Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Transparência informativa na internet derruba políticos de ‘duas caras’

O comunista Bo Xilai, governador da região de Chongqing , o mais importante centro industrial do sul da China, e o senador Demóstenes Torres, um anticomunista histórico e paladino da honestidade, cometeram o mesmo pecado.  Ambos  são protagonistas de escândalos políticos porque tinham uma “outra cara” radicalmente diferente da que mostravam para seus seguidores e colegas de poder.

Bo Xilai foi afastado do seu cargo e também da direção do Partido Comunista de China depois que o governo não pôde mais controlar a avalancha de denúncias surgidas na internet contra um político que era uma estrela em ascensão no PC, principalmente por sua implacável repressão ao crime organizado e à corrupção na região de Chongqing, considerada uma das “vitrines” do milagre econômico chinês.

O escândalo ganhou conotações ainda mais sensacionalistas com o suposto envolvimento de Gu Kailai, mulher de Xilai,  no misterioso desaparecimento do empresário inglês Neil Heywood,  encontrado morto num hotel de Chongqing, em novembro do ano passado. Neil era muito amigo de Bo Xilai, considerado  um forte concorrente à liderança do PC chinês.

Até agora os líderes comunistas foram discretos na divulgação das acusações contra Xilai, um político estilo rolo compressor, tido como oportunista e que usava slogans maoístas para conquistar adeptos entre os mais jovens e entre os velhos desencantados com o crescimento da corrupção na China.

Tanto o caso Xilai como o episódio Demóstenes mostram como a transparência informativa deflagrada pela internet está permitindo identificar os políticos que adotaram a estratégia das duas caras para ludibriar seguidores e parceiros. O caso chinês tem algumas outras características que o fazem ainda mais significativo.

Em primeiro lugar, a cúpula do PC não conseguiu segurar o sigilo em torno do caso, embora as suspeitas de oportunismo e individualismo de Xilai tenham mais de um ano.  Em meados da década de 1970, o escândalo em torno da polêmica mulher de Mao Tse Tung [1] foi ocultado durante meses. A diferença é que agora a internet derrubou o muro do silêncio e obrigou as autoridades a tornar público o caso, sob risco de perder o controle da situação.

É claro que o episódio também está associado à luta pelo poder no momento em que o PC chinês se prepara para uma transição política inédita na sua história. Uma nova geração assumirá o poder do país que é visto hoje como a grande  incógnita da economia mundial.

O papel da internet na política chinesa ainda está marcado por mais dúvidas do que certezas, mas lentamente começa a emergir um perfil mais claro. As informações e boatos sobre o caso Xilai circulam com intensidade crescente desde fevereiro, quando o chefe de polícia de Chongqing  e principal artífice da campanha contra a corrupção e crime organizado pediu asilo nos Estados Unidos. A soma de todos esses elementos mostra que o caso Xilai  tem muito pano para manga e que os internautas chineses ainda terão muita munição para blogs e redes sociais.  

O fato concreto é que o controle do PC chinês sobre a circulação de informações já não é mais o mesmo, a exemplo do que acontece nos países onde a internet está se tornando um ator político de peso.  O enfraquecimento da centralização dos fluxos informativos, somado à disputa cada vez mais selvagem por posições de poder,  transformaram a arena da opinião pública num ambiente altamente complexo e imprevisível.

Se isto é bom ou mau é cedo para dizer, mas uma coisa parece cada vez mais provável: políticos com duas caras terão uma vida cada vez mais difícil para manter as aparências.

Xilai e Demóstenes que o digam.


[1]Jiang Qing, o nome verdadeiro da famosa Madame Mao, foi um personagem controvertido durante o conturbado período da Revolução Cultural (1966–1976), quando o PC tentou impor uma mudança radical de comportamentos no dia a dia dos chineses.  Madame Mao foi uma das lideres do movimento que se tornou mundialmente conhecido pelo seu radicalismo.