Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Leitura crítica como vacina contra a xenofobia informativa

Cada dia que passa fica mais claro que já não é mais possível ler jornal como há 20 ou 30 anos. Os jornais não mudaram, ou mudaram muito pouco. O que mudou, de fato, foi a realidade que os cerca e o contexto onde os jornalistas exercem sua atividade.

Nos tempos pré internet, as limitações tecnológicas e os altos custos faziam com que fosse reduzido o número de veículos informativos, o que gerava uma baixa diferenciação entre os órgãos da imprensa, com inevitáveis consequências na forma como eles retratavam e ainda retratam a realidade. A impossibilidade de dar uma visão ampliada da diversidade crescente da vida na sociedade impôs aos leitores também limitações na forma de ver o mundo gerando dois tipos de problemas que hoje começam a se tornar críticos.

O primeiro é a insatisfação, cada vez maior, de segmentos sociais que questionam o conteúdo da agenda informativa e a confiabilidade das noticias publicadas pela imprensa. O outro, ainda mais grave, é a tendência à formação de “guetos” informativos compostos por veículos jornalísticos e segmentos do público que compartilham a mesma percepção do mundo.

A tendência geral entre os integrantes de guetos informativos é justificar suas opções criticando a dos demais, o que geram inevitáveis conflitos, que ao se acirrarem acabam conduzindo ao sectarismo e xenofobia. É mais ou menos isto oque estamos assistindo hoje num processo que tende a ser danoso para todos os envolvidos, porque a obsessão em defender os próprios pontos de vista acaba afastando-os da realidade.

No seu livro Going to Extremes (Oxford University Press, 2009), o norte-americano Cass Sunstein mostrou como os grupos fechados tendem à radicalização por conta de uma auto-intoxicação informativa que os isola cada vez mais da realidade e os conduz a situações imprevisíveis. Segundo Sunstein, um dos fatores que contribuem para esta auto-intoxicação é o noticiário da imprensa quando jornais e leitores acabam formando uma espécie de conjunto binário, onde uma parte alimenta o radicalismo da outra. Este processo se manifesta, na imprensa com a uniformização da agenda noticiosa e no conjunto dos leitores por meio da intensificação do sectarismo.

Aí começam a aparecer situações impensáveis que ganham intensidade e amplitude graças a capilaridade das redes sociais virtuais. O fenômeno da formação de guetos informativos não é novo, o inédito é a amplitude que ele alcança hoje com a generalização do uso da internet. Racistas de todo o mundo podem agora formar células virtuais onde se auto-intoxicam com dados e informações onde os objetivos importam mais do que a veracidade.

A realidade atual é cada vez mais complexa, porque aumentou o volume de dados e informações que dispomos sobre fatos, eventos e processos, mesmo os que parecem mais simples. A abordagem de uma realidade complexa exige uma cobertura jornalística diversificada para que a gente tenha uma percepção minimamente real do que acontece à nossa volta.

Esta nova realidade informativa, caracterizada pela fluidez de percepções e opiniões, transforma a leitura crítica da imprensa numa ferramenta obrigatória para entender minimamente a realidade que nos cerca, sem cair na armadilha dos guetos e da xenofobia. A leitura crítica, a ferramenta básica do Observatório da Imprensa, não é um instrumento tipo plug and play , uma peça que se acopla a um mecanismo e que começa imediatamente a funcionar.

Ela requer um aprendizado que tomará algum tempo porque implica alterar hábitos e valores arraigados há muito tempo em nosso quotidiano de acesso a jornais, revistas e telejornais. Estamos entrando num ambiente informativo, a internet, que além de novo e desconhecido para a maioria de nós, é muito mais complexo do que nossas rotinas anteriores de consumo de notícias.

Até agora uma ou duas fontes jornalísticas de informação eram consideradas suficientes para que nos considerássemos bem informados e aptos para tomar decisões. Hoje tudo ficou muito mais complexo por conta da multiplicidade e diversidade de notícias que circulam na internet, um ambiente onde enfrentamos dificuldades crescentes para distinguir a informação confiável da falsa. Por enquanto, a melhor ferramenta de que dispomos para fazer esta distinção é a leitura crítica da imprensa.

Não se trata de ler, ouvir ou ver só aquilo que nos agrada, nem de achar que estão todos errados e que só nós sabemos o que é certo. É fundamental tomar consciência de que há diferentes maneiras de ver o mundo, mais ou menos como no caso da famosa imagem do copo meio cheio ou meio vazio. Tudo depende de como uma pessoa vê o copo. Para que a leitura critica funcione é necessário avaliar a pessoa e o copo. Só depois disto é que podemos opinar se o copo está meio cheio ou meio vazio.