Publicar primeiro, verificar depois. Até agora, um procedimento como este seria considerado uma heresia jornalística, mas depois da avalancha informativa deflagrada pela internet, a checagem a posteriori tornou-se algo quase inevitável.
É que o volume das informações publicadas na web cresce tão vertiginosamente que não há instituição ou cérebro humano capaz de dar conta de toda a verificação e contextualização de fatos, dados, processos ou notícias. Um cálculo estimativo feito com base em índices produzidos pelo documento How Much Information revela que em 2008 cada ser humano teria produzido, em média, 2,76 gigabytes de informação por ano, o equivalente a uma pilha de livros com 32 metros de altura [estimativa feita tomando como base uma população mundial de 6,7 bilhões de pessoas em junho de 2008. How Much Information].
Para tentar entender melhor este fenômeno, vamos tomar o caso das 400 mil páginas de documentos secretos publicadas pelo site Wikileaks e que geraram uma polêmica mundial. Imaginemos que estes documentos chegassem à redação de um jornal como a Folha de S.Paulo, Estadão ou O Globo, os maiores do Brasil. Evidentemente as redações normais não teriam condições de analisar todo o material para avaliar o que mais importante e atual, menos ainda para verificar a credibilidade e exatidão.
Supondo que cada página consumisse um minuto de leitura rápida, uma pessoa levaria 27 meses para examinar todo o material, trabalhando oito horas por dia, sete dias da semana. Uma redação de 40 pessoas, grande para os padrões atuais, gastaria 20 dias no total para concluir a tarefa.
Nenhum jornal ou revista poderia se dar ao luxo de fazer isto hoje. O procedimento normal talvez seria selecionar um número mínimo de documentos para análise e publicação e o resto ficaria inédito, privando o público de informações que poderiam ser essenciais para aprimorar o funcionamento das instituições políticas, econômicas e sociais.
Um exemplo em escala reduzida é o que acontece aqui mesmo na página do Observatorio da Imprensa. Nenhum dos colaboradores do site tem a pretensão de abarcar toda a diversidade e complexidade dos fatos e processos que são abordados diariamente. Cada um de nós tem uma visão diferente e parcial porque nossa capacidade de entender a realidade é limitada. Mas a soma destas visões limitadas é que dá ao leitor uma abrangência e diversificação de tratamento que fazem desta página um lugar único para os que não se satisfazem com enfoques unilaterais da notícia.
Se em vez da lógica exclusivista da imprensa, decidíssemos enfatizar as aspirações da sociedade, não teríamos muita dificuldade em justificar a publicação de todo o pacote de documentos para que o público mesmo decidisse o que deveria ser levado em conta e o que deveria ser descartado.
Os governos alegam que os documentos sigilosos lhes pertencem e que a publicação não autorizada equivale a uma violação da lei. Mas todos sabemos que os governos, da mesma forma que as empresas, partidos políticos e quase todos os cidadãos, só divulgam aquilo que lhes interessa e ocultam o que lhes traz prejuízos.
É a aplicação desse princípio que reduziu a credibilidade dos governos e dos políticos a índices baixíssimos e está minando toda a confiança dos leitores nos jornais, revistas e telejornais, na medida em que os interesses de cada empresa, governo ou políticos tornam-se mais visíveis por conta da crescente diversificação das fontes de informação.
Voltando ao Wikileaks, há outros fatores a serem levados em conta na polêmica atual, que pode ser vista como um exemplo do que está acontecendo no mundo em matéria de inversão de fluxos noticiosos.
É evidente que numa massa tão grande de documentos, os interesses do público são muito variados. As fofocas do ministro Nelson Jobim em suas tertúlias com o embaixador norte-americano no Brasil não teriam nenhum interesse para os jornalistas japoneses, da mesma forma que especulações sobre políticos nipônicos teriam repercussão mínima no Brasil.
Na ausência de uma instituição capaz de classificar os documentos em função de interesses específicos, a melhor alternativa ainda é priorizar a publicação em função da diversidade de interesses, deixando a checagem para indivíduos e grupos, agindo de forma coletiva.
Evidentemente isto embute uma série de problemas, principalmente se olharmos pela ótica do jornalismo convencional. O público não tem o mesmo preparo dos jornalistas para lidar com a informação e trabalhar com a notícia; portanto, teoricamente, a chance de fazer julgamentos equivocados é bem maior. É a leitura crítica, o tema do nosso próximo post.