a consequência foi o caos informativo.

Ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo. Para um estrangeiro como eu, assistindo televisão nos Estados Unidos, durante a caçada aos suspeitos ficou a impressão de que temos ao mesmo tempo um excesso de notícias e falta de material confiável. O paradoxo da escassez de credibilidade na era da abundância informativa.

Esta contradição, muito provavelmente, está na base de outro fenômeno não menos preocupante: a falta de noticias confiáveis abre espaço para o emocionalismo informativo, quando as sensações contam mais do que os fatos. As explosões na maratona de Boston ganharam repercussão mundial por conta da síndrome do medo que volta e meia paralisa os norte-americanos, desde os atentados de 11 de setembro de 2001.

Outro paradoxo: enquanto o sistema de segurança foi extremamente econômico em matéria de informações à imprensa na fase investigativa, os jornais fizeram uso intensivo da especulação sobre o que aconteceu e sobre possíveis desdobramentos. Quando o caso foi resolvido, os papéis se inverteram. Houve euforia desmedida por parte da polícia, FBI, governos municipal, estadual e nacional. A imprensa, com exceção do canal de notícias Foxe de jornais conservadores como o The New York Post, foi discreta nos comentários sobre o desfecho – em parte, por um certo embaraço provocado pelos erros cometidos.

Se nos orientarmos pela frieza dos números, teremos que diariamente em São Paulo morrem mais pessoas por dia em tiroteios entre grupos rivais de narcotráfico do que as três vítimas de Boston. Parece até meio absurdo que dois irmãos chechenos tenham provocado tanta comoção por um ato cujos objetivos políticos ainda são um denso mistério, quando no resto do mundo a matança corre solta, com cobertura eventual da imprensa.

Atemorizados pela possibilidade de novos ataques terroristas, os norte-americanos tendem aceitar com mais facilidade medidas duras, como aconteceu em Boston, uma cidade de 650 mil habitantes, onde a policia pediu que a população ficasse em casa no dia 18, véspera da prisão de Dzokhar Tsarnaev , de 19 anos. Ninguém reclamou e o inacreditável aconteceu: a cidade ficou quase deserta. Você já imaginou se a polícia carioca mandasse os moradores de Copacabana não saírem de casa por causa da perseguição a um suspeito?

Contra o medo a melhor terapia é a informação exata, oportuna, pertinente e confiável. Cada vez mais a administração de situações como a vivida em Boston torna crucial um gerenciamento adequado da informação. Tanto a imprensa como as redes sociais são corresponsáveis na administração da informação pública. No caso das redes, cada usuário de blog ou comentarista do Facebook passaa ser um protagonista, capaz de agravar ou amenizar crises de grandes proporções. 

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