O anúncio da Google de que não censurará mais os resultados de buscas feitas por internautas chineses é na verdade um grande jogo de cena que os dois protagonistas desenvolvem há pelo menos oito meses e que vai culminar com um rompimento total muito em breve.
A censura é apenas uma parte do problema, pois a verdadeira questão está no mercado da internet chinesa, considerado o maior do mundo e cujo crescimento nos últimos anos tem sido vertiginoso. A Google não conseguiu desbancar o sistema chinês de busca Baidu, que detém mais da metade do mercado local, e depois do incidente envolvendo espionagem no banco de dados da empresa norte-americana a questão tornou-se também política e diplomática.
Não há certeza sobre quais as condições que a Google teve que aceitar para criar a sucursal em Beijing inaugurada em 2006, sob a direção de um executivo chinês que trabalhava para a Microsoft e mudou de emprego em meio a um rumoroso processo que terminou num acordo secreto entre os dois megaconglomerados norte-americanos.
Mas o certo é que, segundo o governo chinês, existe um documento escrito no qual a Google se compromete a não listar entre os resultados de buscas do seu serviço páginas que o governo considera hostis. Isto tornou a Google cúmplice de um sistema de censura, o que tira, agora, boa parte de sua justificativa moral para mudar de posição.
O problema é comercial porque o mercado chinês de acesso à internet chegou a 384 milhões de internautas em janeiro de 2010 —e poderia chegar a meio bilhão de internautas nos próximos dois anos, segundo a China Internet Network Information Center. Só em 2009, a internet chinesa ganhou mais “habitantes” do que toda a população da Alemanha.
Estes números garantem aos chineses uma liderança folgada no ranking mundial de acessos à internet. E é aí que está a verdadeira disputa. Censura, espionagem, diplomacia e politicagem são apenas pretextos e armas nessa briga de cachorros grandes.
Beijing sabe que os rumos da economia mundial estão sendo determinados hoje pela relevância que a internet passa a ter dentro de cada país, e seu governo não se mostra disposto a hipotecar o seu futuro para a Google, que é hoje a empresa que controla o maior acervo de informações sobre seres vivos no mundo e em toda a história da humanidade.
Ainda mais porque a China tem o Baidu, um mecanismo de buscas cujas semelhanças com o do Google são notáveis. A empresa Baidu é privada, tem registro oficial nas ilhas Cayman, no Caribe, é liderada por três executivos que cuja formação acadêmica foi feita nos Estados Unidos e desde a sua fundação, em 1999, obedece a todas as restrições impostas pelo governo chinês em matéria de acesso a páginas de dissidentes oposicionistas.
A Baidu é um conglomerado gigante que já tem sucursais no Japão, e que inclui, além do mecanismo de buscas, mais 27 outros serviços incluindo músicas, vídeos, enciclopédia virtual e até uma TV pela Web. Tem 63% do mercado chinês de buscas, é a oitava empresa em negócios na bolsa norte-americana NASDAQ (de empresas de tecnologia), com um lucro anual de 88,9 milhões de dólares em 2007 e cerca de 6.200 funcionários.