Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O mosaico da crise

Economia no buraco e um buraco recorde nas contas públicas foram as duas notícias mais importantes da última sexta-feira de agosto (28/8) – um presentão para quem quisesse produzir uma edição muito forte. Mas o presente foi desprezado nos maiores jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Primeira notícia: no segundo trimestre o produto interno bruto (PIB) foi 1,9% menor que no primeiro, quando já havia encolhido 0,7%. Que o País estava em recessão toda pessoa razoavelmente atenta já sabia, mas faltava a confirmação pelos números das contas nacionais.

Segunda notícia: com mais um rombo de R$ 10 bilhões em junho, as contas primárias do setor público (sem a despesa de juros) acumularam em 12 meses um déficit de R$ 51 bilhões, ou 0,89% do PIB, o pior resultado da série iniciada em 2001.

Banquete para as editorias de Economia? Nada disso. As duas notícias estão obviamente relacionadas, mas esse detalhe foi esquecido, ou negligenciado, na preparação do material. Não se perdeu, com isso, apenas um ponto interessante ou curioso. Deixou-se de mostrar ao leitor um cenário mais amplo e mais interessante.

O déficit primário das contas públicas foi em parte causado pela recessão, isto é, pela contração dos negócios, pelo desemprego em alta e pela consequente redução da receita de impostos e contribuições. O outro fator foi a dificuldade dos governos, em todos os níveis da administração, para conter as despesas.

O efeito da retração econômica na arrecadação de tributos havia ficado clara, mais uma vez, no dia anterior, quando as contas do governo central foram divulgadas. O relatório de sexta-feira apenas ampliou o balanço, apresentando os números do setor público.

Foi um presente para os editores. Bastaria juntar os dados pelo menos num parágrafo de apresentação de todo o noticiário sobre a recessão e sobre o déficit fiscal, mas ninguém fez esse trabalho nas páginas de cobertura.

O resultado as contas públicas nem mesmo foi citado nas primeiras páginas dos grandes jornais. Nas páginas de economia, o assunto ficou bem longe do noticiário da recessão.

Mas houve quem publicasse na capa informações sobre o o projeto de orçamento para 2016 e sobre o plano do governo de recriar o imposto do cheque, oficialmente conhecido como CPMF, Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.

Os dois temas – as dificuldades de elaboração da proposta de orçamento e tentativa de ressuscitar a CPMF –estão ligados aos problemas da recessão e da receita insuficiente. Mas nem a atenção a essas questões motivou os editores a organizar de modo mais amplo e mais informativo o material.

Deficit fiscal, PIB e desemprego

Mas a cobertura da crise fiscal, mesmo quando examinada em separado, tem sido muito morna. Curiosamente, as matérias têm dado muita ênfase ao resultado primário das contas públicas e quase desprezado o saldo nominal, isto é, o resultado mais amplo, com inclusão dos juros.

Mas o resultado importante, no fim da história, é mesmo o balanço geral. Se o governo é incapaz de produzir um superávit primário para pagar pelo menos uma parte dos juros, o déficit nominal aumenta, assim como a dívida pública.

Mas a referência ao resultado nominal só aparece –quando aparece –no fim das matérias, como se fosse um detalhe técnico sem muito atrativo, Essa avaliação é um erro.

Em 12 meses, o resultado nominal de todo o setor público foi um déficit equivalente a 8,8% do PIB. Isso é mais que o triplo do déficit fiscal observado, em média, na União Européia (algo próximo de 2,5%). Esse número representa um desafio enorme para o governo brasileiro e está muito fora dos padrões internacionais.

Com o aumento desse déficit, a dívida bruta do governo geral bateu em 64% do PIB e avança rapidamente para 70%. As agências de classificação de risco acompanham esse movimento e a cada dia a ameaça de rebaixamento da nota brasileira se torna mais próxima. Também isso é um excelente motivo para uma cobertura menos burocrática da evolução das contas públicas.

Na mesma semana, antes da  divulgação do PIB e das contas fiscais consolidadas, saíram novos dados sobre o desemprego no Brasil. Realizada em cerca de 3.500 municípios, a PNAD, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, é o levantamento mais amplo das condições de emprego no País.

Segundo o último relatório, 8,35 milhões de pessoas estavam desempregadas no segundo trimestre, 8,3% da força de trabalho. Pouco antes, a pesquisa tradicional do IBGE, limitada às seis maiores áreas metropolitanas, havia apontado uma taxa de 7,5%, também mais alta que a de muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Em suma: no mesmo dia, ou com diferença de poucos dias, ficaram disponíveis dados oficiais para a composição de um quadro amplo da crise. Seria fácil usar esse material e tornar a história mais completa e mais inteligível, sem gastar muito mais espaço, ou até no mesmo espaço. Sem esse esforço, os jornais pouco acrescentaram ao noticiário das tevês na sexta à noite.