Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O público dá olé na imprensa durante a Copa

O rescaldo da Copa mostra dois fenômenos indiretamente relacionados ao futebol e que nos obrigam a refletir sobre eles devido a suas consequências futuras. Ambos têm a ver com o papel da imprensa na nossa sociedade e estão relacionados. O primeiro foi a decisão da imprensa de criar uma percepção negativa entre os brasileiros sobre a Copa, e o segundo fenômeno mostrou como a  população ignorou o fantasma do caos e transformou o Mundial numa grande festa, que chamou a atenção da imprensa internacional e de 600 mil turistas estrangeiros.

O balanço da Copa mostrou que a imprensa não consegue condicionar atitudes do público quando ela ignora o que as pessoas sentem e pensam. No caso da estratégia do caos anunciado, a imprensa fez uma leitura errada das percepções do público porque estava determinada a impor uma derrota ao Partido dos Trabalhadores, nas eleições presidenciais de outubro. Colocou alianças ideológicas e financeiras acima da sua função social de oferecer aos cidadãos dados e informações para que eles possam tomar decisões de acordo com seus interesses e necessidades.

O fracasso da estratégia da imprensa é preocupante porque abala ainda mais a sua credibilidade junto aos brasileiros, num momento em que as empresas jornalisticas, mais do que nunca, precisam da confiança do público para sobreviver. A internet está cheia de pesquisas e teses mostrando que a sobrevivência dos jornais depende do surgimento de uma nova relação com os leitores, e que esta relação está diretamente ligada à oferta de conteúdos adequados às mudanças de comportamento em curso entre os consumidores de noticias e informações.

O que a imprensa brasileira fez no período pré-Copa foi recorrer a velhas estratégias baseadas em alianças partidárias que colocam o interesse de empresários e candidatos acima da realidade concreta na sociedade. A obsessão em derrotar o PT, em especial o ex-presidente Lula, pode até funcionar nas eleições de outubro, mas seu efeito pode acabar sendo reduzido pelo dano causado na confiança do público na imprensa.

Olhando pelo lado da audiência, a festa da Copa revelou um surpreendente comportamento que desprezou os prognósticos assustadores alimentados pelos jornais e pela televisão, e que acabaram inspirando a frase/hashtag “Imagina na Copa”. O público ignorou as preocupações da imprensa e nem mesmo o fracasso da seleção brasileira foi suficientemente forte para provocar explosões de revolta e descontentamento, salvo a inexpressiva vaia à presidente Dilma na partida final. Para a grande maioria dos brasileiros, a Copa foi o pretexto para uma festa, ao contrário do marketing de muitos patrocinadores que pintaram o evento como uma batalha patriótica.

A população mostrou uma maturidade política muito maior do que a da imprensa e até mesmo das autoridades. Os protestos de rua foram limitados e quase caricaturais, ao contrário do quadro aterrorizador montado pela imprensa antes da Copa. As pessoas mostraram que sabem separar o que desejam daquilo que a imprensa propõe. Em edições anteriores da Copa, a imprensa era o grande veículo para circulação de informações. Agora, ela passou a um segundo plano diante da massiva utilização das redes sociais como canal de comunicação entre as pessoas.

Milhões de brasileiros, especialmente os com menos de 30 anos, viram os jogos pela TV (sem som), mas conectados no Facebook  para trocar informações e opiniões com amigos, parentes, colegas de trabalho e quem tivesse vontade de conversar. (Ver texto Redes sociais bateram recorde de interações durante a partida).

A rápida evolução do comportamento do público neste início de era digital deve preocupar, e muito, a quem tem a responsabilidade de dirigir um veículo de comunicação impresso ou audiovisual. As empresas  jornalísticas arcam com o peso da herança de equipamentos analógicos, como rotativas e sistemas de distribuição que não produzem mais os lucros de antigamente. Mas, apesar disto, adotam uma postura olímpica diante das novas tendências no comportamento das pessoas em relação à noticia e à informação, preferindo seguir rotinas convencionais, mesmo sabendo que é o público que atrai os anunciantes.

Os jornais e a televisão devem ter faturado bastante durante a bolha publicitária da Copa do Mundo. Mas esta receita adicional, providencial em tempos de crise, pode acabar sendo parcialmente anulada pela perda de leitores, espectadores e ouvintes em consequência de estratégias editoriais equivocadas, como a do fantasma do caos durante os jogos.