Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A lógica da notícia como premissa básica

A função dos assessores de imprensa carrega uma premissa básica: a lógica da notícia. Assuntos sem visibilidade para o público não vão conquistar espaço. Elementar. Entretanto, às vezes se impõe às assessorias a tarefa de “vender”, de qualquer maneira, temáticas insolúveis, isto é, difíceis de atrair interesse. Observe alguns casos excêntricos que já repercutiram nos canais da mídia.

  1. Todo o poder emana de Deus

O deputado Cabo Daciolo (RJ) protocolou, neste ano, Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera a redação do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal. O texto original, “todo poder emana do povo”, seria substituído por “todo poder emana de Deus”.

Em um Estado laico, cosmopolita, plural, como justificar, para a imprensa, que a proposta seria exequível? Por qual razão trocar a palavra povo – algo que existe inequivocamente – por outra que representa uma entidade cuja existência é baseada na fé de cada um? Os assessores de imprensa do gabinete de Daciolo devem ter chorado sangue. A gestão de crise começou no momento do protocolo da PEC. Funcionou bem a assessoria do PSOL, partido ao qual o deputado era filiado. Ao tomar conhecimento do absurdo, a sigla expulsou o político, proibindo-o de representar a legenda sob qualquer circunstância.

  1. Nome de gente em animais

Em 2004, com informações do portal da revista Época: “O deputado Pastor Reinaldo (PTB-RS) apresentou um projeto de lei que visa proibir donos de animais de estimação de dar aos bichos nomes próprios comuns às pessoas. O deputado defende que a proibição evitaria o constrangimento para quem tivesse o mesmo nome de um animal. De acordo com o texto, as faculdades de medicina veterinária, as clínicas veterinárias e os estabelecimentos que vendem animais, medicamentos, comidas ou acessórios para animais terão de afixar, em local visível, placa informativa sobre a proibição. Os donos que não cumprirem a lei poderão ficar sujeitos a multa ou a prestação de serviços comunitários.”

Com tantos problemas maculando o país já em 2004, o deputado ponderou aquilo que considerava importante para o desenvolvimento de nossa sociedade. Na cabeça dele, o projeto era viável. E na cabeça do assessor de imprensa? Como vender uma matéria que limita as pessoas de uma maneira tão insignificante? Ainda que o projeto estivesse embasado em estudos científicos, seria risível colocá-lo no formato de lei. O esforço da assessoria do deputado resultaria num grande deboche por parte dos colegas nas redações.

  1. Fraldas para cavalos

A situação evoluiu consideravelmente, mas quem andava pelas ruas de Porto Alegre (RS) anos atrás notava o asfalto frequentemente coberto por esterco de cavalos – os puxadores de carroças. Em 2010, o vereador Adeli Sell, do PT, desenvolveu uma lei municipal que obrigava os equinos a usarem uma espécie de “fralda”, garantindo que as fezes fossem coletadas em vez de caírem no chão. O projeto, diferentemente dos dois citados anteriormente, tinha um fundamento palatável, mas foi mal divulgado.

À época, a TV Record do Rio Grande do Sul, dentro de um programa humorístico, reagiu com ironia à proposta do vereador, que, em vez de entrar na onda e garantir guarida para a sanção do prefeito, respondeu à emissora com impropérios, como pode ser visto neste vídeo. (começa em 03:54)

Como se nota, a assessora de imprensa, despreparada, mediou a solicitação da Record de forma deplorável. Permitiu um Adeli irritado falar de uma forma que repercutiu negativamente, tanto para a carreira do político quanto para a proposta das “fraldas”. Nos dias seguintes, as piadas continuaram, até o assunto se esgotar. Desfecho? O projeto não foi sancionado, e o vereador, em função de suas palavras chulas, se “queimou” com uma das maiores emissoras do estado. Na justiça, ele ganhou uma polpuda indenização. Os tribunais, entretanto, não têm o poder de corrigir a imagem de ninguém.

Confiança no assessor

No caso do Legislativo, o assessor de imprensa dos gabinetes deveria ter papel preponderante na construção de iniciativas legais. O motivo é simples: se o projeto for esdrúxulo, a imprensa irá derrubá-lo naturalmente. Não basta, portanto, que uma lei ou emenda seja aprovada nas comissões da casa. Há outros poderes em jogo, tão importantes quanto. Nesse sentido, um profissional com conhecimento da mídia é fundamental.

***

Gabriel Bocorny Guidotti é bacharel em Direito e estudante de Jornalismo