Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

China, essa imagem imprecisa

Os jornais noticiam hoje (26/1) que a China já tem o quarto maior PIB do mundo. Visto com certo recuo, o dado é uma minudência, como diria o ministro da Justiça do governo de João Figueiredo, Ibrahim Abi-Akel, hoje deputado federal. Por sinal, um dos que colaboraram para atrapalhar as investigações, na CPI dita do Mensalão. Esquece, leitor. Voltemos à minudência. O dado é assim: China, 2,26 trilhões de dólares; Grã-Bretanha, 2,17 trilhões; França, 2,14 trilhões. Etc.


Para começar, quem pode confiar em estatísticas chinesas? São acusadas ora de superestimação, ora de subestimação. Nem nas americanas, nem nas européias dá para confiar cegamente. Então, esses 90 bilhões e 120 bilhões de dólares de diferença, respectivamente, merecem destaque?


Segundo ponto. Dá para comparar a produtividade das respectivas economias? Na Grã-Bretanha e na França, 60 milhões de habitantes produziram aquelas cifras em 2005. Na China, 1 bilhão e 300 milhões. É só dividir: 21,6 vezes mais gente, ou produtividade 21,6 vezes menor, certo?


Terceiro ponto: a desigualdade. No pé da reportagem do Estadão sobre o PIB chinês aparece um dado preocupante. A renda per capita da população urbana chinesa subiu para 1,311 mil dólares. A da população rural, para 406,8 dólares.


[Acréscimo em 27/1: cometi injustiça com a reportagem de Rolf Kuntz sobre o tema. Ele escreveu ontem (26/1) no Estadão (‘China e ìndia vão liderar expansão’): ‘Na China e na Índia, a população é tanto uma vantagem quanto um problema. O Produto Interno Bruto (PIB) chinês chegou a US$ 1,9 trilhão, mas o PIB por habitante corresponde a cerca de US$ 400 e é menor que o de uma centena de países.


A renda média urbana é o triplo da rural e há muita desigualdade entre regiões. Também a Índia continua com muita pobreza. Nos dois, são necessários enormes investimentos em infra-estrutura econômica e social, a começar pela área de saneamento. Chineses e indianos também terão de cuidar dos estragos ambientais causados pelo desenvolvimento econômico’.]


Essas médias são grandes agregados. Imaginem-se as disparidades entre grupos selecionados, como “novos bilionários” e “camponeses das regiões mais remotas”.


Manter a China unida e a maioria de sua população alimentada, na escola, com um mínimo de saneamento básico, é uma das grandes proezas humanas. O que não se pode é olhar apenas para o tamanho do bolo, sem ignorar que alguns comem fatias maiores e outros devem se contentar com microscópicas migalhas. Como no Brasil.


Hoje está em vários jornais a notícia de que o Google, a exemplo do Yahoo e da Microsoft, cedeu a imposições de censura por parte do governo chinês. (Ver Desigualdade sem liberdade.) Do ponto de vista da mídia, é preciso entender em que medida isso colabora para manter ou acentuar desigualdades. A questão da liberdade antecede, por exemplo, a da “inclusão digital”.