Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As “zonas cinzentas” do jornalismo na cobertura do coronavírus

(Foto: Freepik)

A pandemia do coronavírus é também um desafio para o jornalismo e para a imprensa, além de ser um grande dilema para a medicina e pesquisadores científicos. É que existe a contaminação informativa por meio da disseminação do pânico, de notícias falsas e da desinformação, além da propagação do vírus no mundo inteiro.

Isso coloca a imprensa e os jornalistas diante da necessidade de revisar a rotina de produção e divulgação de notícias, passando a priorizar os efeitos da disseminação de dados, fatos e eventos junto à população, item que normalmente ocupa pouco espaço nos manuais de redação.

A cobertura noticiosa do coronavírus pôs em evidência uma série de “zonas cinzentas” da atividade jornalística, o que por sua vez mostrou a necessidade dos profissionais adotarem novos paradigmas ao lidar com uma situação que já está sendo classificada como infodemia (epidemia de informações) por causa da enorme quantidade de informações oferecidas ao público.

Segundo o Instituto Poynter, dos Estados Unidos, especializado na análise de problemas no exercício do jornalismo, a ausência de padrões de conduta levou as empresas e os profissionais autônomos a ter que decidir, por conta própria, como lidar com a propagação do coronavírus. Isso tudo num contexto em que a disseminação de fake news (notícias falsas) aumentou muito, superando largamente a capacidade das empresas e institutos verificadores de certificar a credibilidade ou não da avalanche de dados, fatos e eventos publicados na internet.

Nos Estados Unidos, a polícia de nada menos do que dez estados publicou mensagens no Facebook afirmando que a metanfetamina, uma droga ilegal e que só pode ser recomendada por médicos em casos extremos de depressão psíquica, estava contaminada pelo coronavírus, pedindo que todos os portadores a entregassem para um teste gratuito. A postagem foi reproduzida mais de duas mil vezes na rede social e republicada em seis jornais de média circulação. Depois de serem acusados de espalhar fake news, os policiais admitiram que a postagem visava retirar do mercado clandestino a droga que os americanos conhecem pelo nome de meth. Aqui no Brasil, ela é chamada de “cristal” ou “ice”, sendo vendida em pó ou pastilhas.

Os jornalistas estão sendo colocados, com muito maior frequência do que o usual, diante da opção de publicar ou não publicar. Não se trata de uma decisão fácil justamente porque há muitas zonas cinzentas na questão. Como, por exemplo, lidar com a privacidade de pessoas sob suspeita de contaminação, dos portadores assintomáticos, dos parentes, amigos, colegas e vizinhos dos portadores em quarentena e das investigações em curso sobre pessoas que tiveram contato com portadores do coronavírus?

O fator pânico

A decisão de não publicar amparada na preocupação em causar pânico precisa ser estudada caso a caso, contexto por contexto, porque a ausência de informação pode levar pessoas a se contaminarem por puro desconhecimento das medidas de prevenção. Mas publicar tudo o que chega ao conhecimento do repórter ou do editor pode ser igualmente fatal, porque as pessoas têm reduzida capacidade de identificar uma notícia falsa, sem falar que a atitude pode estimular o surgimento do pânico individual ou coletivo.

O respeitado projeto Open Notebook, especializado em notícias científicas referendadas pela comunidade de pesquisadores, desaconselha o uso da palavra “pânico” em qualquer circunstância, alegando que a simples menção já dispara reações de medo na maioria das pessoas. O site recomenda que se priorizem sempre dados, fatos e eventos que contribuam para a solução dos problemas relacionado ao coronavírus.

A questão se torna ainda mais complexa devido à existência das redes sociais, onde circulam notícias de todos os tipos, muitas das quais acabam sendo reproduzidas pela imprensa convencional. Nesses casos, a decisão final depende de fatores como nível de conhecimento, equilíbrio emocional, experiência profissional e visão social da informação, do repórter ou editor encarregado de publicar a notícia.

As redes sociais não são recomendáveis como fonte de notícias no caso de dados, fatos ou eventos pontuais, salvo quando a fonte for reconhecidamente confiável. Mas Facebook, Twitter, YouTube, WhatsApp, Tik Tok e Instagram podem ser muito úteis para detectar tendências, antecipando possíveis movimentos.

Mais do que no exercício rotineiro do jornalismo, a preocupação com a objetividade é fundamental na cobertura da pandemia do coronavírus. Isso porque todos os dados, fatos e eventos divulgados serão inevitavelmente utilizados na tomada de decisões tanto por parte do público em geral como dos cientistas e governantes. Erros e omissões podem ter consequências letais.

A atividade profissional dos jornalistas, mais do que nunca, passou a depender da sensibilidade social e discernimento político como fatores determinantes na tomada de decisões editoriais.

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Carlos Castilho é jornalista profissional, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.