Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Os limites da participação do público na produção colaborativa online

Três anos de publicação do Código me ensinaram várias coisas em matéria de relacionamento com leitores e uma delas é que quando o post tem alguma relação com política ou com posicionamentos da imprensa em questões eleitorais, a temperatura sobe e vários comentaristas chegam muito perto do pugilato verbal.


 


Quando o público ingressa na produção colaborativa de notícias, cria-se um ambiente totalmente novo e essencialmente desconhecido. Usando lugares-comuns se poderia falar de uma caixa de surpresas, embora o mais correto seria usar a imagem da Caixa de Pandora[1].


 


Esta novidade cria o contexto para o grande dilema entre liberar totalmente os comentários e correr o risco de perder o controle, ou impor regras e abrir espaço para suspeições de censura ou conduta antidemocrática.


 


Para início de conversa, nesta questão não existe um lado bom e outro mau. O blog superliberal, não necessariamente é o good guy da polêmica, e o que impõe regras, o bad boy. A questão é muito mais complexa do que esta divisão em apenas dois lados. Não dá também para debater a questão da liberdade dos comentários sem examinar primeiro o contexto em que ela está situada.


 


A polêmica em torno aos comentários nos blogs é apenas uma parte da questão da participação do público na produção colaborativa online de notícias. Esta nova modalidade de produção de notícias entrou para a agenda do público e dos jornalistas com o amadurecimento da produção jornalística na internet e agora começa a ganhar ares de um provável modelo futuro na geração de informações.


 


A participação do público ocorre num contexto de frustrações acumuladas em relação aos vários veículos de comunicação e de um crescente passionalismo político-partidário, típico de períodos pré-eleitorais. Este ambiente contagia todos os comentários, mesmo quando o seu teor não tem nada a ver com o do texto postado no blog.


 


A irritação de muitos leitores, ouvintes, internautas e telespectadores em relação à imprensa é anterior ao surgimento da Web. Ela apenas viabilizou a sua manifestação rápida e extensa, ao criar ferramentas como correio eletrônico, fóruns, chats, comunidades, comentários etc.


 


A horizontalidade e descentralidade da Web também criaram embaraços para os jornalistas, muitos dos quais se sentiram patrulhados e reagiram reduzindo e até bloqueando a interatividade com o público, o que ajudou a alimentar ainda mais as recriminações mútuas.


 


O coletivo de comentaristas de blogs que tratam de política e imprensa está longe de poder ser comparado a um colégio de freiras. Eles também se comportam como um foro à parte do blog, quando surgem longas polêmicas entre comentaristas. Nestes casos, o autor do blog é colocado numa posição muito complicada e dificilmente conseguirá agradar a todos.


 


Também é necessário levar em conta que na blogosfera[2], os autores de blogs devem ter presente que a perda de controle do seu weblogs faz parte das regras informais do jogo. Aqui mesmo no Código, eu sugeri a vários leitores que criassem os seus próprios blogs, diante da qualidade dos comentários postados. A resposta de alguns me surpreendeu: “Por que vou criar meu blog se já tenho o seu?”.


 


Levei algum tempo para descobrir a lógica da resposta e acabei concordando com o leitor. Os comentaristas usam a visibilidade de um blog alheio para buscar um público mais amplo para suas idéias, propostas, críticas e reclamações pessoais. Não há como impedir isto e o resultado é que o autor passa a ser menos um sujeito que dita regras e posições, para ser mais um provocador e mediador. 


 


No estágio atual de desenvolvimento da cultura de colaboração entre profissionais e não profissionais na produção de notícias não há ainda um mínimo de senso comum capaz de embasar algum tipo de regra ou código. A Web atual já foi comparada a uma terra sem lei. Na verdade ela tem seu lado selvagem, mas é preciso ver que esta é uma etapa transitória de um processo em desenvolvimento. Quase todos os processo sociais tiveram seu lado selvagem antes de chegar à maturidade.


 


É a minha colaboração para um debate que está apenas começando e ainda vai render muitas discussões e boas idéias, como as que estão sendo discutidas, neste fim de semana (12/4) na Newscamp, uma “desconferência[3] gratuita entre jornalistas e não-jornalistas preocupados com a informação na Web.





[1] Expressão oriunda da mitologia grega e que simboliza a liberação de surpresas boas e ruins na discussão de um problema.



[2] Conjunto dos blogs publicados na Web, seus leitores e comentaristas.



[3] Expressão usada pelos criadores do evento, marcado para sábado (12/4), em São Paulo, para identificar a sua informalidade.


 


Conversa com o leitor
Num post anterior, um leitor criticou o uso de palavras em negrito nos textos do Código. A explicação é a seguinte: os especialistas em usabilidade e ergonomia na Web afirmam que há três níveis de leitura num texto online: o nível superficial (apenas a manchete e o primeiro parágrafo), o intermediário (uma espécie de leitura dinâmica feita a partir de palavras em negrito que aprofundam a leitura caso a  manchete tenha despertado o interesse do leitor); e o nível profundo (onde o visitante lê todo o texto linearmente e visita os hiperlinks). Todos os níveis estão interligados de forma a aumentar o interesse do leitor pela informação mais detalhada. Como toda a novidade, ela requer algum tempo para se incorporar à rotina dos inernautas.