Tuesday, 07 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

A ciência ainda não contagia

Reitores da USP, Unesp e Univcamp: Vahan Agopyan, Sandro Roberto Valentini e Marcelo Knobel. (Foto: Cecília Bastos/USP Imagem)

Em tempos de coronavírus e chamamento das instituições públicas para lidar com a questão, é muito importante também falar na ética, nas atitudes de cientistas e nas formas de financiamento de suas atividades. É tocar em um aspecto crucial nesses dias de obscurantismo do conhecimento, com o questionamento constantemente feito sobre o financiamento da pesquisa científica não apenas nos casos notórios e de destaque relatados pela imprensa, mas os que envolveram a indústria tabagista, por exemplo. Por isso, o investimento público em ciência e tecnologia é a base corrente internacional para evitar o falseamento com interesse econômico que possa haver. A dúvida é a base da pesquisa científica, que usa de métodos, procedimentos e protocolos para garantir que os resultados obtidos sejam o mais próximo da realidade. A ciência não possui lado; o cientista, sim.

A cientista Ester Sabino, da Faculdade de Medicina da USP, integrante da equipe que fez o sequenciamento genético do coronavírus covid-19 em tempo recorde, faz um alerta muito pertinente para que não parem as pesquisas. As agências federais brasileiras precisam retomar seus orçamentos e atividades, pois, além da necessidade de continuar as pesquisas científicas de identificação e contenção de vírus e outros agentes patogênicos, a Fapesp (fundação estadual de apoio à pesquisa científica), por mais eficiente e competente que seja, não dá conta de atender a todos os projetos de pesquisa necessários em São Paulo. Porém, com o descaso do governo federal e o desmonte das agências nacionais de financiamento da pesquisa científica, ficamos com poucas alternativas.

O orçamento para a ciência já ficou à míngua e o impedimento para participações múltiplas de pesquisadores em eventos científicos seria a pá de cal para o desenvolvimento do conhecimento no país. Ainda que revogada uma das estapafúrdias portarias que restringia a participação de cientistas brasileiros em eventos, isso em nada diminui a inspiração obscurantista das intenções do Ministério da Educação, de onde partiu a determinação. A mobilização da comunidade científica por meio de documentos oficiais, redes sociais e abaixo-assinados digitais cumpriu seu papel. Porém, mesmo com o acúmulo de patacoadas – de Enem a ortografia, de cortes orçamentários a perseguição aos estudantes -, o ministro se mantém no cargo. Por muito menos, em situações mais republicanas, outros já teriam retornado à insignificância de suas existências privadas.

Na mesma linha, são muito pertinentes as preocupações da reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho, quando alerta sobre “a ciência e o impacto para o Brasil do futuro”. Fazemos uma ciência de primeiro mundo, mas que está sendo atacada por todos os lados. Uma das causas é o pequeno entendimento que a sociedade possui do sistema de ciência e tecnologia por ela custeado, uma vez que as instituições públicas são responsáveis por mais de 90% de tudo o que é aqui produzido de conhecimento. Culpa de todos os atores envolvidos. Daí a necessidade do jornalismo científico e dos cursos oferecidos por instituições públicas, como o Labjor da Unicamp, no intuito de congregar jornalistas e cientistas para melhorar essa comunicação com o público.

Por fim, foi muito corajoso e elucidativo o texto conjunto que os três reitores de universidades paulistas elaboraram e publicaram na Folha de S.Paulo com o título “CPI das universidades: resultados e lições”. Os reitores mostram o que se pode fazer com inteligência, pois transformaram a estapafúrdia ameaça de privatização das instituições públicas em oportunidade, calando ainda mais os negacionistas do conhecimento. No entanto, ainda cobram que, além de ciência e formação de recursos humanos, as universidades devam ser protagonistas no desenvolvimento tecnológico. E realmente são, haja visto o número de patentes por elas depositadas – isso porque a indústria nacional é submissa aos interesses do capital do hemisfério norte. Mas, sobre esse aspecto nefasto, ninguém ousa instalar uma CPI.

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Adilson Roberto Gonçalves é doutor em química, pesquisador da Unesp, especializado em Jornalismo Científico (Unicamp) e membro da Academia de Letras de Lorena, da Academia Campineira de Letras e Artes e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.