Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

As práticas televisivas nas mídias digitais

Desde que surgiu, a televisão despertou fascínio nos telespectadores e vem sendo objeto de análise de teóricos de comunicação e profissionais. O então novo meio causou mudanças na relação que o público estava acostumado a ter com os meios de comunicação já existentes, estruturando o tempo social dos telespectadores. ‘Te ligo depois de ver a novela das oito’ – que nem sempre começava às oito – ou ‘Quando terminar o Jornal Nacional, passe lá em casa’ passaram a ser frases comuns, com diferentes programas ou em outros contextos, no dia-a-dia das pessoas.

Antes das tecnologias digitais, o horário nobre ainda era forte e determinado pelas emissoras. Com o surgimento da internet e de outros aparatos tecnológicos, que possibilitaram o surgimento de TVs via web e da TV digital, o horário nobre passou a ser do público, como bem afirmou Nicholas Negroponte. Assim, é o telespectador que determina o quê, quando, como e onde assistir.

Não importa o suporte comunicacional: a TV continua provocando fascínio e sendo objeto de investigação de acadêmicos. A televisão em plataformas digitais – internet, celular, iPods, dentre outros – mudou a relação que os telespectadores estavam habituados a ter com a televisão analógica. Agora, o espectador pode interagir em um mesmo suporte, não apenas com os jornalistas, mas também com outras pessoas que estão assistindo ao programa. Além disso, livre da barreira do tempo e do espaço, a televisão na internet tornou-se mais individual e mais personalizada.

Surgem, portanto, novas questões. Como a televisão é afetada pela internet? Como é possível potencializar a interatividade da televisão com as novas mídias? Como ficam as mídias precedentes?

Com o objetivo de refletir sobre estes temas, a dissertação de mestrado ‘TV na Rede: uma análise das práticas televisivas nos meios digitais’, do curso de Pós-Graduação em Comunicação Social da UERJ, orientada por Márcio Souza Gonçalves, analisa dois programas televisivos: o Jornal Interativo, da TV online AllTV, e o Big Brother Brasil 5, da Rede Globo. O Jornal Interativo é um telejornal que pode ser visto exclusivamente na internet e o Big Brother Brasil 5 é um reality show que usa diversas mídias (TV, TV a cabo, celular, internet). Na pesquisa, foram abordados os conceitos de interatividade e de remediação.

Interatividade em ação

Interatividade é um termo polissêmico, o que leva a alguns equívocos de interpretação, como reconhecem diversos autores, dentre eles Janet Murray (2003), Alex Primo (1998), André Lemos e Pierre Lévy (1999) — para quem o termo interatividade é freqüentemente utilizado de maneira vaga e difusa e de forma imprecisa e elástica.

Na dissertação foi tratada a noção de interatividade e proposta uma classificação (partindo dos autores André Lemos, Jens Jensen e Alex Primo) que permite a abordagem de qualquer processo em que alguma forma de interação se dê. Foi proposto também o conceito de situação comunicacional como o definidor do locus a partir do qual os processos comunicacionais concretos devem ser abordados. Não é discutida a interatividade em geral, mas categorias para a análise de interatividades concretas e localizadas. Portanto, entende-se por situação comunicacional situações concretas e localizadas em que há comunicação, estando aí incluídos o(s) meio(s), os participantes, as mensagens e os usos dos meios.

Essa opção por trabalhar com situações comunicacionais – em vez dos meios de uma maneira geral – se deve ao fato de que a interatividade existe em diferentes níveis, não podendo ser generalizada para classificar uma mídia como um todo. Deixando o campo das possibilidades, a noção de situação comunicacional nos leva ao cerne do que está efetivamente se operando em termos de comunicação, do que efetivamente se desenrola nas situações analisadas.

Sendo dada uma situação comunicacional, trata-se de saber a qualidade dos meios presentes (meio unidirecional ou bidirecional), se essa interação se dá através de um ou mais meios (unimeio ou multimeio), se há alteração no conteúdo (interação mútua ou reativa) e se esta situação ocorre de forma rápida ou lenta (intervalo longo, curto ou tempo real). Espera-se que a análise do que efetivamente se opera em diferentes situações comunicacionais se mostre profícua no atual estado das pesquisas no campo da comunicação no Brasil.

Fim das mídias tradicionais?

Quando novas mídias são introduzidas, muito se especula sobre o fim da mídia anterior. No entanto, as mídias interagem entre si e as anteriores não são abandonadas. Por isso, optou-se por usar na pesquisa o conceito de remediação, elaborado por Jay David Bolter e Richard Grusin. Os autores retomam em parte a idéia de Marshall McLuhan de que o conteúdo de um meio é sempre outro meio, afirmando que ele provavelmente não estava falando de uma simples apropriação, mas de um tipo mais complexo de empréstimo no qual uma mídia é incorporada ou é representada em outra.

Na análise dos programas Jornal Interativo e Big Brother Brasil 5 foi observado que a internet propiciou que os meios de comunicação tradicionais, e no caso desta pesquisa a televisão em particular, operassem dentro de uma nova configuração midiática que permite que neste novo ambiente virtual diversas mídias possam coexistir – e os espectadores possam comunicar entre si e com os apresentadores muitas vezes sem a necessidade de um intermediário. Neste contexto, nota-se a existência ainda das mídias tradicionais destinadas a um público massivo, assim como também de mídias destinadas ao uso individual, que se tornam cada vez mais personalizadas, voltadas aos interesses particulares de um determinado indivíduo.

Assim, pode-se afirmar que há um novo público que desenvolve uma outra relação com a mídia televisão. Agora, ele é ao mesmo tempo um espectador, um interagente com o conteúdo televisivo e parte deste mesmo conteúdo. A interatividade passa a ser então mais uma alternativa para a audiência, que quando decide usufruir desta interatividade o faz porque deseja participar. A interatividade só vai existir com um movimento da parte do espectador.

A internet não é uma mídia de massas, porque atinge a um público específico que tem acesso a um computador conectado à rede e não suporta, por exemplo, muitos usuários em um determinado site ao mesmo tempo, pois o mesmo pode sair do ar. O próprio fato de alguém estar conectado à rede já significa que este indivíduo manifestou o desejo de ligar o computador e se conectar à internet – ao contrário de alguém que pode chegar em casa e ligar o rádio ou a televisão enquanto realiza outras tarefas, como um pano de fundo; e também significa uma interatividade com o sistema, visto que ele pode alterá-lo simplesmente pelo fato de ter acessado um site.

Trata-se de novos caminhos que estão apenas começando a ser trilhados. Ainda não se sabe onde dará o fim desta estrada. Depende da rota que cada um escolher seguir.

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Jornalista