Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Depois da crise nos jornais, chegou a vez da televisão

O negócio do jornalismo na televisão, que até agora sobreviveu aos efeitos do tsunami dainternet, começou a dar sinais de que também vai enfrentar uma crise no seu modelo de negócios, como já acontece com os jornais e revistas impressos. São cada vez mais impactantes os números que mostram a migração do público, especialmente o mais jovem, da TV aberta e por cabo para vídeos na internet.

Em setembro do ano passado, um relatório do Pew Research Center mostrou que a audiência mÉdia dos telejornais norte-americanos caiu de 68% em 1991 para 55% em 2012, enquanto a busca de notícias em vídeo na internet subiu de 24% , em 2002, para 39% em 2012. No mesmo período os jornais e os noticiários radiofônicos despencaram de 56% e 54% ,em 1991, para 29 e 33%, em 2012, respectivamente.

Entre os adultos jovens, com menos de 30 anos, as estatísticas são ainda mais reveladoras na migração para a webTV. A audiência simplesmente está dobrando a cada três anos nos Estados Unidos, conforme o informe do Pew Research Center. 

Aqui no Brasil não temos ainda dados tão detalhados, mas o Ibope informa que a audiência do Jornal Nacional patina em torno dos 27 e 28%,com picos de 30%, dependendo do acontecimento em manchete. Nos anos 1990, o JN se orgulhava de ter índices em torno dos 60 a 70%, dependendo da novela que o precedia.

O telejornal continua fiel à sua receita editorial, mas o público já não é mais o mesmo. Antes, o JN enfrentava uma frágil concorrência de outras emissoras que nem de longe tinham o mesmo cacife financeiro e jornalístico para fazer frente à emissora do Jardim Botânico. Em 2012, 92% dos domicílios brasileiros tinham pelo menos um aparelho de televisão, com um crescimento médio da ordem de 10%. A venda de novos aparelhos não só perdeu fôlego como aumentou o número de equipamentos desligados. Agora são 61%, contra 58% em 2009

Mas agora a concorrência está em qualquer computador conectado à internet. Segundo a Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílios, divulgada em setembro do ano passado, 46% dos brasileiros têm acesso à internet (cerca de 78 milhões de pessoas), mas o índice vem dando saltos de 40% ao ano. Já há previsões de que, em 2020, o número de aparelhos de TV instalados em domicílios brasileiros seja igual ou até menor do que o de computadores.

Os dados demográficos mostram como o mercado está mudando e com ele os comportamentos sobre os quais se apoia o modelo de negócios das emissoras, no fundamental quase o mesmo dos jornais: atrair a atenção dos telespectadores por meio de notícias para vender inserções comerciais entre blocos de informação.

A crise na TV demorou a chegar por conta do chamado infotainement, combinação de entretenimento e informação, que funciona bem no vídeo, mas não tem o mesmo apelo num jornal. O Jornal Nacional também sempre usufruiu do fato de estar colocado entre duas novelas, herdando audiência da novela das 7 com a responsabilidade de não deixar a peteca cair até a novela das 8. [Os horários são apenas referências herdadas dos anos 1980 porque o marketing acabou atropelando a grade de programas. Hoje a novela das oito entra no ar as nove e tanto, enquanto a novela das sete começa perto das 20h. O JN fica com o intervalo entre uma a outra.] 

O problema não é mais o que está acontecendo hoje, mas o que vai acontecer nos próximos dez anos. É aí que está a questão estratégica que obrigará as emissoras a revisar sua programação, porque as pessoas estão cada vez mais recorrendo à internet para ver programas que antes assistiam no aparelho de TV. As mudanças devem afetar os conteúdos, mas principalmente as estratégias comerciais.

Os programas jornalísticos devem incorporar a interatividade e apoiar-se cada vez mais em redes presenciais ou virtuais. A Globo jáestá experimentando alternativas em vários horários, mas ainda de forma muito tímida, diante do medo de perder o controle sobre os conteúdos. A concorrência também aumentará porque os independentes ganham cada vez mais visibilidade na web, com programas baratos e focados em temas específicos.

Tudo indica que o principal adversário das emissoras atuais será o Google, dono do YouTube, quejá tem séries completas disponíveis para todos os gostos e faixas etárias. O Google pega programas de emissoras e produtores autônomos da mesma forma que o Google News usa material de jornais e revistas impressas. Vai haver queda de braço na hora de fixar a divisão de lucros, mas nada que não possa ser acertado, porque afinal os dois lados têm algo a ganhar.

O Google leva vantagemporque tem muito mais experiência na web e sua penetração no ambiente digital é simplesmente esmagadora. Por isso sua desvantagem em termos de produção de conteúdos jornalísticos acaba compensada pela maior capilaridade de sua implantação na web.

O grande dilema das emissorasconvencionais está na infraestrutura comercial. Até agora a programação das emissoras seguia o princípio da massificação, ou seja, um produto para o maior número possível de espectadores, a mesma estratégia adotada pelos jornais. Antes da chegada das novas tecnologias de comunicação e informação, esse era o único esquema possível. Agora, com a digitalização, avalancha informativa e a internet fixa ou móvel, entramos na era da personalização dos conteúdos.

O que era economicamente viável até agora não funciona mais porque os custos, mesmo drasticamente reduzidos, continuam acima das receitas online, que não chegam nem à vigésima parte do que as emissoras cobravam. O modelo publicitário também está mudando, como revela o artigo “The End of Traditional Ad Agencies”, publicadono blog da Harvard Business Review.

A Globo,como líder do mercado de televisão no Brasil, pode empurrar com a barriga o problema por muito mais tempo que suas congêneres norte-americanas e europeias. Mas o tempo acabou,como adverte o site Follow the Media, no texto “The Television Business Will Never Be The Same” [para assinantes[.