Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Repórter diz que Globo não opina sobre transposição

O repórter José Raimundo, autor da série sobre o Rio São Francisco que o Jornal Nacional exibe nesta semana, explica na entrevista abaixo que a emissora não toma partido em relação à obra de transposição das águas do rio anunciada pelo governo Lula. “Recebemos do editor-chefe do Jornal Nacional, William Bonner, esta orientação: no capítulo da transposição, total isenção. Mostrar o projeto, ouvir as pessoas que são a favor e contra”.


A bela série foi gravada em 20 dias, no mês de abril. Narra um quadro de devastação. Hoje irá ao ar o quarto capítulo, que mostra a importância do Rio na geração de energia elétrica. Amanhã, sexta-feira, será a vez de discutir a transposição. José Raimundo esclarece que a TV Bahia, afiliada da Globo, divulgou para todo o estado, ontem, a notícia da greve de fome do bispo da diocese de Barra, Dom Luiz Cappio, que entre 1993 e 1994 caminhou da nascente à foz do São Francisco para protestar contra a devastação do rio. A notícia foi dada ontem também pelo Jornal Hoje, da Globo, em rede nacional, e pelas duas afiliadas locais da Globo, a TV Grande Rio, de Petrolina, Pernambuco, e a TV São Francisco, de Juazeiro, na Bahia.


Eis a entrevista de José Raimundo.


Como foi organizada a série de reportagens sobre o São Francisco que começou na segunda-feira?


J.R. – Essa série tem cinco reportagens. Nós dividimos mais ou menos por capítulos. A primeira reportagem fala da situação atual do Rio São Francisco, a importância desse rio para o Brasil, e principalmente para os nordestinos. São 12 milhões de pessoas que vivem no Nordeste que dependem das águas do São Francisco. Na primeira reportagem a gente traça um diagnóstico da situação do rio hoje, num percurso que começa na nascente e termina na foz, entre Alagoas e Sergipe. O que a gente observou, o que a reportagem mostrou, é que infelizmente 80%, esse é um dado confirmado pelos pesquisadores, 80% do São Francisco já não conta mais com suas matas ciliares, em nenhuma das margens. Destruíram totalmente. E isso é uma agressão muito grande porque o rio fica sem nenhuma proteção. A possibilidade de assoreamento da calha fica muito mais evidente.


Na segunda reportagem nós mostramos o que a gente chama de barranqueiros. Na verdade, eles próprios que mora lá se intitulam barranqueiros do São Francisco. A gente mostra um pouco as pessoas que vivem nas margens do São Francisco, que dependem dele, as tradições, a cultura, a carranca, as lendas, é uma reportagem mais de comportamento sobre essas pessoas, como elas vivem.


A terceira reportagem, que nós mostramos ontem [quarta-feira], fala da situação de navegação no São Francisco, que é muito precária, até por causa dessa devastação das matas ciliares. O leito do Rio São Francisco está impraticável, pelo menos no seu trecho navegável ele não consegue mais fornecer condições suficientes para que as embarcações flutuem num padrão de normalidade. Para você ter uma idéia, esse trecho, que era de 1.370 quilômetros, começava em Pirapora e terminava em Juazeiro, hoje está reduzido a metade. Hoje só se consegue navegar em menos de 700 quilômetros, e mesmo assim em condições muito ruins. Até os experientes pilotos de embarcações daquela região, na época da seca, encalham com muita freqüência.


Na reportagem de hoje a gente vai falar um pouco da força do São Francisco com relação à geração de energia. O Nordeste inteiro e uma parte de Minas dependem do São Francisco para ser iluminados, para movimentar suas indústrias.


Na última, amanhã, vamos falar da transposição, mostrar como é esse projeto e toda essa polêmica, contra e a favor da transposição. A nossa posição é muito neutra, nesse sentido. Na minha opinião, de total isenção. Como jornalistas, nós estamos mostrando as duas faces desse projeto. As pessoas que não concordam, as pessoas que defendem, o alcance dele, o que seria esse projeto, se ele for implantado, realmente.


Qual foi a orientação dada pela emissora em relação à transposição do São Francisco?


J.R. – A TV Globo assume uma postura de isenção, de informar, o que ela sempre fez. É isso que a gente tentou fazer, até com a orientação do editor-chefe do Jornal Nacional, William Bonner. Nós recebemos essa orientação: Olha, no capítulo da transposição nossa postura é de total isenção. Nós precisamos mostrar esse projeto, e vamos ouvir as pessoas que são a favor e que são contra, e porque elas defendem suas posições. Foi a orientação que eu recebi, acho que é a orientação correta, e foi isso que nós tentamos fazer.


Quem foi ouvido?


– Ouvimos técnicos, ouvimos pessoas interessadas no assunto, que se sentem prejudicadas…


O que o senhor diz da greve de fome do bispo Dom Luiz Cappio?


Eu conheço Dom Luiz como um defensor ardoroso do São Francisco. Essa não é a primeira vez que ele se manifesta em defesa do rio. Ele já fez esse percurso a pé, da nascente à foz, ele e mais dois padres, foram lá para São Roque de Minas e fizeram esse percurso a pé, com a intenção mesmo de alertar o Brasil, de alertar as autoridades para a necessidade de se preservar o que resta do rio, de se recuperar. Ele é um apaixonado pelo Rio São Francisco. Está clara a posição dele em relação à transposição. Não concorda, e se submeteu a esse sacrifício.


(Ver abaixo post que apontou a omissão, no Jornal Nacional, da greve de fome do bispo Dom Luiz Cappio. O Jornal Nacional deu a notícia nesta quinta-feira, 29/9.)


Clique aqui e ouça o aúdio.