Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um corpo em movimento

Em meados de 2004, iniciei uma pesquisa com enfoque na animação nacional, intitulada “A Evolução da Animação Brasileira em Peças Publicitárias”. Hoje, o trabalho faz parte do acervo bibliográfico da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, um local maravilhoso para variadas investigações acadêmicas, além de grandes descobertas. Neste período, também contei com relatos apaixonados, mesmo diante de uma trajetória cheia de obstáculos. As conquistas promovidas pelos desbravadores, os Mestres, não é algo difícil de observar. Atualmente, a animação brasileira tem rendido grande destaque nos veículos de comunicação nacionais e internacionais graças aos inúmeros recursos, o acesso fácil à informação online, os programas de incentivo à cultura, a oferta de cursos na área, o barateamento dos equipamentos… A época é promissora, pois a valorização da arte/técnica abriu caminho e temos como exemplo o festival Anima Mundi, um dos eventos mais aguardados, apresentando excelente vitrine de talentos.

No entanto, para chegarmos às criações que confundem o público diante de formas, texturas, movimentos e perfis tão primorosos foi necessário o trabalho perseverante de inúmeros profissionais que, ora ou outra, apareciam com mecanismos estranhos: lanterna mágica (1645), taumatroscópio (1825), zootroscópio (1834). Na linha das invenções mecânicas destaca-se o praxinoscópio (1877) de Émile Reynaud, onde os desenhos eram ordenados num trajeto circunferente. O resultado positivo aplicado a alguns aperfeiçoamentos originou no Teatro Óptico. “Não tendo as imagens disponíveis com a facilidade proporcionada pelo cinema, Reynaud tinha de criá-las, e esse ato de concepção em si mesmo já implica expressão artística.” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 40). A primeira exibição pública promovida pelo “Théâtre Optique” foi 1892, no Museu Grévin. Posteriormente a solenidade, soma-se mais de 10 mil apresentações num período de oito anos. O evento inaugural, aliás, é data presente entre as comemorações anuais – dia 28 de outubro, Dia Internacional da Animação.

Determinação, persistência e paixão

A história apresenta muitas descobertas importantes como o segundo marcado por 24 fotogramas (Étienne Jules Marey) e a inserção do acetato (Earl Hurd). Outros nomes são destaques: Nicéphore Niepce, Louis Daguerre, Thomas A. Edison, Auguste e Louis Lumière, Georges Méliès, Emile Cohl, Winsor McCay, Max e Dave Fleischer, Otto Messmer, Oskar Fischinger, Norman McLaren, Walt Disney, Stephen Bosustow… Apesar da crescente evolução externa, no Brasil não houve de início o emprego de alguns procedimentos visto as dificuldades para a importação de material, as diferenças dos fatores econômicos entre os países – valores (equipamentos) elevadíssimos se comparado à realidade brasileira –, a falta de cursos e livros sobre as técnicas. Nestas terras, a animação é descoberta novamente. Alguns profissionais optam pelo trabalho individual e desenvolvem seus próprios materiais, outros constroem suas engenhocas para um trabalho conjunto visando à agilidade, a produção em escala, e uma minoria deixa o país vindo a se estabelecer em produtoras e estúdios internacionais.

Eu já escrevi muito sobre a arte de animar e me orgulho sempre ao citar momentos memoráveis. Guy Boris Lebrun, embora tenha nascido na França, iniciou sua vida profissional no Brasil e utilizou, pela primeira vez, a animação como recurso educacional, o que chamou de O Alfabeto Animado; Ruy Perotti foi um dos fundadores da Lynxfilm, produtora com grande destaque na década de 60; Clóvis Vieira produziu Cassiopéia, o primeiro filme totalmente digital, sem lançar mão de qualquer recurso externo; Walbercy Ribas, reconhecido pelos filmes publicitários, ousou ao criar um inseto envolvente para o cinema, sendo dois longas – o primeiro, O Grilo Feliz, resultado de persistentes 20 anos; Daniel Messias, também admirado por célebres campanhas publicitárias, foi pioneiro na introdução de algumas técnicas e conquistou várias nações com o seu trabalho expressivo.

A lista de contribuições nacionais, certamente, não para por aqui. Devemos ovacionar nossos animadores; precursores e entusiastas. Parabéns a Alberto Botelho, Alcídio da Quinta, Alcy Linares, Álvaro Henrique Gonçalves, Álvaro Marins, Ana Mara Abreu, Anélio Latini, Antônio Moreno, Bassano Vaccarini, Bruno de André, Cao Hambúrguer, Carlos Alberto Pacheco, César Mêmolo Jr., Clóvis Vieira, Daniel Messias, Eduardo Messina, Ely Barbosa, Eugênio Fonseca Filho, Fábio Lignini, Fernando Dassan, Flávio Del Carlo, Francisco Liberato, Francisco Luchetti, Francisco Osório, Guy Boris Lebrun, Hamilton de Souza, Hanns Donner, Humberto Mauro, Jô de Oliveira, João Stamato, Joaquim Três Rios, Jorge Bastos, José Mario Parrot Bastos, José Rubens Siqueira, Luiz Borgui, Luiz Briquet, Luiz de Barros, Luiz Sá, Luiz Seel, Marcos Magalhães, Mario Lantana, Mario Ontivero, Maurício de Souza, Michael Ruman, Naildo de Brito, Otto Guerra, Pedro Ernesto Stílpen, Roberto Miller, Roberto Shimose, Ruy Perotti, Salvador Messina, Sylvio Pinheiro, Vera Abbud, Walbercy Ribas, Wilson Lazaretti, Ypê Nakashima…

Aos não citados, minhas desculpas. Todavia, a história da animação brasileira possui enormes vazios. Muitas produções foram perdidas, nomes apagados, fatos esquecidos. As minhas pesquisas continuam no sentido de obter material inédito, embora alguns familiares e instituições responsáveis por acervos não autorizem a digitalização das imagens. Era para ser patrimônio cultural, usufruto de todos os cidadãos, mas devido aos problemas de direitos autorais, além da falta de verba e patrocínio, o acervo acabou ficando restrito – grande parte repousa em gavetas inacessíveis aguardando incentivos financeiros. Vamos contribuir na perpetuação e desenvolvimento da história: qualquer informação é importante na orientação dos novos projetos e trabalhos acadêmicos. Vamos resgatar momentos e nomes que se perderam num trajeto marcado pela determinação, persistência e, principalmente, paixão.

Referências

ARIKAWA, Monalisa. A evolução da animação brasileira em peças publicitárias. Curitiba, 2005. Dissertação (especialização em Comunicação Audiovisual) – Setor Ciências Jurídicas e Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

LUCENA JUNIOR, Alberto. A arte da animação: técnica e estética através da história.São Paulo: Senac, 2002.

***

[Monalisa Arikawa é publicitária, Presidente Prudente, SP]