Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Imprensa: muita calma nesta hora

A ressaca da campanha eleitoral criou uma situação extremamente delicada em que o papel da imprensa passa a ser ainda mais relevante do que antes do segundo turno. A radicalização político-emocional, promovida por veículos como a revista Veja, fez aflorar velhos preconceitos e vestígios autoritários gerados pela frustração eleitoral.

O ambiente político surgido logo após a divulgação dos resultados do segundo turno confere à imprensa uma função complexa em que a produção de notícias torna-se menos importante do que o papel do jornalismo na extinção de um estopim informativo de consequências imprevisíveis. É o momento em que os veículos de comunicação precisam pensar mais nas implicações de suas decisões do que na preocupação com suas estratégias comerciais.

Pode parecer paradoxal, mas tudo indica que a imprensa é no momento a única instituição capaz de promover um mínimo equilíbrio entre percepções opostas da realidade política pós-reeleição de Dilma Rousseff. A presidente prometeu diálogo, mas suas intenções ainda estão marcadas pela campanha e, portanto, sujeitas a dúvidas sobre sua credibilidade.

Os políticos voltaram à velha estratégia de desconstruir a proposta de plebiscito sobre reformas políticas numa tentativa de preservar seu cacife num tema que vem se arrastando há décadas. A estratégia é clara: deputados e senadores não abrem mão de legislar em causa própria, mesmo diante da inequívoca perda de prestígio popular.

A imprensa tem um papel a cumprir neste provável confronto entre o Palácio do Planalto e o Congresso, porque isso pode radicalizar ainda mais os passionalismos políticos. A presidente provavelmente usará as reformas para neutralizar a renovada militância de deputados e senadores oposicionistas. Estes devem concentrar sua artilharia na denúncia de uma eventual tentação presidencial de repetir o caráter plebiscitário que permitiu a vitória de Dilma no segundo turno.

A imprensa não é uma instituição qualquer e nem uma máquina de fazer dinheiro. Sua matéria-prima é a noticia a partir da qual os cidadãos tomam decisões, para o bem ou para o mal, de cada indivíduo e da comunidade. A imprensa é, portanto, corresponsável nos equívocos políticos a que estão sujeitos os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas.

Não há como fugir disso alegando que o papel dos jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão é apenas repassar conteúdos. Esta desculpa está inutilizada pelo resultado de dezenas de pesquisas científicas que mostram como as pessoas, inclusive jornalistas, incorporam percepções pessoais à narrativa de fatos e eventos.

O universo dos sentimentos desencontrados revelado pelas mensagens postadas nas redes sociais da internet logo depois do segundo turno mostra uma tendência à irracionalidade política que, se alimentada pelo noticiário da imprensa, pode acabar gerando situações cujo preço pode ser trágico, como mostram os efeitos da Marcha da Família com Deus e pela Liberdade nos idos de 1964.

A imprensa já acumulou ao longo de sua história recente experiências suficientes para mostrar que ela acaba também sendo vitimada pela radicalização que tolerou, consciente ou inconscientemente. Quando as pessoas começam a falar em muros separando pobres e ricos no Brasil, em impeachment da presidente reeleita, em supostas fraudes eleitorais e pedir que os militares retomem o poder, fica clara uma radicalização que só a imprensa pode ajudar a neutralizar. Ela deve resistir a ser protagonista de um jogo entre partidos que desejam manter ou conquistar influência nos negócios estatais.

Além disso, a imprensa precisa recompor sua relação de credibilidade com o seu público-alvo porque ela vive uma crise de transição de modelos de negócio em que a fidelização dos consumidores tem um papel crucial. Alguns veículos podem até tentar manter leitores endossando o passionalismo, sectarismo, xenofobia e autoritarismo. Mas a história recente do país mostra que esta estratégia nunca deu certo.