Saturday, 27 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Serenidade informativa em meio à crise da segurança

O jornal Diário Catarinense entregou aos seus leitores, no domingo (18/11), uma informação que poderia ser tomada como exemplo para uma cobertura socialmente correta do confronto entre o crime organizado e o sistema de segurança do estado, que experimenta pela primeira vez o mesmo fenômeno que já se tornou rotineiro em São Paulo e no Rio de Janeiro.

A matéria principal da edição dominical do DC mostrou de forma simples e direta como o histórico descaso da sociedade e dos governos em relação ao que se passa dentro de nossas penitenciárias e cadeias gerou uma situação em que o detento precisa associar-se ao crime organizado para ter condições de sobreviver à péssima alimentação, condições precárias de higiene e saúde, falta de espaço e uma série interminável de outras mazelas.

O que muitos chamam de “academia do crime”, na verdade parece mais uma sociedade de ajuda e proteção mútua, na qual o protegido assume uma dívida que pagará dentro e fora da prisão com a subordinação incondicional aos líderes dos comandos que hoje controlam o sistema penitenciário brasileiro, com a cumplicidade das autoridades carcerárias.

E como é cada vez maior o número de indivíduos que transformaram o delito numa forma de sobrevivência econômica, quase todos eles dão como muito provável que algum dia serão presos. Portanto tratam de assegurar, em liberdade, uma espécie de seguro de vida para quando estiverem por trás das grades. Os jovens da periferia das capitais brasileiras acreditam mais neste “seguro” do que no INSS.

Quando a imprensa fornece à sociedade elementos para que ela entenda a essência de um processo complicado como o controle das penitenciarias pelos detentos, ela está ajudando à formação da consciência pública de que não basta apenas apelar para mais ordem, mais autoridade e mais disciplina. A situação é bem mais complexa do que a equação simplista.

Chegamos ao paroxismo de que mais disciplina e mais autoridade, sem pensar nas causas do problema, são expedientes que podem até intensificar o problema em vez de ajudar a resolvê-lo.  O que temos hoje é uma estrutura paralela que começa atrás das grades e se prolonga para fora das prisões, sem solução de continuidade. A sociedade acabou ficando entre duas estruturas armadas: a do crime e a do sistema policial repressivo.

A sociedade reage em função dos estímulos informativos que recebe, principalmente por intermédio da imprensa, embora hoje a internet já tenha uma participação significativa nesse processo. Se os jornais, rádios, revistas e emissoras de TV alimentam a insegurança, o medo, a repressão e o uso da força, é sobre isso que as pessoas vão discutir e, provavelmente, agir.

Em geral a imprensa faz o discurso da serenidade, mas na hora de colocar manchetes não consegue se livrar do velho cacoete do apelo ao emocionalismo e o estímulo ao medo coletivo, achando que com isso vendem mais jornais ou ganham audiência.  Pior ainda é o papel de alguns comentaristas que aproveitam a crise para fazer lobby de reivindicações salariais da polícia.

De pouco adianta apenas buscar culpados tanto na polícia como entre os integrantes do crime organizado. É claro que eles precisam ser identificados e punidos, mas muito mais importante é investigar a fundo o que deu origem à crise do descontrole penitenciário. Isto é fundamental porque permite que os cidadãos deste país consigam entender e consequentemente agir, numa situação em que criminosos e policiais estão movidos basicamente por seus próprios interesses.