Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Falta de apuração, verdade e humanização

No segundo ano da faculdade de Comunicação, o professor Altamir Guimarães, conhecido carinhosamente por Mica, disse à turma durante a aula da disciplina “Jornalismo informativo, opinativo e interpretativo”: “Nem tudo o que se apresenta é verdade. É preciso constatar.”

A mídia paraibana informa mal. No dia 18 de maio, os sites PB Agora e portal Correio publicaram uma suposta notícia onde se lia que a mãe de um vereador do PT da cidade de Picuí, localizada a 246 km de João Pessoa, recebia ilegalmente um benefício do programa Fome Zero, especificamente o Bolsa Família. O PB Agora publicou: “Escândalo: Mãe de parlamentar do PT é acusada de receber Bolsa Família ilegalmente”. Já o título do portal Correio estampava: “Mãe de vereador recebia Bolsa Família”. De acordo com o portal Correio, a denúncia havia partido de moradores da cidade. O PB Agora também fez a mesma afirmação. Entre o texto do portal Correio há uma fala do vereador do PSDB Joseilton Azevedo, líder do prefeito na Câmara Municipal da cidade. O texto do PB Agora também contém a mesma fala. Joseilton Azevedo, conhecido como Itinho, alegava: “Na época, ele [o vereador Olivânio Remígio, do PT] morava com a mãe e a renda per capita da família era bem maior que a permitida para receber o programa [ele quis dizer o benefício]. Ele deve explicações ao município”, finalizou.

A suposta notícia logo se espalhou por blogs e outros sites da categoria Ctrl+C, Ctrl+V.

Denunciado por artimanha

O vereador Olivânio Dantas Remígio é um parlamentar da oposição em Picuí. Uma semana antes dessa “notícia” se espalhar feito um câncer pela rede mundial de computadores, o prefeito da cidade, presidente da Federação das Associações dos Municípios da Paraíba (Famup) e segundo-secretário da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Rubens Germano Costa, conhecido como Buba, foi cassado pelo TRE da Paraíba. A cassação ocorreu na sessão do dia 10 de maio. Olivânio é o principal opositor de Buba Germano no município. Em dezembro de 2010, uma denúncia feita pelo mesmo vereador de oposição fez com que a Comissão de Combate à Improbidade Administrativa e à Irresponsabilidade Fiscal (CCIAIF), do Ministério Público da Paraíba, apresentasse uma ação contra o gestor do PSDB. A representação do MP foi aceita, por unanimidade, pelos desembargadores do Tribunal de Justiça da Paraíba, está ativa e poderá resultar em nova cassação.

No dia 04 de dezembro de 2010, durante entrevista aos jornalistas Lenildo Ferreira e Josusmar Barbosa, na Rádio Cariri, de Campina Grande, o vereador Olivânio Remígio foi atacado pelo prefeito, via telefone, que acusou a mãe do parlamentar de receber o benefício do Bolsa Família irregularmente, além de lhe fazer, em tom ameaçador e descontrolado, diversas acusações pessoais. As alegações do beneficiamento da mãe do vereador no programa federal já haviam pautado a campanha de Buba Germano em 2008.

Muito bem. Onde quero chegar com esta digressão? 1) A denúncia do Bolsa Família dos sites PB Agora e portal Correio, na verdade, não partiu de nenhum morador da cidade, como afirmam os textos. Aliás, os textos são os mesmos porque se tratam de um release de assessoria de comunicação; 2) os acusados, Olivânio Remígio e sua mãe, Maria da Guia Dantas Remígio, não foram ouvidos; 3) uma análise simples do release seria suficiente para perceber o golpe, visto que a gestão do programa cabe aos municípios, não à Câmara de vereadores; 4) a afirmação de que o parlamentar morava com a mãe também não pode ser confirmada, visto que Olivânio, na verdade, já morava fora da casa da mãe quando assumiu o cargo no legislativo da cidade.

O prefeito do município foi denunciado mais uma vez pelo parlamentar por fazer uso desta artimanha para confundir a população de Picuí e tentar destruir, através da mídia paraibana, a imagem do vereador e de sua mãe, que até hoje, se enquadra nas regras do programa social.

“Função do release é provocar a notícia”

Os textos apresentados nos dois sites são irmãos gêmeos. Trata-se do mesmo release. Qualquer foca saberia que release é ponto de partida, não é matéria pronta. Notícia, ou a sua versão mais aprofundada, a reportagem, necessita de apuração, de investigação, de se ouvirem todos os lados envolvidos. Luís Costa Pereira Júnior afirma, no livro Guia para a edição jornalística (p. 16), que “[a] linha de produção da notícia, [é] formada pelo eixo apuração-redação-edição”. Por que os jornalistas desses sites não apuraram a informação, em vez de botar no ar um release na íntegra e sem checagem?

No livro Jornal, história e técnica: as técnicas do jornalismo, o mestre Juarez Bahia é enfático (p. 50):

“(…) no jornalismo, são as versões que contam. É fundamental ouvir todas as versões de um fato para que a verdade apurada não seja apenas a verdade que se pensa que é, e sim, a verdade que se demonstra e tanto quanto possível se comprova”.

Onde está, no texto distribuído entre esses dois sites, a fala dos acusados? Os jornalistas devem ficar atentos ao trabalho, muitas vezes desonesto, de assessorias de comunicação que enviam releases à redação para plantar notícias na mídia. Renato Félix, em artigo publicado no Jornal da Paraíba do dia 06 de setembro de 2006, explica:

“Relise é uma sugestão de matéria, um ponto de partida para a reportagem. Mas há certos relises que chegam às redações que mais complicam do que facilitam a vida do jornalista.”

O arremate para este ensinamento vem na afirmação de Lima, citado por Luís Henrique Marques, no livro Teoria e prática de redação para jornalismo impresso (p. 71):

“(…) a função primordial do release (…) não é a de ser publicada como matéria acabada, mas de provocar a notícia.”

Ouvir todas as partes é convenção jornalística

Diante da repercussão, o vereador publicou uma nota explicando a real situação do problema. Mesmo assim, o portal Correio não apresentou a versão do petista e o PB Agora só publicou a nota três dias após ter tentado passar um release como notícia para seus leitores. Jornalismo de versão única não é jornalismo. É assessoria. Para a mãe do vereador, não houve espaço na mídia. A unanimidade da acusação, mesmo sendo fruto de tão explícito amadorismo e má-fé, predominou.

Isso me faz lembrar uma afirmação do antropólogo Darcy Ribeiro, citada por Guilherme Azevedo no livro Educadores que desafiaram dogmas: Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro (pp. 114-115):

“É muito difícil que as pessoas se convençam de alguma coisa, ainda que medianamente clara, quando toda a imprensa, unanimemente, não fala dela ou diz o contrário. O poder de convencimento de uma imprensa unânime, porque é unanimemente subornada, é realmente terrível.”

Se a denúncia do beneficiamento irregular da mãe do vereador no Programa Fome Zero foi feita por moradores, por que os dois sites publicaram o mesmo texto, com as mesmas incorreções e a mesma fala do vereador do PSDB? Por que os moradores não tiveram suas falas estampadas entre aspas? Quem são esses moradores? Onde residem? Pereira Júnior, em livro já citado aqui, ensina (p. 59):

“Há procedimentos para evitar tropeços. Um muito importante é publicar informação obtida em off só quando confirmada por outras evidências, checar a idoneidade da fonte e conhecer o terreno em que pisa. Confrontar e comprovar afirmações é regra de ouro.”

Se é a prefeitura o órgão responsável pela gestão do programa federal, onde está o dolo por parte do vereador nesse caso? Se a mãe dele se enquadra até hoje no programa, por que isso não foi incluído no texto? Ou, ao menos, por que não procuraram ouvi-la? Ouvir todas as partes é a convenção jornalística.

Uma versão contraditória

A fala do vereador Joseilton Azevedo no dia 21 de maio, durante o programa Ação Legislativa, transmitido pela Rádio Cenecista de Picuí, é profundamente contraditória. Ele tentou se explicar, dizendo que não foi o autor do release. Afirmou que um repórter ligou para o seu celular e disse que a fala reproduzida entre aspas no texto do portal Correio era dele, de fato, e que o repórter havia sido fiel ao que disse:

“O que aconteceu? Alguém de lá, que estava lá, que eu não sei, não me disseram, ligou pro portal Correio, não é?, fez essa mesma… Disse lá, inclusive no portal Correio, disse de quem tinha recebido, que o nome era o nome do vereador, não é? Quando eu tava na questão da campanha do abuso… contra o abuso sexual infantil, aí o telefone me ligou, eu tenho testemunhas disso, né?, e um repórter me perguntando se eu havia feito isso na câmera (sic), se eu havia feito esse pronunciamento e eu perguntei: como foi o pronunciamento que eu fiz? E ele disse que eu tinha dito que ele… eu digo não! Eu não disse assim. E disse da maneira que eu falei, que está aqui, que ele foi realmente fiel ao que eu falei, entendeu?”

Mas à frente Azevedo completou:

“Se os jornais estão aí colocando o que eles querem escrever, procurem o jornal e vá e denuncie e puna quem tá falando, entendeu? Eu estou dizendo o que eu fiz. Se quiserem me punir por isso, tudo bem. Bote pra frente e estamos aí pra lutar pela defesa.”

Para entender a fala do vereador da situação, é preciso um certo esforço. Primeiro, o texto do portal Correio diz que a denúncia partiu de moradores; segundo, um repórter do site, supostamente, ligou para Joseilton Azevedo e ele deu uma declaração que foi reproduzida fielmente; terceiro, o tucano quis dizer que não tem nada a ver com a história e alega que alguém que assistia à sessão da Câmara no dia em que ele denunciou o caso do beneficiamento irregular da mãe do seu opositor no programa Fome Zero, foi quem mandou a informação para a mídia. Entendida a fala, vamos partir para as evidências que contradizem o denunciante. Os textos foram publicados no dia 18 de maio, dois dias após a mencionada sessão da câmara, realizada na noite do dia 16 de maio. Ocorre que os dois sites, que não ouviram o vereador acusado nem sua mãe, publicaram, abaixo das matérias, a expressão “Da redação”, o que prova que o texto chegou pronto à redação, possivelmente via assessoria de comunicação. Portanto, fica evidente que o vereador Joseilton Azevedo não atendeu a nenhum telefonema de qualquer repórter.

Se isso não bastasse para desmentir o acusador e demonstrar a falta de ética dos sites, vale ressaltar que o portal Paraíba 1 publicou matéria sobre o mesmo assunto, com base no mesmo release. Ao optar pela apuração dos fatos, o jornalista Josusmar Barbosa, do Jornal da Paraíba, deu uma contribuição honesta para o caso. Logo no primeiro parágrafo, o texto de Barbosa afirma:

“A denúncia foi feita pelo vereador Joseilton de Lima Azevedo (PSDB) em pronunciamento, na Câmara Municipal, que pediu explicações ao vereador sobre o fato.”

Não há nenhum trecho na matéria do Jornal da Paraíba, responsavelmente assinada por Josusmar Barbosa, afirmando que a denúncia partiu de moradores da cidade. A reportagem foi publicada na versão impressa do matutino paraibano e no portal da mesma empresa (Paraíba 1) no dia 19 de maio, ou seja, um dia após as publicações do PB Agora e do portal Correio e dois dias antes do pronunciamento do vereador tucano na Rádio Cenecista, no dia 21.

O texto virá da apuração”

A mesma declaração que o vereador Joseilton Azevedo disse que deu ao repórter do portal Correio, e que o profissional havia sido fiel ao que ele afirmou, está no texto de Josusmar, o que prova que a matéria surgiu a partir de um release e que o Sistema Paraíba aplicou a regra jornalística e apurou o fato, inclusive registrando a versão do vereador denunciado.

Os sites PB Agora e portal Correio adotaram a técnica do jornalismo declaratório. Segundo Luiz Costa Pereira Júnior em A apuração da notícia: métodos de investigação na imprensa(p. 94):

“(…) o jornalista (…) se isenta de responsabilidades com o jornalismo declaratório, aquele que dá manchetes ou primeiro plano a declarações dos poderosos do mundo político, empresarial, artístico e esportivo, mesmo quando não o merecem. É o reflexo invertido do `fala povo´, pois a proeminência do autor das aspas basta para notificar a mais irrelevante afirmação. O recurso banalizou-se, virou muleta de manchetes e noticiários inteiros, substituindo na maioria das vezes uma apuração em profundidade.”

A necessidade de formação do jornalista e a sua vinculação primordial com o compromisso ético de informar fazem falta a muitos meios de comunicação da Paraíba e do Brasil.

Um pouco mais à frente (p. 148), o autor complementa:

“Lacunas de informação são um convite à desonestidade, à imaginação de peças que faltam para a história ficar redonda.”

Na mesma obra, Pereira Júnior enfatiza (p. 153):

“O jornalismo não se divide entre sintético ou longo, mas entre bem-feito ou não. O texto virá da apuração. Quanto maior e melhor, mais saboroso será.”

Critérios da notícia

Retomemos os ensinamentos dos bancos universitários. Comecemos pelas orientações de Juarez Bahia, em obra já mencionada aqui, sobre os critérios da notícia. Para esse doutrinador, a notícia tem oito critérios: veracidade, legalidade, oportunidade, peso social, interesse particular, relevância, consequência e credibilidade. Nas páginas 42 e 43, Bahia explica cada um dos critérios.

“A veracidade é a condição sem a qual não há notícia. A legalidade diz respeito aos limites da lei (como, por exemplo, a proibição de dar o nome completo e a fotografia de frente de um menor envolvido em fato delituoso). A oportunidade relaciona-se com informações que se difundidas causam prejuízos à coletividade (…). Por peso social deve-se entender deixar de fora dados cuja eliminação não prejudica a clareza da notícia e que se publicados causariam choque (…). O interesse particular refere-se à supressão de dados irrelevantes para a notícia, mas prejudiciais à vida das pessoas e que implicam violação da privacidade ou concessão a tráfico de influência. A relevância relaciona-se com o que é supérfluo ou insignificante na exposição dos fatos. A consequência é o que caracteriza na notícia apurada um efeito tão nulo que a sua publicação seria ociosa. O interesse pode ser o resultado de má apuração e má investigação dos fatos, desaconselhando a divulgação, a não ser que o assunto seja reconstituído na sua dimensão jornalística própria. A credibilidade é um fator tão essencial quanto a veracidade, e um elo entre o crédito da fonte e o crédito da publicação.”

Mário Erbolato, no clássico livro Técnicas de codificação em jornalismo (pp. 60-65), indica 24 critérios para a produção da notícia. Quero aqui evocar três: interesse humano, importância e oportunidade. Nas palavras do autor:

“Interesse humano – (…) Ouvir sempre o maior número de informantes. (…) Importância – Está no critério do editor avaliar, entre várias matérias, qual a mais importante e selecioná-la. (…) Oportunidade – Deve haver sempre um motivo para a divulgação de qualquer reportagem.”

Os autores portugueses José Letria e José Goulão, em Noções de jornalismo (pp. 68-72), registram quatro critérios para a feitura da notícia: atualidade, generalidade, objetividade e verdade. Quero, destes autores, enfatizar os critérios de atualidade e verdade. Para o primeiro, eles afirmam (p. 68): “Uma informação sobre um acontecimento que não seja atual não é notícia”. Sobre a verdade, alertam (p. 71): “O perigo da inexatidão espreita na recolha de dados, na forma como se tiram notas, nas fontes de informação escolhidas.”

Denunciado por calúnia e difamação

À luz do referencial teórico acima, quero analisar a “notícia” dos sites PB Agora e portal Correio. Começando por Juarez Bahia, chamemos a atenção para os critérios de legalidade, interesse e credibilidade. Legalmente a mãe do vereador, Maria da Guia Dantas Remígio, e o vereador, teriam o direito de se defenderem das acusações. Isso é um princípio constitucional: inviolabilidade da intimidade e direito de resposta. O que não foi permitido pelo PB Agora antes de publicar o release que desencadeou uma incontrolável reprodução das acusações via blogs de todos os lugares da Paraíba, e pelo portal Correio em nenhum momento. De acordo com Bahia, se uma matéria não é interessante, por falta de apuração correta ou investigação coerente, fica desaconselhada a sua divulgação. Por último, temos a questão da credibilidade. Bahia diz que esse critério relaciona o crédito da fonte ao crédito da publicação. Como temos demonstrado neste artigo, o texto partiu de um release que indicava os moradores da cidade como fonte. Mas, pelo desenrolar dos acontecimentos, pela fala do vereador na Rádio Cenecista, percebe-se que a fonte é outra. Talvez o próprio vereador ou assessoria da prefeitura. Ainda temos a matéria do Paraíba 1, que reproduziu um texto do Jornal da Paraíba, assinado por Josusmar Barbosa, onde não há a indicação dos moradores da cidade como fonte, e sim, o vereador tucano.

Pelos enunciados de Mário Erbolato podemos sublinhar o seguinte: os editores dos sites PB Agora e portal Correio deixaram de ouvir, deliberadamente, todos os envolvidos, como recomendado no critério de interesse humano. Sobre a importância o professor diz que cabe ao editor (ele se refere à imprensa tradicional, onde há hierarquias profissionais) avaliar esse critério. Se uma matéria é importante, é ele, o editor, o gatekeeper, quem determina a sua seleção e tem responsabilidade sobre ela. Finalmente Erbolato defende que sempre há um motivo para publicação de qualquer matéria jornalística e inclui essa assertiva no critério de oportunidade. No caso levantado aqui, tudo indica que o motivo que fez com que esses sites publicassem o release foi o fato de o adversário maior do vereador acusado ter sido cassado por 4×1 no TRE da Paraíba. Os profissionais de comunicação foram vítimas da própria irresponsabilidade em não checar as informações e suas fontes.

Para finalizar, vale discorrer brevemente sobre os critérios de atualidade e verdade defendidos por Letria e Goulão. O caso da mãe do vereador no Programa Fome Zero ocorreu em 2005, imediatamente após o petista ter sido eleito pela primeira vez. Portanto, não se trata de um assunto atual. A mesma polêmica foi levantada, em agosto de 2010, pelo prefeito cassado Buba Germano, quando foi denunciado pelo MP da Paraíba por ter desviado recursos públicos do Fundo Municipal de Assistência Social ainda no seu primeiro mandato. Buba Germano, por causa dessa atitude, acabou sendo denunciado por calúnia e difamação pelo petista e, desde então, não toca mais no nome do vereador abertamente. Sempre se refere ao parlamentar de maneira indireta. O processo movido por Olivânio Remígio contra o prefeito do PSDB está ativo no Tribunal de Justiça da Paraíba sob o número 027.2011.000.411-9. Todas estas informações se tivessem sido levantadas, poderiam influenciar na apuração do caso e legitimado o critério de verdade defendido por Letria e Goulão. Foi exatamente o que não ocorreu no caso do PB Agora e do portal Correio.

Banditismo midiático

Repito: pela unicidade do texto e pelo histórico do caso, é muito provável que o release tenha partido de assessoria da própria prefeitura que, por medo de não conseguir responder a questionamentos posteriores, resolveu, em estreita colaboração com o vereador Joseilton Azevedo, passar o engodo como sendo denúncia de moradores da cidade.

Daniel Piza, em um dos textos do livro Um país aberto: reflexões sobre a Folha de S.Pauloe o jornalismo contemporâneo, afirma (p. 148):

“O texto tem de convidar o leitor para dentro de um assunto, não lhe dar apenas a fachada ou lhe bater à porta.”

No artigo “Humanizar o processo da notícia”, deste Observatório da Imprensa, Reinaldo César propõe:

“Mesmo relevando a correria e a pressa do mundo moderno; mais ainda: do mundo da produção da notícia – o que não significa ser conivente –, creio ser possível praticar o bom jornalismo, pautado no valor ético-moral, o que, sem dúvida, requer cuidados na leitura que fazemos das notícias, estando a exigir investigação e checagem; um jornalismo proponente da verdade como elemento primordial para informar e formar o indivíduo, norteando-o para não se deixar seduzir por conteúdos ideologicamente nocivos. Enfim, um bom jornalismo feito por seres humanos-jornalistas, e não apenas jornalistas.”

Quero também registrar, mais uma vez, Pereira Júnior, que conclui em a Apuração da notícia: métodos de investigação na imprensa (p. 96):

“Noticiar com frieza protocolar é um ato desumanizante, seja o alvo da apuração uma pessoa, cena ou história. `Desumanizar´ é, por óbvio, tratar de pessoas como quem fala de fenômenos climáticos ou estatísticos. Mas é também a fragmentação dos sentidos, a superficialidade, a falta de contextualização ou o distanciamento acrítico das situações, uma abordagem opaca sem margem a dúvidas, um julgamento preto no branco, a simular um ordenamento e uma previsibilidade sobre o comportamento humano e sobre as realidades apuradas, que quase sempre são desmentidos por apuração mais rigorosa dos incidentes.”

Desmentir essa “notícia” de mão única, reincidente na covardia de seus autores e na submissão de seu personagem denunciante, é a minha contribuição como jornalista profissional aos leitores paraibanos. Por fim, vale a pena mostrar que esse tipo de procedimento tem um caráter universal no jornalismo contemporâneo. De acordo com Milton Santos (Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, p. 40):

“As mídias nacionais se globalizam, não apenas pela chatice e mesmice das fotografias e dos títulos, mas pelos protagonistas mais presentes.”

Entendo que a modalidade jornalística que silencia os principais envolvidos só dá margem para uma judicatura equivocada por parte da audiência. É banditismo midiático dos editores.

Referências bibliográficas

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