Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

É preciso ser diplomado para garantir ética?

É preciso ser diplomado: Formação e regulamentação são instrumentos de defesa do Jornalismo e da sociedade. Somos mais de 60 mil jornalistas em todo o Brasil. Milhares de profissionais que somente através da formação, da regulamentação, da valorização profissional conseguirão garantir dignidade para sua profissão e qualidade, interesse público, responsabilidade e ética para o jornalismo praticado hoje no Brasil.’[Sérgio Murillo de Andrade e Valci Zuculoto, Jornalistas, Professores, Presidente e Diretora de Educação da FENAJ, respectivamente]

Minhas reflexões sobre este tema não têm o propósito percebido pelos mais ansiosos, rançosos e menos profundos na arte de interpretação de texto. Como se eu estivesse tomando uma posição contrária ao interesse dos comunicadores ou do público!… Minha esperança é que homens e mulheres de boa vontade têm a sensibilidade necessária para perceber meu real propósito de mostrar a verdade a respeito.

Creio que, sem coragem para enfrentar esta triste e cruel realidade, o ideal teoricamente pregado acima jamais ocorrerá, de fato. É muito difícil, para a maioria, mesmo conceitualmente, separar o jornalismo da imprensa mercenária, corrupta, irresponsável e maligna. São como gêmeos siameses! [A malignidade intrínseca da mídia capitalista]

Dignidade prejudicada?

Mas, somente cortando na própria carne…

‘… o jornalismo poderá se libertar do seu pior inimigo: a Imprensa, tal como ela existe hoje.’ [‘Significado político da manipulação na grande imprensa‘, Perseu Abramo]

A Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas, a Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação e o FNPJ – Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo, fogem como o diabo da cruz e não enfrentam a impotência da categoria diante do poder do patrão que anula qualquer princípio ético que um jornalista queira aplicar em seu local de trabalho quando conflita com a voracidade pelo lucro a qualquer custo por parte da empresa de comunicação, de seus anunciantes ou do interesse político-partidário.

Também não estão interessados em demonstrar a razão pela qual os países mais evoluídos liberam o profissional do uso do diploma, enquanto os mais atrasados o obrigam. Nem qual a característica regional do Brasil que justificaria a adoção de sua obrigatoriedade. Não respondem a uma questão fundamental: o jornalismo de países que exigem o diploma é igual, pior ou melhor do que nos demais?

Alguma vez ficou demonstrado cabalmente que, nos países onde o diploma não é exigido, a dignidade desta profissão ficou prejudicada? Ou seus rendimentos? Ou a qualidade e a ética no exercício da atividade? Caso isto fique provado, serei o mais renitente defensor da obrigatoriedade do diploma de jornalismo!

Por que manter uma lei despótica?

Não sei se os professores, os líderes ou a parcela da categoria que luta pela obrigatoriedade, e que tem por dever do ofício transmitir a melhor verdade possível para seus semelhantes, são ingênuos, ignorantes, loucos ou se estão hipnotizados a tal ponto de acreditar piamente que a ilusão é realidade. Mas há uma alternativa ainda pior: consciência e lucidez de que estão defendendo deliberadamente uma mentira!

Para Sérgio Murillo, presidente da entidade, a expectativa era de que o julgamento retirasse apenas os artigos que ferissem a Constituição Federal. Segundo ele, a matéria, apesar de permanecer em vigor há mais de 40 anos, ainda estabeleceria alguns dispositivos necessários ao exercício do jornalismo, como a possibilidade de fontes denunciadas em reportagens obterem direito de resposta nos veículos.[http://www.pqn.com.br/portal_pqn2/index.php?option=com_content&task=view&id=4420&Itemid=43]

Os jornalistas perderam recentemente a Lei de Imprensa, parte da qual defenderam com unhas e dentes, pouco se lascando se ela fora imposta através de uma ditadura que usurpou o poder de forma brutal, depondo um presidente da República legitimamente eleito, censurando a mídia, perseguindo, torturando milhares e assassinando centenas de brasileiros. Multiplicaram astronomicamente nossa dívida externa e a inflação monetária, bem como reduziram dramaticamente o valor do salário mínimo.

O mesmo vale para a lei da obrigatoriedade do diploma, imposta também ditatorialmente pelos terroristas que assumiram o Estado em 1964 e que será julgada no STF, em breve.

Seja qual for o resultado, defendo intransigentemente que qualquer lei feita por um governo que usurpou o poder de forma ilegal deve ser anulada automaticamente, por melhor que seja, e substituída por outra, caso necessário, por um poder legitimamente estabelecido. Se, num julgamento qualquer, uma prova obtida de forma inadequada perde automaticamente seu valor, por que uma lei feita despoticamente deve ser mantida?

Instrumento de controle político

Os jornalistas fazem o jogo do patrão ao se omitirem na denúncia de que são escravizados na função de manipuladores da informação, cuja rebeldia e prática da ética profissional (princípios deontológicos) pode lhes trazer o desconfortável sabor do desemprego e outros prejuízos. Nossa conservadora sociedade, composta por 74% de analfabetos e semi-analfabetos, deseja jornalistas diplomados para enganá-la diariamente, incapaz de perceber a realidade mais profunda que se esconde por detrás de uma pesquisa de opinião convenientemente limitada, feita pela Fenaj. [http://pt.wikipedia.org/wiki/Deontologia]

Em síntese: na prática, não há ética no jornalismo em função da hegemonia da ética da empresa jornalística, voltada prioritariamente para os interesses particulares e não para o interesse público, teoricamente mencionado no texto em epígrafe. Idem para os profissionais que se prestam a fazer o serviço mais subalterno nesta modalidade de crime legalmente organizado.

Perseu Abramo considera a manipulação realizada pelos jornalistas para atender seus patrões como inimizade contra o povo brasileiro.

‘Os estudos do professor Perseu Abramo… situam o jornalismo praticado pelo mercado como um instrumento de controle político das elites, contrário aos interesses maiores do povo brasileiro’ (Hamilton Octávio Souza, em Padrões de manipulação na grande imprensa, de Perseu Abramo, pág. 17, da Editora da Fundação Perseu Abramo).

A ousadia de fugir do pensamento único

Mas mesmo assim, a Fenaj, o Intercom e o FNPJ estão unidos na pregação de que a obrigatoriedade do diploma é relevante para ‘garantir dignidade para sua profissão e qualidade, interesse público, responsabilidade e ética para o jornalismo praticado hoje no Brasil’.

Vejamos como Antonio Gramsci percebe o Estado, a escola e a imprensa na formação do consentimento público para impor à sociedade os interesses da classe dominante:

‘Além dos aparelhos coercitivos do Estado, a burguesia precisa obter o consentimento dos governados, para se garantir como hegemônica. E a formação do consenso dependeria da educação. Daí, a ampliação sem precedentes dos mais diversificados meios de educação, desde a escola, um dos principais deles, até a imprensa e o rádio (Gramsci não conheceu a televisão)’[‘Um caderno de estudos sobre Gramsci‘, Maria do Carmo de Oliveira Vargas].

Desta forma, com raras exceções, os que atuam no sistema educacional, na comunicação ou em ambos, consciente ou alienadamente, reproduzem o pensamento que convém a quem estiver no poder.

As exceções, certamente, não terão as benesses que receberão aqueles que fazem bem o trabalho a eles designados de inseminar conceitos convenientes ao sistema, nas mentes receptivas da juventude e do público em geral. Alguns são perseguidos, prejudicados de várias formas e podem pagar com própria vida a ousadia de fugir da matriz do pensamento único. [ Ver ‘Matrix’, o filme, e ‘Trabalhar na Globo é crime‘]

Próxima revolução terá componente cibernético

Perseu Abramo considera a imprensa como o pior inimigo do verdadeiro jornalismo. Infelizmente, é o jornalista quem faz o trabalho fundamental para que seja assim:

‘As classes dominadas, portanto, tenderão a lutar pela transformação dos órgãos privados e estatais em órgãos públicos, sob formas e mecanismos que evidentemente ainda estão por serem engendrados e desenvolvidos. E finalmente, então, o jornalismo poderá se libertar do seu pior inimigo: a Imprensa, tal como ela existe hoje’ [‘Significado político da manipulação na grande imprensa‘, Perseu Abramo].

Portanto, o jornalista, quando a serviço de uma empresa capitalista, ou os professores do sistema de ensino imposto a estes profissionais ou à população em geral, tem um papel fundamental na dominação da sociedade, para seu convencimento, fazendo-a aceitar passivamente a exploração que sofre por parte do empresariado que privatizou o ‘Estado oligárquico e autoritário, o qual precisa urgentemente ser democratizado’ (Marilena Chauí).

Podemos, então, compreender melhor o valor de uma afirmação do Lalo (ECA-USP) sobre as conquistas pífias realizadas neste setor, para benefício da maioria, em matéria recente (11/06/2009) sobre o sítio da Petrobrás (blog). Coisa, aliás, que dificilmente mudará, nesta 1ª Confecom – Conferência Nacional de Comunicação, pelo mesmo motivo.

‘No Brasil, o primeiro movimento mais articulado visando a democratização da comunicação ocorreu 1983, numa iniciativa de um grupo de professores do curso de comunicação social da Universidade Federal de Santa Catarina. Eles lançaram a Frente Nacional de Lutas por Políticas Democráticas de Comunicação, incorporada posteriormente pela Abepec (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Comunicação) e pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). De prático esses movimentos pouco conquistaram. A lógica do capital, concentrando cada vez mais o mercado produtor e distribuidor de informações, combinada com a política de enfraquecimento dos estados nacionais, sepultou as esperanças de uma circulação de informações mais equilibrada pelo mundo’[http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4370].

Felizmente, a rede mundial de computadores vem reduzindo este desastre, aumentando exponencialmente o número de privilegiados que podem acessá-la, insinuando que a próxima revolução política terá forte componente cibernético. Isto até que senhores do Estado aprovem leis como o chamado AI-5 Digital, de autoria do corrupto senador mineiro Eduardo Azeredo. Ou mesmo sem ela, quem escrever um artigo como este será sequestrado, torturado, assassinado e jogado em alto mar. [www.AI-5Digital.blogspot.com]

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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (www.cmqv.org) e articulista