Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Covid 19: Somos todos responsáveis por esta tragédia

(Foto: Marcelo Seabra/Agência Pará)

Eu e você leitor somos corresponsáveis pelas 280 mil mortes de brasileiros em consequência da Covid 19. Somos também a razão pela qual milhões de compatriotas estão conseguindo sobreviver à pandemia. Este paradoxo é uma consequência do fato de estarmos enfrentando uma doença que possui características muito especiais. A cura não está na vacina, mas na participação de familiares, amigos, colegas, vizinhos e até de gente que nunca vimos e provavelmente nunca veremos.

Dizer que somos corresponsáveis pela atual matança de brasileiros não é exagero não. É a simples constatação de que se eu e você não frearmos a propagação do coronavírus, alguém pode morrer. O uso da máscara, o distanciamento social rigoroso e a recusa de participar de aglomerações são comportamentos que buscam evitar a expansão da pandemia. Logo, quando a gente ignora estas precauções, nós estamos sim contribuindo para aumentar a mortandade.

Mas nós somos também corresponsáveis pela continuidade dos sonhos e esperanças de milhões dos brasileiros que sobreviverão à Covid. A máscara incômoda, o isolamento que irrita e a proibição para festejar com amigos são contrariedades que nos impõem um custo igual ao sacrifício que fazemos pensando no bem-estar de amigos e parentes.

A pandemia social

Talvez o maior desafio colocado pela Covid não seja como combatê-la, mas como entender que não é uma doença comum, que a gente cura com um remédio ou vacina, e o problema desaparece. É um vírus social, que se alimenta da relação entre as pessoas e não apenas de uma célula ou de um órgão doente. Não é uma doença onde se possa dizer, fulano é culpado. O máximo que se pode dizer é que muitas pessoas são culpadas, sem poder individualizá-las. Estamos acostumados a individualizar e simplificar os nossos dilemas. A Covid nos obriga a lidar com coletividades e com a complexidade.

É uma pandemia social e só poderá ser combatida eficazmente se também for atacada no terreno social. A vacina é indispensável, as medidas preventivas são obrigatórias, mas mesmo depois de imunizados já sabemos que haverá necessidade de mudar nossos comportamentos, regras e valores. E é aí que a coisa se complica, porque isto não acontece da noite para o dia e nem ocorre de forma tranquila. A gente terá que tomar consciência de nossa responsabilidade social no combate a uma pandemia também social. E principalmente, teremos que sair da nossa zona de conforto para mudar atitudes e regras.

Nós somos a origem do problema porque fomos educados para acreditar em curas definitivas, seja por remédios sofisticados ou por soluções místicas. Quando surge uma doença desconhecida que não se encaixa nesta crença ou comportamento, ficamos desorientados e inseguros, logo vulneráveis à pregação de profetas de soluções sem base científica.

Somos inclusive responsáveis por não termos forçado as autoridades governamentais a tomarem as medidas adequadas para impedir a contaminação social do Coronavírus. Presidente, ministros, governadores, parlamentares e prefeitos, tradicionalmente, buscam capitalizar eventuais sucessos na campanha contra o vírus, mas quando fracassam, a tendência é socializar o prejuízo. Se os governantes continuarem aplicando esta regra cruel e absurda, é porque se sentem impunes perante a opinião pública. E é aí que o jornalismo entra na história.

A notícia como remédio

A forma pela qual as pessoas criam uma percepção da pandemia é alimentada por notícias. Mas uma notícia é algo complexo que pode gerar percepções diferenciadas. Não é só o texto que influi no posicionamento das pessoas. Há muitos outros fatores como: o título, posição do título e a notícia na página de um jornal (por exemplo) ou na sequência de um telejornal, quem são os entrevistados, o que eles dizem, qual a mensagem oculta na fala de um entrevistado, o tipo de ilustração da notícia (foto, vídeo, gráfico …), quem assina o material e os comentários feitos por outros leitores (caso haja publicação de comentários).

Cada item destes é capaz de condicionar a impressão que fica na mente do leitor ou telespectador depois de tomar conhecimento da notícia. Nossa opinião é o resultado da soma e recombinação de todos estes fatores associados à publicação de uma reportagem ou notícia. Isto mostra como uma notícia, até a mais simples, é algo complexo tanto para quem publica como para quem lê, ouve ou vê.

Se combinarmos as complicações resultantes do caráter social da pandemia do Coronavírus com a percepção da complexidade embutida nas notícias, é possível ter uma ideia da nossa responsabilidade no enfrentamento da Covid 19. Uma responsabilidade que não é apenas de quem produz o noticiário, nem só de quem é notícia, mas também de quem lê, ouve ou vê estas mesmas notícias.

A forma como as pessoas percebem uma notícia influi decisivamente na maneira como ela será incorporada ao comportamento de cada um de nós. Assim, não há exagero em afirmar que, no caso de uma pandemia social como a da Covid, as notícias funcionam como verdadeiros remédios, na medida em que podem induzir as pessoas a usarem ou não máscaras e assumirem o distanciamento mesmo quando não recebem uma ordem para tal.

Tomar consciência da complexidade das consequências de uma informação no auge da pandemia exige de todos nós um esforço intelectual e um reposicionamento político que a maioria dos brasileiros nunca enfrentou antes.

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Carlos Castilho é jornalista, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.