Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um Roda Viva descompassado

O Roda Viva com o deputado federal Jair Bolsonaro, exibido na noite de segunda-feira (30.07), expôs as fragilidades  de uma abordagem que teima em não se abrir para o novo. Um programa tão valioso e representativo do debate público tem ganhado um ar anacrônico. As ausências — de temas, de pluralidade de vozes — sinalizam um descompasso com as dinâmicas sociais  e indicam alguma dificuldade do jornalismo tradicional em perceber que o mundo mudou. Quem sai perdendo, uma vez mais, é a sociedade.

Numa de suas primeiras perguntas ao entrevistado, o mediador Ricardo Lessa já demonstrou os limites em que está enredado. Lessa gostaria de saber qual seria a marca de Bolsonaro num possível mandato presidencial. Insistiu na pergunta diante de uma resposta evasiva do entrevistado. Foi quando resolveu citar os exemplos. Falou da CLT de Getúlio Vargas, do plano real de Fernando Henrique Cardoso.  Nenhuma palavra sobre Lula, um nome aparentemente proibido no contexto.

Michel Foucault chamava de formação discursiva esse mecanismo de controle do que podemos ou não dizer a partir da inscrição do sujeito em determinada ordem do discurso. O modo como pensamos e nos expressamos é revelador dos mecanismos de poder. Por isso, buscar perceber o não dito no que se enuncia é uma maneira de identificar esses jogos.

Um segundo ponto. Há algumas semanas, quando no centro do Roda Viva estava a candidata Manuela d’Ávila do PC do B, um dos entrevistadores era assessor de Jair Bolsonaro. O fato gerou alguma expectativa de equilíbrio na sabatina do deputado. Numa democracia é legítimo que os veículos tenham liberdade editorial. Mas a ausência, não de um assessor da candidata do PC do B, mas, digamos, um representante de um tipo de jornalismo mais à esquerda do espectro político tirou força do debate. Não é demais lembrar que em 2013, os então quase anônimos líderes do Mídia NinjaBruno Torturra e Pablo Capilé ocuparam o centro do Roda Viva na despedida do jornalista Mário Sérgio Conti, num episódio memorável porque expôs pontos de vista contraditórios, revelou a emergência de novas forças.

Os entrevistadores do Roda Viva com Bolsonaro cumpriram, na medida do possível, o seu papel. Buscaram contradições na fala do candidato, levantaram alguns temas polêmicos, mas faltou densidade nas perguntas. Presos às formações discursivas dos veículos que representam tinham seus limites demarcados.

A participação de representantes do jornalismo digital — ativista ou não — traria, por si só, uma amplitude ao debate. Se as redes sociais são o principal meio de circulação da desinformação, também são espaços onde pulsam outras formas de jornalismo que poderiam fazer a diferença e trazer um sopro de vitalidade e credibilidade ao combalido Roda Viva.

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Pedro Varoni é jornalista e editor do Observatório da Imprensa.