Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Livro sobre os anos de
chumbo provoca polêmica


Leia abaixo os textos de quarta-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Quarta-feira, 29 de agosto de 2007


ECOS DA DITADURA
Frei Betto


O livro dos mortos e desaparecidos


‘ESTÁ PREVISTO para hoje, em cerimônia no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Lula, ex-preso político, e de vários ministros, o lançamento do livro ‘Direito à Memória e à Verdade’, cujas páginas registram o perfil dos mortos e desaparecidos sob a ditadura militar brasileira.


A obra resulta de cuidadoso trabalho da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, presidida pelo advogado Marco Antônio Rodrigues Barbosa. Editada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República nesta gestão do ministro Paulo Vannuchi, é, com certeza, o mais importante documento histórico sobre os anos de chumbo desde a publicação de ‘Brasil: Nunca Mais’, assinado pelo cardeal d. Paulo Evaristo Arns, hoje arcebispo emérito de São Paulo, e o reverendo Jaime Wright. O que faz a diferença é que ‘Direito à Memória e à Verdade’ é um documento oficial do governo e, portanto, sinaliza importante passo no reconhecimento do arbítrio prevalecente no regime militar e na abertura dos arquivos daquele período.


Quis a sorte, resultante das oscilações conjunturais de nossa política, que o processo que culmina na publicação do livro tenha sido iniciado, em 1995, por Nelson Jobim, então ministro da Justiça do governo FHC. Hoje, Jobim é ministro da Defesa, autoridade máxima, à exceção do presidente da República, sobre as Forças Armadas, que insistem em não abrir seus arquivos sobre a repressão.


Há que sublinhar o mérito do governo Fernando Henrique Cardoso, bem como do ex-ministro José Gregori, ao reconhecer a responsabilidade do governo brasileiro diante da questão dos mortos e desaparecidos, bem como o empenho na indenização às vítimas e suas famílias.


Nenhuma vítima da ditadura, por questão de bom senso humanitário, encara essa iniciativa do governo Lula pela ótica da vingança. Não se trata de vingança, e sim de justiça. Aprendi no cárcere que o ódio destrói primeiro quem odeia, e não quem é odiado.


A nação, entretanto, tem o direito de resgatar a sua memória e corrigir aberrações jurídicas como a ‘anistia recíproca’ do governo Figueiredo. Inútil querer impedir que as famílias pranteiem seus mortos e clamem por seus entes queridos desaparecidos. E, a exemplo do Chile e da Argentina, o princípio elementar do direito exige que crimes, sobretudo aqueles cometidos em nome do Estado, sejam investigados, e seus responsáveis, punidos, para que a impunidade não prevaleça sobre a lei nem se perpetue como tributo histórico.


A memória brasileira tem sofrido tentativas de ‘apagão’ quando os conjurados mineiros são qualificados de inconfidentes (que significa aqueles que não merecem confiança ou não são capazes de guardar confidências, leia-se dedos-duros) e em episódios históricos como a Guerra do Paraguai, o massacre de Canudos e tantas outras rebeliões que semearam a nossa independência e forjaram a nossa identidade.


Não se pode admitir agora que um período trágico de nossa história, como foi a ditadura militar, fique relegado ao olvido com seus documentos tão desaparecidos quanto muitas de suas vítimas.


É meritório que o governo Lula tenha revogado o caráter de ‘sigilo eterno’ de documentos oficiais, conforme havia sido determinado pelo governo FHC, ao estabelecer prazo de 30 anos, prorrogáveis por mais 30, para que a sociedade tenha acesso a eles.


Espera-se que também esse longo período venha a ser revogado, para que interpretações falseadas e/ou equivocadas de nossa história não adquiram nos livros didáticos e na opinião pública status de verdade. ‘Direito à Memória e à Verdade’ soma-se ao crescente esforço de trazer à luz a realidade dos anos de chumbo. Aplausos para o cinema nacional, que exibe nas telas o caráter deletério do regime militar em produções recentes: ‘Zuzu Angel’, ‘Hércules 51’, ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’, ‘Batismo de Sangue’, ‘Ato de Fé’, ‘Conspiração do Silêncio’, ‘Caparaó’, ‘Quase Dois Irmãos’, ‘Barra 68’, ‘Cabra-Cega’ etc.


A Secretaria Especial dos Direitos Humanos -cujo empenho no combate à exploração sexual de crianças e na defesa dos direitos de indocumentados e portadores de deficiência física mereceria amplo espaço na publicidade oficial- ostenta agora o mérito de fazer jus à memória nacional.


CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO, o Frei Betto, 62, frade dominicano e escritor, é autor de, entre outras obras, ‘Batismo de Sangue’ (Rocco). Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004).’


VIOLÊNCIA & JORNALISMO
Folha de S. Paulo


Jornalista diz ter recebido ameaça de morte em AL


‘A jornalista free-lancer Maria Aparecida de Oliveira disse ter sido ameaçada de morte por quatro homens armados anteontem à tarde, em Arapiraca (122 km de Maceió).


Ela fazia uma reportagem sobre empresas em nome de fantasmas.


A ameaça ocorreu quando ela deixava uma das empresas visitadas. Diz ter ouvido que deveria sair da cidade ‘se quisesse continuar viva’. Ela não fez ocorrência porque a Polícia Civil está em greve.’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Os novos portos seguros


‘A bolsa ‘despenca’ e o dólar ‘dispara’, no dizer da Folha Online, que deu a mesma explicação de Market Watch, ‘Wall Street Journal’ e ‘Financial Times’ em suas manchetes: a ata do banco central americano, que ‘não confirmou’ a tão sonhada queda nos juros.


Em contraste, o ‘FT’ publicou o texto ‘Emergentes são os novos portos seguros’, de Jerome Booth. Diz que ‘o mundo está virando de ponta-cabeça’ e avalia que os emergentes hoje ‘são bem menos vulneráveis a choques externos, têm relações de dívida melhores que desenvolvidos, reservas, baixa inflação’ etc. etc.


VELHOS IMPÉRIOS


O ‘FT’ deu editorial contra a recente indicação européia à direção do FMI -e até apoiou a anticandidatura da Rússia.


Para o ‘FT’, para não virar ‘irrelevante’, o Fundo precisa escolher de outra forma. ‘Os emergentes não entendem mais por que europeus devem determinar a eles o que fazer em crises, como se os velhos impérios ainda existissem.’


Aconselhou que ‘os países em desenvolvimento devem votar contra, por princípio’. Para europeus e americanos, seria então ‘vitória de Pirro’.


CHINA, EUA E O G8


Não foi só aqui que ecoou a idéia do presidente francês de integrar Brics e outros ao G8.


O estatal ‘China Daily’ de ontem destacou que ‘os EUA deram recepção calorosa’ à proposição francesa, a ponto de o Conselho de Segurança Nacional divulgar que o tema ‘terá que ser discutido’ e que ‘nós’, os EUA, ‘partilhamos o objetivo de Nicholas Sarkozy de uma participação efetiva das grandes e crescentes economias no processo do G8’. Para o ‘China Daily’, foi uma mudança de posição.


BRASIL E O FUTURO DA WEB


O êxito do site de compartilhamento Fotolog no Brasil levou à sua compra por US$ 90 milhões -e fez o ‘WSJ’ destacar como os sites sociais são o alvo ‘mais quente’ da internet e, sobretudo, como o negócio ‘lançou luz sobre o papel do Brasil como árbitro para o sucesso na internet’. Os brasileiros são ‘indicadores de tendências futuras’ por se mostrarem ‘os mais intensivos’ ou ‘entusiastas do mundo’, a começar do uso de Orkut, MSN Messenger etc.


DE VOLTA AOS EUA


A ‘Forbes’ deu a campanha do Google para emplacar o Orkut nos EUA, agora com a ferramenta Socialstream. A motivação é ‘o potencial de publicidade’ dos sites sociais.


ÍNDIA E O ORKUT


Além de Brasil, também a Índia é ‘case’ de sucesso do Orkut. Mas também lá, como se lia ontem no ‘Economic Times’, cresce a pressão por controle de páginas ofensivas.


EM DEFESA DE MARC


De repente, Larry Rohter deixou as férias no ‘New York Times’, Leonard Doyle ecoou no ‘Independent’, mais AP etc. Todos com longas reportagens em defesa de Marc van Roosmalen, ‘primatologista’ holandês e nomeado ‘herói do planeta’. Condenado a 16 anos, ‘seu crime foi manter macacos órfãos em casa, na Amazônia, sem autorização’.


Seriam os ‘temores de biopirataria’, que vêm desde os anos 70, quando o laboratório Squibb tirou remédio ‘sem pagar os royalties a que os brasileiros pensam ter direito’.


O Supremo acolhe denúncia contra todos os 40 acusados no escândalo do mensalão. Quatro ex-dirigentes do PT se tornam réus por formação de quadrilha: o ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro Delúbio Soares, o deputado José Genoíno e o ex-secretário-geral do partido Silvio Pereira. Manchete do ‘JORNAL NACIONAL’ , ontem.’


TELEVISÃO
Daniel Castro


Globo processa Record por plágio de Faustão


‘O departamento jurídico da Globo prepara uma ação contra a Record por suposto plágio de seus programas ‘Domingão do Faustão’ e ‘Mais Você’ no ‘Show do Tom’, apresentado por Tom Cavalcante.


O argumento da Globo será semelhante ao usado pelo SBT em ação de 2005 que proibiu o mesmo ‘Show do Tom’ de imitar Silvio Santos e o ‘Qual É a Música?’: os quadros da Record são mais do que simples paródias e muitas vezes se caracterizam como cópias dos programas dos pseudo-homenageados, o que pode ser considerado plágio de formato.


No ‘Show do Tom’, Tom Cavalcante representa uma Ana Maria Braga estereotipada (que virou ‘Ana Maria Bela’) apresentando o ‘Mais Você’. Até o boneco Louro José tem sua versão na Record, o Galo José. O mesmo ocorre com Fausto Silva e seu ‘Domingão do Faustão’. A imitação burlesca é feita por Pedro Manso.


Os apresentadores da Globo não participarão da ação.


A Record disse que não se manifestará antes de ser notificada pela Justiça.


A emissora, por sua vez, também prepara uma ação de igual teor. Acusará na Justiça o SBT de plagiar o reality show ‘Simple Life’ em um quadro tosco do ‘Domingo Legal’, em que David Brazil, gay e gago, realiza atividades rurais. A Record, que anunciou que entraria com a ação no início de agosto, diz que fará isso nesta semana.


MISTÉRIOS 1 A tão esperada cena em que Taís (Alessandra Negrini) aparece morta em ‘Paraíso Tropical’ só será gravada hoje, véspera da exibição. Não há nada revelador na seqüência. Numa cena, ela abre a porta do apartamento de Daniel (Fábio Assunção) e reconhece alguém que as câmeras não mostram. Na seguinte, já é encontrada morta na cozinha pelo mocinho.


MISTÉRIOS 2 O capítulo de amanhã de ‘Paraíso Tropical’ foi entregue pelos autores há quase um mês. Mas as gravações não estão atrasadas, diz a Globo. Segundo a emissora, seguem apenas um roteiro de produção que prioriza as cenas externas, cenários e a agenda do elenco _e não a ordem de exibição. Hoje, por exemplo, será gravada uma externa que só irá ao ar dia 11.


DEFINITIVO O advogado Walter Vieira Ceneviva herdou definitivamente as funções de Marcelo Parada, que no dia 14 deixou a vice-presidência da Band.


ROMBO O último capítulo de ‘Vidas Opostas’ (Record) marcou 25 pontos, dois a menos do que a Globo no horário. Durante 45 minutos, bateu o blockbuster inédito ‘O Dia Depois de Amanhã’, atração da ‘Tela Quente’.


EMPATE A Band ficou a apenas dois décimos do SBT em todo o horário nobre de anteontem. Marcou 4,5 pontos, contra 4,7.


SEM NOTÍCIA Já o ‘Notícias das 6’, novo jornalístico da Rede TV!, estreou anteontem com apenas 1,3 ponto na Grande São Paulo.’


ENTREVISTA / LAERTE
Marco Aurélio Canônico


O velho pirata


‘Laerte Coutinho tem olhado para trás nos últimos tempos. Com dois livros ligados a seu passado chegando às livrarias, o cartunista, colaborador da Folha, diz se sentir velho, aos 56 anos. Os lançamentos são ‘Laertevisão’, uma coletânea dos cartuns que publica aos sábados na Ilustrada, baseados nas memórias de sua infância, e o primeiro dos três volumes de ‘Piratas do Tietê – A Saga Completa’, que reeditam sua criação mais célebre.


Mas Laerte tem mirado o futuro também. Quem o vê falar dos projetos em que está envolvido -uma animação dos Piratas, um filme da personagem Suriá, um desenho dos Tres Amigos para a TV, um livro inédito- fica intrigado com a fase de crise que diz atravessar.


A verdade é que a vida do cartunista tem passado por drásticas mudanças. Foi para ouvi-lo sobre tudo isso que a Folha foi até sua casa, em São Paulo. Veja a seguir o resultado.


FOLHA – Nos últimos anos suas tirinhas mudaram radicalmente.


LAERTE – É, porque eu perdi o jeito de um monte de coisas, de modos de fazer humor que eu tinha, de usar personagens. Tudo isso ficou esquisito, então passei a outros procedimentos. Em busca disso, passei dois anos fazendo uma tira absolutamente sem norte.


FOLHA – E por que você perdeu o jeito, como diz?


LAERTE – Cansou, por um monte de motivos, ficou… [pausa] Bom, é uma explicação que tem de passar pela morte do meu filho também [em um acidente de carro, em 2005], isso foi um divisor. Passei a ver e pensar as coisas de outro jeito, uma série de procedimentos começou a perder o sentido ou ganhar outros. Muito do que consistia a natureza das minhas tiras era um tipo de prestação de contas, como se eu as estivesse fazendo para algum juiz, era um modo extenuante de trabalhar. Passei a não achar mais graça no tipo de humor que fazia, não me identificava mais com aquele modo de fazer, então resolvi deixar de lado os personagens.


FOLHA – Para sempre?


LAERTE – Não, não quer dizer que eu os matei, só que fui atrás de outra coisa, fui buscar um modo de fazer que eu tinha aos 17 anos, algo bastante livre, indagativo, experimental, porra-louca. Fui atrás desse espírito.


FOLHA – Porque nessa fase você ainda não tinha o tal ‘juiz’, é isso?


LAERTE – Sim, claramente foi começar a trabalhar que desenvolveu isso. Quando eu comecei a desenhar, não tinha muito claro que seria humorista, desenhista. Eu queria ser músico, jogador de futebol, fazer teatro, tudo isso de uma maneira muito aberta e sem expectativa. Eu tentei ir atrás disso, trabalhar a linguagem de tiras em outro contexto, fazer pequenos contos, cada tira sendo uma peça autônoma. Abandonei padrões gráficos, procedimentos humorísticos que eu tinha e parti em busca de outras narrativas.


FOLHA – Tornou-se mais fácil, então, criar as tiras?


LAERTE – Não, não facilitou. Abriu possibilidades, mas era muito mais complicado, eu demorava mais para fazer as tirinhas. Aí, no fim do ano passado, cansei, fiquei sem rumo novamente e passei a republicar o material do Classifolha, os cartuns livres, achei que dava para tirar um ano sabático. Não que isso seja livre de trabalho, eu pego as tiras e reorganizo num tamanho diferente, o que às vezes implica em construções diferentes.


FOLHA – Por que esse novo estalo?


LAERTE – Porque até essa linguagem nova chegou a um ponto em que eu não sabia bem o que fazer. A isso, somou-se meu acerto com a editora Desiderata para produzir uma história longa, de 96 páginas, e inédita. Passei seis meses fazendo um roteiro e concluí que ele não funcionava, voltei à estaca zero, vamos ver se um dia frutifica.


FOLHA – Em que fase você está atualmente?


LAERTE – Estou ‘Laerte em crise’. Mas não é o fim do mundo, é um momento. Estou trabalhando nesse roteiro, acho que o resultado dele vai ser informativo para mim. Talvez eu volte a fazer as tiras como eu fazia, dentro do conceito aberto de pequenos contos.


FOLHA – Você já teve uma crise anterior, quando largou um casamento, um emprego formal e foi fazer quadrinhos. Elas se assemelham?


LAERTE – Sim. Na verdade, um pouco antes do acidente com meu filho, eu já estava mudando de rumo, já apontava o esgotamento da linguagem. Nesses momentos, é muito legal estar num jornal como a Folha, dois outros deixaram de publicar a tira porque ela ficou estranha, não tiveram paciência.


FOLHA – Alguns leitores reclamaram da mudança de estilo.


LAERTE – Teve desde a perplexidade positiva, uma curiosidade com vontade de ver mais, até gente que achou que não era mais a praia deles, além de leitores que se revoltaram contra algumas tiras específicas, como a que o personagem jogava golfe com a cabeça de um poodle.


FOLHA – Com essa mudança de foco, você passou a se importar menos com o julgamento dos leitores?


LAERTE – Sim, um pouco menos. Não tenho nenhum desprezo pelo leitor, mas passou a ter um peso diferente. É uma opinião, não quer ler, não quer renovar o contrato, tudo bem, acontece.’


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‘Somos ‘piratas’ em relação a regras’


‘Leia abaixo a continuação da entrevista com Laerte. (MAC)


FOLHA – Seus dois lançamentos e sua tira na Ilustrada são relacionados ao seu passado. Você está em uma fase revisionista?


LAERTE – É uma pergunta capciosa. Alguém que produz um livro de memórias não está fazendo uma coisa passadista, está usando como matéria-prima o que ele tem de experiência de vida. Mas eu acho que é verdade sim, não sei muito falar de projetos futuros, cheios de energia. Tem o longa-metragem dos Piratas, por exemplo [dirigido por Otto Guerra, que também fez ‘Wood & Stock’, de Angeli].


FOLHA – Qual seu envolvimento?


LAERTE – É grande, eu fiz o argumento e estou trabalhando no roteiro com o Gilmar Rodrigues. Vamos começar a fazer desenhos de produção, cenários, vou meter a mão.


FOLHA – E como é o roteiro?


LAERTE – É uma história inédita, na qual os Piratas ficam de posse de um documento assinado há 400 anos entre o dono do terreno onde fica São Paulo e uns bandeirantes, que alugam a área por todo esse tempo. Quando o contrato acaba, a cidade precisa ser devolvida aos herdeiros do dono, que são os Piratas.


FOLHA – Os Piratas são seus personagens que mais se destacaram?


LAERTE – Sim, acho que são os mais claros, têm mais peso. São um achado muito bom, estavam prontos como personagens, são auto-explicativos, misturam um fenômeno histórico que foi a pirataria com a visão romântica dela, que foi construída depois, no século 19.


FOLHA – Você fez pesquisa para chegar neles?


LAERTE – Sim, eu gosto do assunto. E os personagens se encaixam perfeitamente numa história urbana brasileira crítica e atual. Todo dia vemos exemplos de como nós, enquanto cultura, somos flexíveis ao ponto da pirataria em relação a regras e normas. A pirataria é algo muito compreensível para qualquer um no Brasil.


FOLHA – No editorial da revista ‘Piratas’ nº 1, em 1990, você perguntava qual era o plano geral do povo brasileiro. Já temos um hoje?


LAERTE – Naquele tempo eu tinha algum tipo de opinião nessa área, hoje eu tenho bem menos. Acho que é um autodesencanto, meus pontos de vista vão se comprovando errados à medida que o tempo passa. Já fui do Partido Comunista e tinha um código muito nítido de concepções, mas, com o tempo, fui perceber que eu não acreditava ou não entendia direito o que era aquele negócio. Fui largando coisas e minhas percepções estão cada vez mais líquidas. Não tenho mais uma opinião sobre o povo brasileiro.


FOLHA – E sobre o presidente Lula, que você conheceu na época em que trabalhava com os sindicatos?


LAERTE – Eu acho que ele é um cara legal. Não sei se é um bom presidente, o governo dele é bastante estranho, a diferença entre as coisas em que ele um dia acreditou e afirmou e o que ele pratica hoje enquanto presidente é bastante grande. Um dos problemas sérios do Lula foi que o partido [PT] que todos achávamos que existia junto dele não existia. Mas eu o conheço, votei nele e ainda o acho uma pessoa muito interessante, perseverante. Mas político é político, é outra estrada.


FOLHA – Num cartum de ‘Laertevisão’ você diz que foi um adolescente ‘parnasiano’. Que tipo de adulto é hoje?


LAERTE – Não sei te dizer. Acho que sou um adulto contemporizador, que põe panos quentes.


FOLHA – Você quase foi um coroinha quando criança e depois largou a religião. Mais tarde, transformou Deus em personagem. Qual sua relação com Deus hoje em dia?


LAERTE – Eu gostava das tirinhas de Deus, mas elas eram atéias. Não fiz as tiras para discutir religião, acho um tema empolgante, mas gosto de tratá-lo fora da fé. Gosto da mitologia que as religiões propõem, acho um modo muito criativo de ver a vida, não quero discutir se aquilo é mentira ou verdade. De certa forma, quando eu faço o personagem Deus, estou me colocando ali. Assim como o Deus do Allan Sieber é ele também, um sujeito com aquele nível de aguerrimento, bravo.


FOLHA – Falando em Sieber, uma boa parte da geração dele enfatiza a dureza da profissão de cartunista, a pobreza. Muitos tiveram origens humildes, enquanto você veio de uma família de classe média alta. Isso fez diferença na sua obra?


LAERTE – Acho que sim. Vivíamos bem, sempre tivemos carro, bife na mesa, essas coisas. Eu nunca precisei trabalhar e sempre tive liberdade total para escolher o caminho que quisesse. Mas muitos dos cartunistas que eu conheço tiveram problemas de sobrevivência. O Angeli, por exemplo, foi trabalhar, foi office-boy, era um menino que trabalhava e foi para a via do cartum com uma gana diferente da minha, era mais punk, um cara da classe operária. Eu fui porque gostava da coisa, não queria ser um diletante, mas minha posição sempre foi muito mais cômoda.


FOLHA – E como você vê a profissão de cartunista hoje em dia?


LAERTE – Está mais difícil, porque o preço caiu muito. O que se pagava pelo trabalho de humorismo gráfico na década de 1970 era claramente superior, assim como o espaço que essas linguagens ocupavam na mídia. Por exemplo, a ‘Playboy’ era uma maravilha para ilustradores, hoje não dá mais para contar com ela. Por outro lado, existem muito mais publicações, então pode-se dizer que o campo abriu bastante. Fora isso, os avanços tecnológicos, como programas de animação, colocaram linguagens que eram só sonhos, hoje são concretas. É possível uma pessoa como Sieber fazer um filme quase sozinho. Mas ainda é difícil ganhar a vida.’


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Bem-acabadas, obras resgatam o passado do autor


‘São dois passados bem distintos os que aparecem em ‘Laertevisão’ e ‘Piratas do Tietê – A Saga Completa’, as duas obras que Laerte está lançando. O primeiro livro traz sua produção mais recente, ainda em desenvolvimento -os cartuns que ele publica na Ilustrada aos sábados-, ‘um ramalhete de memórias pessoais e televisivas’, como descreve a contracapa do álbum. É também seu passado mais distante, sua infância e adolescência, do fim dos anos 50 ao início dos 70.


Ilustrada com muitas fotos, desenhos e anotações de infância, além de anúncios e recortes de revistas, é um passeio pela história da televisão brasileira e uma chave para entender o autor que viria depois.


O menino religioso, depois adolescente parnasiano, filho da classe média brasileira no tempo em que ela ainda não havia sido massacrada, alternava-se entre a cultura popular (seriados e desenhos da TV, gibis) e a erudita (com música, autores e pintores clássicos).


É dessa mistura, acrescida das experiências libertárias dos anos 70 (com sexo, drogas, política e rock’n’roll), que surgiria o criador dos Piratas do Tietê, cuja saga se iniciaria na ‘Chiclete com Banana’, do amigo Angeli, em 1986.


Fantasia e realidade


A idéia, que ele já havia executado com seu primeiro personagem, Leão, era colocar figuras de fantasia num cenário realista. Assim, a nau dos bucaneiros navegaria o poluído rio Tietê, na capital paulista.


‘Piratas do Tietê – A Saga Completa’ pretende relançar todas as histórias da corja comandada pelo Capitão, publicadas originalmente na ‘Chiclete’, na ‘Circo’ e em uma revista própria, homônima dos personagens, de vida breve.


O primeiro dos três volumes será lançado depois de amanhã, a partir das 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2.073, São Paulo, tel. 0/xx/11/3170-4033).


É um trabalho cuidadoso, organizado por Toninho Mendes, amigo e editor de Laerte, com capa dura, um perfil biográfico bastante detalhista (assinado por Marcelo Alencar) e cheio de fotos do cenário que inspirou o autor, a marginal Tietê da década de 1980.


Acima de tudo, ali estão histórias clássicas dos Piratas, como ‘O Jacaré do Tietê’ e a da Orca do Playcenter.


LAERTEVISÃO


Editora: Conrad


Quanto: R$ 46 (126 págs.)


PIRATAS DO TIETÊ


Editoras: Devir e Jacaranda


Quanto: R$ 52 (112 págs.)’


AMIGO PAGO
Marcelo Coelho


Do virtual ao personal


‘NO COMEÇO, fiquei assustado. Mas talvez não seja especialmente horrível a notícia que li na Folha deste domingo, sobre a mais nova profissão do mundo.


Trata-se do ‘personal amigo’, e o nome, por si só, já é um poema. Amigos, por definição, sempre serão pessoais; o ‘personal amigo’ inverte o sentido da expressão.


Você paga uma taxa -que vai de R$ 50 a R$ 300, imagino que de acordo com a qualidade do profissional- e fica com uma pessoa para conversar, ir com você ao shopping ou tomar uma água de coco durante sua caminhada. Nada de sexo: o ‘personal amigo’ só faz companhia a seus clientes, nada mais do que isso.


O fenômeno é incipiente, e nada garante que não venha a sofrer grandes mutações. Um motorista particular com diploma universitário, um ‘personal trainer’ mais falante e eclético, um enfermeiro sem uniforme branco, um guarda-costas mirrado poderiam exercer, quem sabe, a mesma função. De resto, há pouquíssimos profissionais em atividade, pelo que diz a reportagem.


Seria fácil pôr as mãos na cabeça e ver nessa novidade mais um sintoma da extrema mercantilização da vida cotidiana dentro dos quadros do capitalismo avançado. Creio que não se trata disso. Ninguém confundiria o ‘personal amigo’ com um amigo de verdade. E, se cliente e profissional vierem de fato a se tornar amigos, seria como nos casos, não de todo incomuns, em que, entre a prostituta e seu freguês, surge algum tipo de ligação sentimental. Namoro, amizade, relacionamento? Acho bom que a extrema variação das emoções humanas não fique limitada a duas ou três palavras.


De resto, ninguém é amigo do mesmo jeito com todo mundo. Minha amizade com A tem características bem diversas da que tenho com B.


É possível, também, que eu dedique mais confiança a um ‘personal amigo’ do que a um amigo normal. Como saber se o sujeito que contratei não irá me seqüestrar?


Será que não é isso o que os clientes, em segredo, procuram? Penso em várias hipóteses. O cliente pode estar à procura de um desconhecido em quem confiar: eis uma novidade, em cidades violentas, onde aproximar-se de alguém para pedir uma informação qualquer já pode suscitar reações de pânico.


Ou talvez o contrário: o medo de assalto e de seqüestro é tão grande que um dos modos de exorcizá-lo seria justamente o de chegar mais perto dos limites do perigo, buscando na internet um acompanhante. O mesmo valeria para eventuais desejos homoeróticos: contrata-se um serviço que teria tudo para parecer sexual, mas não é. Paga-se uma taxa para negar o desejo que talvez se sinta.


Claro que, com tudo isso, minimizo o papel, obviamente decisivo, da solidão pura e simples. E da vergonha da solidão. Há ocasiões, de fato, em que ‘não pega bem’ estar sozinho. Conheço quem deteste ir ao cinema desacompanhado, por exemplo.


Um outro fator pode estar em jogo nessa ‘personalização’ do cotidiano. O ‘personal trainer’, o ‘coach’ que prepara executivos para palestras ou depoimentos numa CPI não estão aí apenas para anestesiar a solidão individual. Menos que companhia, oferecem ao indivíduo uma dose de atenções, de cuidados. As esposas de antigamente arrumavam a gola do paletó de seus maridos. Hoje, o corpo, a fala, a expressão do rosto são outros paletós de que é preciso cuidar também.


Recebi pela internet o anúncio de uma psicoterapeuta que acompanha seus clientes nos locais em que se sentem inseguros. Analisa, por exemplo, o comportamento de uma jovem no barzinho que ela freqüenta, para entender melhor por que razão, sendo bonita, nunca se torna alvo de cantadas.


Mandaram-me também a notícia de que um site de livros eletrônicos entrega pelo correio uma fita adesiva para grudar no computador. A fita tem cheiro de livro real.


Eis aí, quem sabe, o segredo do ‘personal-qualquer coisa’. Ficamos muito tempo navegando no mundo virtual. Há o medo e a necessidade de entrar em contato físico com a realidade. Contrata-se um ‘personal amigo’: pode ser um amigo falso, mas é uma pessoa real.


A solidão pode ser driblada nas conversas pela internet. Mas não é apenas distração e conversa o que se procura: há, como nos adesivos com cheiro de livro verdadeiro, necessidade de coisa mais profunda, quem sabe até se religiosa; penso em termos como presença, calor, vida e comunhão.’


INTERNET
Folha de S. Paulo


Usuários do Second Life vão à Justiça real


‘DA ASSOCIATED PRESS – Não foi Kevin Alderman quem levou o sexo para dentro do Second Life. Ele inovou mesmo ao levar, ao mundo virtual, questões jurídicas reais entre avatares (representações dos usuários no SL). O empresário vende um pacote de programação que dota os avatares do SL de posições eróticas. Segundo Alderman, outro usuário copiou seu produto, o SexGen, que é protegido por leis de direitos autorais. No mês passado, Alderman deu início a um processo judicial, nos EUA, contra o avatar Volkov Catteneo, cujo nome real ainda é desconhecido. Antes, ele e seu advogado entraram em contato com Catteneo. A resposta: ‘O que vocês vão fazer? Vão me processar?’. ‘O objetivo dessa ação também é mostrar que alguém pode ser processado e levado à Justiça’, disse Alderman. Catherine Smith, diretora de marketing da Linden Lab, produtora do SL, afirmou desconhecer outro enfrentamento jurídico real entre avatares. ‘Virtualmente, todos os aspectos da vida real vêm sendo duplicados, e as leis aplicáveis ao mundo real estão sendo aplicadas dentro do SL’, afirmou Jorge Contreras, advogado especializado em questões de propriedade intelectual. Tradução de RODRIGO CAMPOS CASTRO’


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O Estado de S. Paulo


Quarta-feira, 29 de agosto de 2007


ECOS DA DITADURA
Vannildo Mendes


Lula lança livro sobre ‘crimes da ditadura’


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa hoje às 15 horas, no Palácio do Planalto, do lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, sobre crimes contra militantes políticos durante a ditadura militar. Aborda período de 1961 a 1988, quando o País já estava em processo de redemocratização.


Organizada pelo secretário nacional de Direitos Humanos, ministro Paulo Vannuchi, a publicação reabre feridas ao acusar, pela primeira vez em documento oficial, as forças de repressão por crimes contra a humanidade – como torturas, decapitações, esquartejamentos, estupros e ocultação de cadáveres de vítimas do regime.


O livro propõe que sejam cobradas explicações das Forças Armadas, cujos comandos receberam a obra em silêncio. Alguns órgãos representativos da categoria, como o Clube Militar, preparam nota de repúdio à publicação. Para Vannuchi, não há razão para temores.


‘O livro tem objetivos humanitários, sinaliza a busca da concórdia e o sentimento da reconciliação nacional’, disse. ‘Nenhum espírito de revanchismo ou nostalgia do passado será capaz de seduzir o espírito nacional, mas também o silêncio e a omissão não ajudam na superação de um passado que ninguém quer de volta.’


O ministro da Defesa, Nelson Jobim, que comanda a área militar, não quis se manifestar antes de conhecer a publicação. O lançamento, segundo Vannuchi, marca os 28 anos da publicação da Lei de Anistia e os 12 anos de trabalho da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, criada no governo Fernando Henrique Cardoso. Na época em que o colegiado foi criado, em 1995, Jobim era ministro da Justiça e coordenou a elaboração do texto.


HISTÓRIA


A obra recupera a história de mais de 400 militantes políticos atingidos nos anos de chumbo. ‘É um trabalho histórico, em que o Estado reconhece os direitos dos familiares dos mortos e desaparecidos’, disse o presidente da comissão, Marco Antônio Barbosa. ‘O livro significa o resgate da memória, da verdade e, portanto, da justiça, sem revanchismo. Foi um trabalho de Estado, não de governo.’


O livro relata que a maioria das mortes de militantes se deu em prisões, ‘sob intensas torturas’. Alega que os depoimentos tomados nas Forças Armadas até agora não foram suficientes para localizar os corpos das vítimas, um direito sagrado dos familiares, para em seguida sugerir a criação de uma instância administrativa permanentemente e aberta, destinada a interrogar policiais e militares envolvidos, direta ou indiretamente, nos episódios.


Sob a coordenação de Jobim, o governo editou em 1995 – transformado em lei em dezembro do mesmo ano – decreto que criou a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Os objetivos eram reconhecer formalmente cada caso, aprovar a reparação indenizatória e buscar a localização dos restos mortais que nunca foram entregues para sepultamento. No governo Lula, a lei teve a sua abrangência ampliada e praticamente se concluiu o exame de todos os casos apresentados.


INDENIZAÇÕES


Formada por representantes de órgãos do governo, das Forças Armadas, do Ministério Público Federal, dos familiares dos mortos e desaparecidos e da Câmara, a comissão analisou, investigou e julgou 339 casos, garantindo a indenização de 221, além dos 136 já constantes no anexo da lei. Desses, 118 casos foram indeferidos.


O levantamento de informações foi feito por familiares e advogados, com base em depoimentos de outros presos, de agentes do Estado, pessoas envolvidas no processo de repressão e em documentos encontrados em arquivos públicos, abertos a consulta.


As indenizações foram de, no mínimo, R$ 100 mil e a maior de R$152.250,00 – paga à família de Nilda Carvalho Cunha, morta aos 17 anos de idade.


FRASES


Paulo Vannuchi


Secretário nacional de Direitos Humanos


‘O livro tem objetivos humanitários, sinaliza a busca da concórdia e o sentimento da reconciliação nacional’


Marco Antônio Barbosa


Presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos


‘O livro significa o resgate da memória, da verdade e, portanto, da justiça. Foi um trabalho de Estado, e não de governo’’


Luiz Gonzaga Lessa


É útil para o País tratar da história recente?


‘NÃO: O governo federal lança hoje, em Brasília, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o livro Direito à Memória e à Verdade – que é um amplo levantamento com perfis de mortos e desaparecidos políticos nos anos do regime militar. Como o senhor vê o lançamento da obra?


Não vejo nenhuma utilidade e considero chocante o patrocínio da Presidência da República a esse procedimento.


Por quê?


É uma publicação que não constrói nada, não olha para a frente. Nós vivemos um período no qual devemos nos preocupar em olhar para a frente, em busca da unidade e do entendimento nacional – em vez de ficarmos continuamente olhando para trás, remexendo o passado. A Lei da Anistia veio para os dois lados envolvidos nos episódios daqueles anos. Mas tem um lado que parece não querer entender a anistia dessa maneira.


O senhor se refere aos familiares dos mortos e desaparecidos naquele período?


Falo do lado que conduziu o movimento subversivo, as ações revolucionárias, os atentados. Esse lado tem todos as benesses da anistia, mas parece que nunca a aceita. Eles montaram uma verdadeira indústria de indenizações, com valores milionários. Pessoas que tiveram pouquíssima influência naquelas ações do passado se aproveitaram dessa situação para obter grandes indenizações.


Familiares de mortos e desaparecidos insistem em que as Forças Armadas sonegam até hoje informações sobre como e onde eles morreram.


Os fatos já estão esclarecidos. Estão todos aí. Tudo que a Força sabia foi liberado. Tanto é verdade que as famílias estão recebendo indenizações com base nessas informações. Podem estar reclamando sobre o que ocorreu no Araguaia, mas aí não existem mais as informações.


O choque que o senhor sente ao ver o presidente participar do lançamento é sentido também entre os militares da ativa?


Acho que isso causa amargura em toda a Força – e não me refiro só à reserva. Eu escuto meus companheiros, sei dos seus sentimentos e sei que há um sentimento de amargura geral.


Por quê?


Porque fica claro para todos nós que existe um grupo de brasileiros que até hoje não aceitou a Lei da Anistia, que só quer tirar vantagem desse processo, que não quer a paz nacional para o Brasil. Como já disse, há uma imperiosa necessidade de todos nós olharmos para a frente – e não ficar remexendo em coisas que não vão levar a lugar nenhum. O risco disso tudo é apenas desencadear mais ódio entre brasileiros, mais indignação.


* Luiz Gonzaga Lessa é general da reserva, ex-presidente do Clube Militar e ex-comandante militar da Amazônia’


***


Maria Amélia de Almeida Telles


‘SIM: O anúncio do lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, previsto para hoje, tem causado irritação entre setores das Forças Armadas – que preferem não ficar remexendo em episódios envolvendo mortos e desaparecidos políticos. Na sua opinião, qual a importância desse lançamento?


Ele representa o reconhecimento oficial da história a respeito da participação dessas pessoas na luta de resistência à ditadura militar. Serve para trazer a público, apresentar à sociedade brasileira quem foram essas pessoas que lutaram, quais eram os seus ideais e como viveram. Eram pessoas compromissadas com a democracia, com a história deste país.


É também uma contribuição para o esclarecimento do que foram aqueles anos?


Sem dúvida. Atualmente, quando se fala em ditadura na América Latina, muita gente pensa na Argentina, no Uruguai, no Chile, mas esquece do Brasil. É preciso lembrar sempre que houve ditadura por aqui e que ela teve conseqüências sérias e graves. O livro é uma espécie de reencontro com a história.


Ele é útil ao conjunto da sociedade, ou serve apenas aos familiares?


Trata-se da história do povo brasileiro que está sendo contada para o povo. Dizer que essas pessoas que lutaram pela democracia tinham rosto, história, biografia é importante para a sociedade. Ajuda a elevar a auto-estima e a dignidade do povo.


Os militares dizem que não existem mais novidades sobre esses assuntos, que tudo já foi contado e recontado.


Pode ser que para eles não exista nenhuma novidade – porque eles têm muito mais informações do que nós, que ainda lutamos pela abertura dos arquivos militares, dentro do Movimento Desarquivando o Brasil. Para nós e o conjunto da sociedade, o livro, com nomes, fotos, histórias, todos os indícios possíveis até agora, podem contribuir na busca pelos corpos. Esse também é um dos seus objetivos.


Também se diz que o livro serve para alimentar uma indústria milionária de indenizações pagas aos familiares de desaparecidos.


É uma bobagem. O livro não vai modificar nada. Os familiares de todas as pessoas mencionadas no livro já receberam indenizações, quase simbólicas, diga-se de passagem, há muito. Esse é um argumento totalmente descabido.


É provável que nenhum representante militar participe do lançamento do livro, em Brasília. O que você acha disso?


É lamentável eles não estarem presentes, porque são os que têm mais condições de dizer a verdade, que, apesar de todos os esforços feitos pelos familiares, ainda não está inteiramente contada no livro.


* Maria Amélia de Almeida Telles, a Amelinha, integra a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos’


CPI DA TVA/ABRIL
Denise Madueño


Oposição é contra CPI da TVA


‘Apesar de o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), ter comunicado que viu fato determinado para a criação da CPI da venda da TVA, do Grupo Abril, para a Telefônica, os líderes do DEM, Onyx Lorenzoni (RS), do PDT, Miro Teixeira (RJ), e do PSDB, Antonio Carlos Pannunzio (SP), contestaram a abertura das investigações. Para eles, a CPI é uma retaliação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ao Grupo Abril, dona da revista Veja, que tem publicado denúncias contra o senador.


Em discursos, os líderes apresentaram questionamentos a Chinaglia para evitar a CPI. Lorenzoni acusou Renan, ‘desafeto da Veja’, de usar a Câmara numa questão pessoal para ‘cercear e intimidar a liberdade de imprensa’. Para ele, a CPI não pode ‘ser utilizada de modo leviano, iniciando-se por capricho ou perseguição política’.


Pannunzio argumentou que a transferência de ações do Grupo Abril para a Telefônica não foi ainda concretizada porque a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ainda vão analisar o negócio e, portanto, não há objeto para a CPI.


‘Vamos fazer CPI para quê? Para desagravar Renan Calheiros porque uma revista foi fundo nas investigações? A Câmara não pode ser instrumentalizada para defender interesses que não são da Casa’, disse Pannunzio, em discurso.


Miro Teixeira contestou Chinaglia sobre a análise do fato determinado para a investigação. ‘Não existe o anúncio de ilicitude do que se quer apurar’, afirmou. Chinaglia disse que analisaria os questionamentos antes de decidir. O deputado Wladimir Costa (PMDB-PA), autor do pedido da CPI, disse: ‘Quem não deve não teme. Qual o problema de se instalar essa comissão?’’


***


SIP preocupada com represália


‘A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) declarou que vai acompanhar de perto a possível investigação que o Congresso realizará sobre os vínculos comerciais entre a Telefônica e o Grupo Abril para evitar que sejam violados ‘princípios que podem prejudicar o livre fluxo informativo e o direito do público de receber informações’.


Em carta ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, o presidente da SIP, Rafael Molina, e o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, Gonzalo Marroquín, expressaram a preocupação de que a decisão do Congresso possa estar relacionada a uma represália do presidente do Senado, Renan Calheiros, acusado pela revista Veja, publicada pela Abril, de envolvimento em corrupção.


Em 18 de julho último, a Agência Nacional de Telecomunicações aprovou a parceria entre o Grupo Abril e a Telefônica.’


MERCADO EDITORIAL
O Estado de S. Paulo


Cia. das Letras publicará obra de Jorge Amado


‘A Companhia das Letras venceu ontem a concorrência entre 8 editoras para publicar a obra completa do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001). São 35 livros escritos entre 1931 (O País do Carnaval) e 1997 (O Milagre dos Pássaros). Segundo o editor Luís Schwarcz, o projeto envolve parcerias com outras instituições para, entre outras iniciativas, realizar campanhas educacionais e gravar um disco. As novas edições estarão à venda em 2008.’


TELECOMUNICAÇÕES
O Estado de S. Paulo


Telefônica condenada por venda casada


‘A Justiça de Bauru (SP) determinou que a Telefônica deixe de exigir que usuários do Speedy contratem paralelamente um provedor de acesso à internet. A prática foi considerada venda casada. A empresa tem 30 dias para comunicar a desobrigação aos seus 1,8 milhão de assinantes. Também terá de ressarcir gastos dos clientes com provedor, acrescidos de juros e correção, a partir de setembro de 2003. A Telefônica pretende recorrer.’


INTERNET
O Estado de S. Paulo


Mesa-redonda debate credibilidade na web


‘Credibilidade e responsabilidade na internet é o tema da mesa-redonda que o Grupo Estado promove hoje, às 19h30, reunindo jornalistas, blogueiros e publicitários. O assunto ganhou recentemente destaque na blogosfera por causa da polêmica em torno da campanha publicitária criada pela agência Talent para o novo Estadao.com.br. O evento será transmitido ao vivo pela internet, em www.estadao.com.br. O debate será mediado por Paulo Lima, editor da Trip Editora.’


TELEVISÃO
Leila Reis


‘Copiar o que é bom só faz bem’


‘Mês que vem, entra no ar o canal de notícias Record News no lugar da Rede Mulher (UHF 42) para utilizar melhor todo o material produzido pelo jornalismo da emissora, diz Alexandre Raposo, de 36 anos, presidente da Rede Record. Nesta entrevista exclusiva, Raposo conta que a rede tem 5 mil funcionários, pretende continuar buscando afiliadas da concorrência para ampliar sua área de cobertura (a última foi a TV A Crítica, de Manaus, do SBT) e como conseguiu vencer a Globo na disputa pelos direitos e transmissão das Olimpíadas de Londres (2012). ‘Oferecemos mais visibilidade ao evento’, diz. E que chegou a vez de a Globo copiá-los: ‘Fizemos novela na favela e agora eles vão construir favela cenográfica.’


Notícia traz dinheiro?


Traz, sim. Por isso hoje ela tem grande participação no faturamento da Record. O jornalismo é responsável por 35% da receita, as novelas trazem 35% e os programas de entretenimento, 30%. O investimento em informação – nesse quesito incluo programas que não são de jornalismo mas que lidam com ela (Hoje em Dia e Tudo a Ver), é o grande responsável pelo crescimento da audiência da Record.


Como é que a inauguração da Record News se encaixa na estratégia da emissora?


O nosso jornalismo trabalha muito e não temos grade para exibir tudo o que ele produz. Como temos muito conteúdo, fizemos a parceria com a Rede Mulher para oferecer 24 horas de notícias. É uma maneira de fortalecer a marca Record e também de atingir um público qualificado em UHF.


A Record acaba de tomar a TV A Crítica, de Manaus, do SBT. Quantas afiliadas vocês tiraram do SBT?


Foram três no último ano: Recife, Maceió e Amazonas. Mais importante do que a expansão da rede, que cobre hoje 98% do território nacional, é a possibilidade de melhoria do sinal com a subida de satélite. Com a TV A Crítica, vamos chegar a 90% do Estado do Amazonas a partir de 1º de setembro.


Como é que acontece a negociação com as afiliadas?


Entendemos que mesmo sendo uma rede nacional, a emissora tem de dar a oportunidade para as pessoas se verem na TV. Por isso, ao fazer o contrato, exigimos que a afiliada se comprometa a produzir pelo menos quatro horas de programação local, sendo a metade dedicada ao jornalismo. A programação local da Globo na praças é muito pequena, portanto, nosso diferencial é esse.


Qual foi o investimento da Record nos últimos dois anos?


Contando infra-estrutura, equipamentos e contratações foram US$ 300 milhões.


Como o senhor encara a acusação de copiar a Globo?


Focamos no que de melhor existia no Brasil. E fomos além, porque agora é a Globo que está nos copiando. Nós fizemos Vidas Opostas na favela e soube agora que a Globo vai construir uma favela cenográfica para uma novela. Copiar o que é bom faz bem.


Qual é o faturamento da rede?


Este ano será de US$ 1,3 bilhão, 30% maior que o do ano passado.


O senhor poderia dizer qual é a chave para a conquista de audiência?


Sei que conquistamos a vice-liderança com a estabilidade na grade de programação: há três anos que o telespectador sabe o que vai encontrar em cada horário. Além, claro, de termos construído uma programação com conteúdo.


Esse poderia ser o motivo de o Cidade Alerta ter saído do vídeo?


Foi para melhorar o conteúdo da programação. Mudamos o programa, mas o público não percebeu. Como a imagem de sensacionalista, de violento não se descolou do programa, o Cidade Alerta deu lugar à novela Escrava Isaura. A orientação agora é trabalhar matérias policiais no jornalismo em outro tom: em forma de prestação de serviço e com responsabilidade.


O que fez a Record para vencer a Globo na disputa pelos direitos das Olimpíadas de 2012?


Claro que propusemos mais dinheiro do que a Globo, mas o que decidiu foi o projeto. Eles estavam insatisfeitos com o aproveitamento dado pela Globo ao evento e nossa proposta ofereceu uma visibilidade muito maior (incluindo a Record News) para as competições, além do apoio dos programas. Vamos dar um número maior de horas de cobertura para os jogos de Londres e também vamos cobrir as Olimpíadas de Inverno em Vancouver, Canadá, em 2010.


Vocês vão negociar esses direitos com outras emissoras?


Vamos buscar parceiros, mas jamais vamos vender para a Globo. Ela nos vendeu os direitos da Copa do Mundo? A exclusividade é uma questão de concorrência.


Por que razão a Record fez sua central de produção de novelas no Rio e não em São Paulo?


Os estúdios do Renato Aragão já estavam quase prontos e tinham capacidade para crescer, como aconteceu. Hoje temos capacidade de produzir três novelas simultaneamente. Além disso, os artistas moram no Rio de Janeiro. E mais fácil para os atores de São Paulo viajar ao Rio para gravar do que o contrário.


Onde a Record internacional tem mais audiência?


A Record internacional está em 130 países. Em Portugal, somos líderes e na Inglaterra somos vistos por 8 milhões de pessoas. Mas nossas novelas foram vendidas para outras emissoras de 30 países.


O que o senhor considera programa bom e programa ruim?


Bom é aquele que traz alegria, informa e faz pensar. Ruins são os que expõem a vida das pessoas de forma sensacionalista.


Como fazia o Cidade Alerta?


Na fase antiga, porque nós mudamos o programa, mas as pessoas não perceberam.


O senhor pode dar exemplos?


O programa Hoje em Dia é um bom programa, porque mistura informação e entretenimento. Ruim é o Linha Direta, que expõe a dor de famílias, quase sempre humildes, fazendo de conta que está à procura de solução para os crimes.


Aonde a Record quer chegar?


À casa das pessoas com um padrão de qualidade que o Brasil reconheça e nos dê o primeiro lugar.’


Keila Jimenez


Vidas Opostas registrou 25 pontos


‘Bruce Willis e seu Duro de Matar seriam fichinha perto do final de Vidas Opostas, novela da Record que terminou anteontem. Não, não por obra das cenas primorosas de ação, e sim pelo abuso na pancadaria.


Espancamentos, tiroteios, mortes e sangue, muito sangue, tomaram conta do encerramento da novela, que bateu seu recorde de audiência.


O último capítulo do folhetim, no ar das 22h03 às 23h32 , registrou média de 25 pontos e 40% de share (participação da emissora no total de ligados), mantendo a Record por 44 minutos na liderança do Ibope. A Globo manteve a liderança no horário total , com 27 pontos. O SBT registrou 4 pontos no período. Os dados são de São Paulo, onde cada ponto equivale a 54,4 mil lares.


Foi o melhor índice já registrado por um folhetim da Record. Antes de Vidas Opostas, o recorde pertencia a Prova de Amor, em 17 de julho de 2006, com 23 pontos de média. Vidas Opostas vinha registrando patamar de 15 pontos.


Grande parte desse ibope esperava pelo desfecho do vilão Jacson (Heitor Martinez), que após matar metade do elenco, acabou morto nos braços de sua amada.


James Dean do Projac


Bruno Gagliasso tira aquela jaqueta jeans de Ivan para repousar na prisão em Paraíso Tropical. É que Daniel (Fábio Assunção) volta ao enterro de Taís (Alessandra Negrini) e vê o bastardinho, até então foragido. O mocinho denuncia o vilão. É cena prevista para segunda.


entre-linhas


A série Mothern, uma produção da Mixer com o canal pago GNT, está entre os semifinalistas na categoria série dramática ao Prêmio Emmy International 2007.


Outra produção da Mixer, Europa Paulistana, feita com o canal pago Eurochannel, também concorre à premiação na categoria minissérie.


Amaury Jr. chegou à massa. Seu CD, um sucesso de vendas, é também hit entre os camelôs da Rua 25 de Março.


O Brasil Urgente voltou a bater o SBT em audiência anteontem no horário, segundo medição na Grande São Paulo. O noticiário registrou 6,6 pontos de ibope, ante 6,4 pontos do SBT.


Em tributo aos 25 anos do Jornal da Globo, William Waack enfoca, na edição desta sexta, o olhar analítico que caracteriza o JG ao longo de toda a sua trajetória.


O pique-pique do Jornal da Globo merecerá ainda, entre amanhã e sexta, imagens e trechos históricos no JG – como uma participação especial de Carlos Drummond de Andrade em 1986.


A Record mantém a política de assédio aos atores da Globo, principalmente àqueles atualmente no ar em Paraíso Tropical, com contrato por obra certa. Por isso mesmo, a Globo correu e tratou de renovar contratos dos mais novatos, como o de Gustavo Leão, o chato dos ringtones da trama.’


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