Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Estado de S. Paulo

ENTREVISTA / LULA
Tânia Monteiro, Vera Rosa, Rui Nogueira e Ricardo Gandour

‘Quem se acha insubstituível vira um ditadorzinho’

‘Um presidente da República que prega as virtudes da democracia, exalta a elementar regra da alternância do poder e demonstra apenas incômodo com os desdobramentos do julgamento do mensalão, no Supremo Tribunal Federal. ‘Quem errou pagará pelo erro’, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na primeira entrevista exclusiva ao Estado desde que chegou ao poder.

Visivelmente irritado com os comentários de que deseja espichar sua permanência no Planalto ao defender uma Constituinte exclusiva para votar a reforma política, Lula diz que nem com o povo na rua aceitaria um terceiro mandato consecutivo. Ele justificou assim o ‘repúdio’ ao terceiro mandato: ‘Quando um dirigente político começa a pensar que é imprescindível, que ele é insubstituível, começa a nascer um ditadorzinho.’ E acrescentou: ‘Não tem essa de o povo pedir. Meu mandato termina no dia 31 de dezembro de 2010. Passo a faixa para outro presidente da República em 1º de janeiro de 2011, e vou fazer meu coelhinho assado, que faz uns cinco anos que eu não faço.’

Lula revelou, porém, que não será um espectador da sucessão: ‘Não ficarei neutro. Tenho posição política, tenho partido. E quero subir em palanque’, anunciou. Não disse qual, sob o argumento de que, quando tomar essa decisão, uma ‘flecha’ será apontada para a cabeça do indicado. Mas, para desespero do PT, pregou uma candidatura única da base que dá sustentação ao governo, em 2010.

Dois anos depois de afirmar que o PT deveria pedir desculpas pelo caixa 2, o presidente mostrou que a ressurreição do mensalão no noticiário provoca desconforto político. ‘Um dia isso vai acabar’, desabafou. Aos erros da gestão da crise aérea, o presidente devota uma naturalidade que remete sempre a um processo. ‘Pagamos um preço, e agora é preciso consertar.’

Sucessão

Presidente, o sr. já pediu aos partidos aliados que se entendam sobre as eleições municipais do ano que vem e que o ideal seria ter um candidato único da base para 2010. Mas o PT, no 3.º Congresso, que começa esta semana, em São Paulo, vai destacar a necessidade de ter um candidato próprio à sua sucessão. A base pode implodir?

Seria prudente que nós aprendêssemos algumas lições que a vida ensina. Muitas vezes, a disputa se dá por interesse pessoal de um indivíduo, que quer marcar posição sendo candidato a alguma coisa. Se ele tem sucesso, ótimo. Se ele não tem, todos ficam com o prejuízo de uma derrota eleitoral. Tenho ponderado aos presidentes dos partidos da base que seria importante que eles conversassem e começassem a mapear a possibilidade de alianças políticas nas prefeituras das capitais e das cidades mais importantes do País. Se as direções não conversam antecipadamente, permitem que o jogo eleitoral e o interesse iminentemente municipal determinem a política local e o conflito nacional. Onde é possível construir aliança política para disputar, por exemplo, 2008? Onde é possível ter candidaturas próprias? Esse gesto pode facilitar a candidatura em 2010.

Como é que isso facilita?

Para quem tem uma base heterogênea, como nós temos – e qualquer presidente constrói uma base heterogênea por causa da realidade política brasileira -, vocês perguntam como é possível construir uma unidade para escolher um candidato para enfrentar os adversários em 2010. Obviamente que eu não penso nisso fora de hora, só vou pensar nisso no momento certo. Não é uma eleição pequena. É uma eleição que envolve uma candidatura a presidente e vice, candidaturas de 27 governadores, de 54 senadores. Portanto, tem cargo para todo mundo disputar, tem possibilidade para todo mundo.

Esse candidato não será necessariamente do PT?

Se a gente tiver juízo, a gente constrói essa candidatura única. Ser do PT ou não ser do PT é um problema que o partido vai ter de decidir. Eu acho improvável que um partido do tamanho do PT decida não ter candidato. Assim como é bastante provável que todos os outros partidos da base apresentem candidatos. Mas é importante que o PT esteja disposto a conversar, e que a gente construa a possibilidade de ter uma candidatura única da base.

O que o PT decidir no 3.º Congresso não é determinante?

Não. PT, PMDB, PDT e PSB podem decidir ter candidaturas próprias. Na hora em que tivermos todos esses nomes, vamos começar a discutir, fazer projeções, pesquisas para saber quem tem melhores condições de ser candidato. Porque se tiver duas candidaturas, a posição do presidente já fica delicada para entrar em campanha. Se tiver quatro, fica muito mais delicada. E tudo vai depender de como o governo chegará ao final do mandato. Já tivemos na história do Brasil presidentes que chegaram ao final do mandato e nenhum candidato queria que eles subissem no palanque. Mas eu quero chegar forte ao fim do mandato para ter influência no processo sucessório. Não ficarei neutro. Tenho posição política, tenho partido. E quero subir em palanque.

Qual é o perfil ideal desse candidato único?

É aquele que dê continuidade à política que estamos plantando agora. Quando a gente assume um compromisso da importância de colocar R$ 504 bilhões para produzir melhorias na vida dos brasileiros até 2010, isso vai formar uma carteira de obras no Brasil que, se você não deixar isso parar mais, você tem a chance de, em pouco tempo, dar ao Brasil todo o melhoramento que o Brasil precisa, desde saneamento básico até portos, aeroportos, gasodutos e rodovias. Se você trunca a política social, ela perde a eficácia. Se continuar todo ano aumentando um pouquinho, você consolida um país com uma classe média forte e uma classe média baixa, mas com poder de sobrevivência com dignidade. Essa combinação é que vai transformar o Brasil em um país definitivamente justo.

O que é exatamente essa combinação de classe média forte com classe baixa digna?

Você tem uma classe média que nem precisa do governo. Que tem como sobreviver, como estudar, que tem um poder de compra razoável. Se você não atrapalhar a vida dessa classe média, e ajudar os de baixo a subir um degrau, você está construindo um padrão de país justo. Nunca estivemos tão próximos de atingir esse estágio. Se a economia continuar crescendo 5%, se a gente continuar com uma forte política social, esse mundo está próximo de ser construído no Brasil.

O sr. gostaria de entregar seu governo a uma mulher? Uma Dilma Rousseff (ministra-chefe da Casa Civil), uma Marta Suplicy (ministra do Turismo)?

As mulheres estão em ascensão. Eu acho que, se a Cristina Kirchner ganhar as eleições na Argentina, a Hillary Clinton ganhar as eleições nos EUA, nós vamos ter uma onda do sexo forte disputando as eleições.

E os nomes?

Eu evito citar nomes porque, em política eleitoral, quando você cita um nome com antecedência você está, na verdade, queimando esse nome. Primeiro você queima internamente com os possíveis pré-candidatos. Depois, queima na base aliada com candidatos de outros partidos. E, finalmente, os adversários e a imprensa colocam uma flecha direcionada para ele 24 horas por dia. Então, penso que o nome deve ser mantido sob segredo de Estado.

O sr. tem preferência por uma mulher?

Acho que é possível ter uma mulher na Presidência da República.

Mas quem poderia ser essa mulher?

É muito cedo. E eu conheço a alma humana. Se a agente ficar dizendo o nome, a mosca azul vem, pode pousar na testa da pessoa e a pessoa começa a se descredenciar.

E o ministro da Defesa, Nelson Jobim? Já está causando ciumeira?

Não tem ciumeira. O Jobim é uma figura importante da República, foi deputado constituinte, é um jurista importante, foi presidente da Suprema Corte, é um quadro político engajado. O Jobim é um quadro que sempre tem de ser levado em consideração. Mas, olhou pra frente, tem de ver a cara do Ciro Gomes, tem de ver a cara do Jobim e de outras figuras de outros partidos políticos, que ainda vão surgir.

O ministro Mares Guia (Relações Institucionais) afirmou recentemente que um homem como o sr. só aparece de 50 em 50 anos. Isso aumenta a responsabilidade para passar a faixa?

Bondade dele. Acho que minha derrota, em 1989, foi boa para mim. Foram 12 anos de espera. Com a derrota firmei a convicção de que as pessoas que governavam o Brasil não conheciam o País. Quando você vai para uma capital, desce no aeroporto, vai para o palanque, sai do palanque, volta para o aeroporto e segue para outra capital, você não conhece o Brasil. Aliás, você nem conhece as pessoas que estavam no palanque. Foi daí que surgiu a idéia das Caravanas da Cidadania, para conhecer a alma, as entranhas do Brasil. Isso criou em mim convicções muito fortes sobre o que entendia que precisava ser feito no País.

Anos de chumbo

Se o sr. integrasse a comissão de desaparecidos políticos do Ministério da Justiça, o sr. votaria a favor da pensão para os familiares do ex-capitão Carlos Lamarca?

Se o Carlos Lamarca foi, pelos critérios estabelecidos pela comissão, injustiçado, ele tem direito a receber a indenização. Da mesma forma que, se houver alguém que foi do governo e foi injustiçado, e entrar com pedido, ele também deve ser indenizado. Tem uma lei que determina os critérios para as pessoas serem indenizadas. Eu não vejo nenhum problema, seja Lamarca, seja o Lula. É preciso levar em conta se as pessoas estão dentro dos critérios estabelecidos pela comissão.

A esquerda que fez oposição armada ao regime militar lutava, como se diz hoje, pela democracia?

Eles estavam lutando contra um regime autoritário. Isso era visível. Se os métodos eram corretos ou não, as circunstâncias políticas diziam que os métodos eram quase os únicos que havia. Eram todos muito jovens, todos muito entusiasmados, próprio de jovem com 20 anos, 25 anos. Escolheram um caminho. Não deu certo. Eu lembro que, naquela época, eu estava dentro da fábrica. Vivíamos um momento de extraordinário crescimento da oferta de emprego. Havia essa divergência entre a esquerda organizada: jovens bem-intencionados que queriam derrubar o regime militar e, do outro lado, os trabalhadores vivendo um boom da economia, o milagre brasileiro da década de 70, que no ano de 1973 atingiu um crescimento de 14,3%. A luta armada era algo distante da classe trabalhadora.

Democracia

Nesses 12 anos, até ganhar a eleição em 2002, qual foi a grande mudança?

Não acredito na palavra insubstituível. Não existe ninguém que não seja substituível, ou que seja imprescindível. Quando um dirigente político começa a pensar que é imprescindível, que ele é insubstituível, começa a nascer um ditadorzinho. Acho que eu só cheguei à Presidência da República por conta da democracia deste país. Foi a democracia que permitiu que um operário metalúrgico, utilizando todos os instrumentos democráticos e vivendo as adversidades, chegasse à Presidência. Então, eu tenho de valorizar isso. Um dia eu acreditei que era possível chegar à Presidência pelo voto. E não eram poucos os estudiosos que me diziam que seria impossível, pelo voto, chegar lá.

Mas o sr. precisou fazer uma mudança brutal no seu discurso. Entre o candidato derrotado de 1989 e o de 2002 há uma grande diferença, não?

Você está lembrado de quantas vezes eu disse que era uma metamorfose ambulante. Mas, se o político não vai se adaptando ao mundo em que ele vive, ele vira um principista (ortodoxo). Na hora do discurso, à frente de um partido, você pode ser principista (ortodoxo), mas na hora de governar você precisa saber que tem um jogo que tem de ser jogado, muitas vezes em momentos graves de adversidade.

Adversidades de que tipo?

Um dia vocês vão ter idéia do que foi o ano de 2003 na vida deste país e na minha vida. Quando nós resolvemos aumentar o superávit (de 3,75% do PIB) para 4,25% do PIB, quando decidimos fazer um ajuste fiscal, eu só tinha uma perspectiva: ou nós fazíamos (no primeiro ano do primeiro mandato), que eu tinha capital político, na perspectiva de que estava plantando uma árvore frondosa, e recuperaria esse capital político, ou eu não faria porque ainda estava com o discurso da campanha na minha cabeça. E quando chegasse a 2004 eu não conseguiria fazer mais nada. Aí eu seria mais um que passou pela história do Brasil sem fazer o que precisava ser feito. Hoje, quando eu vejo determinadas manchetes, determinados comentaristas, articulistas falando da crise americana como uma coisa que pode (atingir o Brasil), eu digo que nunca estive tão tranqüilo na minha vida.

Por que tão tranqüilo?

Porque estou convencido de que temos solidez para segurar este país. As bases estão construídas. Tenho um mandato de quatro anos, e não quero ser julgado nem por seis meses, nem por um ano. Eu quero ser julgado pelos quatro. Foi duro, foi um sofrimento, vocês não sabem o que passou na minha cabeça no dia 1º de Maio de 2004, quando eu não pude dar reajuste (no salário mínimo). Hoje vivemos um momento bom, mas, se a gente perder a seriedade e achar que já pode fazer a farra do boi, nós poderemos quebrar a cara. Construímos o básico, mas ainda tem muita coisa para ser feita.

Tem gente ainda pensando em farra do boi?

Sempre tem. O que não falta é gente querendo que a gente gaste. E nós vamos gastar apenas aquilo que é essencial.

Aliados

Há quem avalie que, ao final dos dois mandatos, o sr. deixará o PT com cara de PMDB. O partido não é mais o mesmo.

Não é possível que as pessoas queiram que o partido de 2007 seja o mesmo de 1989.

Mas tem gente no PT que quer.

Essa é a riqueza da democracia. O que é a riqueza de uma redação de um jornal? Pessoas juntas, mas que têm divergências sobre um ponto de vista – e dali o chefe consegue tirar uma linha editorial. Essa diversidade no PT é que permite que a gente nem vá para a ultra-esquerda nem para a direita. Que você fique em uma posição intermediária daquilo que é a política possível de ser colocada em prática, daquilo que é possível estar de acordo com a realidade.

O sr. disse que a base muito heterogênea é uma realidade do cenário político brasileiro. Disse que, ao chegar ao governo, teve de se adaptar. Será que a população não gostaria que o sr. tivesse se adaptado um pouco menos?

Primeiro, a grande mudança política aconteceu com a Carta ao Povo Brasileiro, na campanha de 2002. Ela balizou o tipo de compromisso que eu tinha assumido com o Brasil. Foi aquela carta que me deu a vitória em 2002. Eu sempre tinha 35% dos votos, e me faltavam 15% para ganhar as eleições. Aquela carta, a composição com José Alencar de vice, eram os ingredientes de que nós precisávamos para fazer com que a gente pudesse ter os outros 15%. Isso aconteceu, nós fomos a 61%. Portanto, não houve frustração de discurso porque o discurso foi o que me deu a vitória. Possivelmente, ainda temos de fazer mais para os setores médios da sociedade. Tem muita gente que tenta criar uma disputa entre pobres e classe média, que eu acho que não existe.

Como é que isso se reflete, na prática?

Acho que uma das razões pelas quais a Marta Suplicy perdeu as eleições foi a opção de ela fazer aqueles CEUs para privilegiar as camadas mais pobres. Setores médios da sociedade, que moravam em bairros próximo aos CEUs, que não tinham uma escola de qualidade como aquela para colocar seus filhos, (reagiram) com um pouco de preconceito.

Voltemos à base heterogênea: precisa dar esse apoio ao presidente do Senado, Renan Calheiros?

O caso Renan é um caso típico do Congresso. O que eu posso fazer como presidente da República? Nada, a não ser torcer para que o Senado resolva aquele problema. O Senado poderia ter resolvido mandando para a Suprema Corte, mandando para o Ministério Público…

Mas o governo é acusado de proteger o senador Renan.

Algumas pessoas insinuam que o governo está ajudando. O governo não ajuda, até porque não tem como ajudar, mesmo que quisesse.

Mas a solidariedade do sr. não gera mais ônus do que bônus para o governo?

Não, a minha solidariedade será para você, no dia que você for injustiçado, porque, na hora que tiver uma acusação contra você, eu vou te defender até que você seja julgado e condenado.

O sr. acha que ele está sendo injustiçado?

É que eu acho que não houve julgamento ainda. O que há é um processo de acusação e um processo de defesa, todo dia. Vai chegar o momento em que tem de decidir. Mas, enquanto não decidir, eu não posso condenar ninguém.

O País não sofre de excesso de condescendência? No caso do senador Renan, que é presidente do Senado e do Poder Legislativo, só o fato de ele aceitar favores de um lobista de empreiteira para pagar suas contas pessoais já não é quebra de decoro?

Eu posso não gostar de uma coisa que você tenha feito, mas eu não posso, a priori, querer que você seja condenado para satisfazer a minha posição. Eu quero que você seja defendido e possa provar se é inocente ou não.

‘No mensalão, quem errou pagará pelo erro’

Cargos

O sr. reclama que a imprensa vive falando do toma-lá-dá-cá com o Congresso. O que explica, porém, que o governo só libere emendas e cargos quando tem votações importantes no Congresso? Agora, para renovar a CPMF, tem liberação de emendas, Luiz Paulo Conde assume Furnas…

Cada um tem o direito de fazer o juízo de valor que entender. Em fevereiro de 2005, numa reunião da Granja do Torto, nós decidimos que as emendas deveriam ser liberadas no máximo três vezes ao ano, março, julho e agosto, independentemente de votações no Congresso. Eu disse que não queria mais ouvir conversa de emenda e pedi que fizessem um calendário de liberação.

E os cargos?

São cargos naturais de um governo que é de coalizão. É só ver o que aconteceu na Alemanha. O que acontece, agora, na França. O Sarkozy tem gente do Partido Socialista no governo dele.

Mas Luiz Paulo Conde em Furnas?!

Não tem nenhum problema. O Conde é um homem altamente qualificado para dirigir qualquer coisa neste país. O que é importante é que seja um político de competência para você montar uma equipe extraordinária. Nem todo técnico foi jogador de futebol, como nem todo maestro precisa saber tocar todos os instrumentos da orquestra. Peguem o Estadão de 10 ou 15 anos atrás e vejam o que vocês escreviam: ‘Governo libera emendas na hora da votação.’ É uma coisa crônica no País.

Mensalão

O que ficou da investigação do mensalão, no seu primeiro mandato?

Ficou o seguinte: quem erra paga. Houve uma denúncia, que foi apurada. Saiu do Congresso e foi para o Ministério Público, que fez a sua parte. O MP pediu indiciamento. Foi para o Supremo, que decide ou não se acata o indiciamento. E aí as pessoas serão processadas em função de novas provas e novas investigações. Tem gente que acha que isso é um trauma. Para mim, não. Para mim, isso é um canal de desobstrução da democracia brasileira.

Quem errou, presidente?

Eu não sei quem errou.

O PT errou?

O PT não errou. Eu acho que pessoas do PT podem ter errado.

O ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) errou?

Não me perguntem, eu não sou juiz. Eu acho que quem errou pagará pelo erro que cometeu. Agora, o que eu quero para mim, para os meus amigos e para os meus adversários é que todos tenham direito à defesa.

Até hoje, o sr. não disse quem o traiu.

Nem vou dizer. Porque não é necessário. O PT não merecia passar pelo que passou. E isso faz parte da história contemporânea do País. Não faz parte do passado, não.

Este julgamento no STF pode ser considerado um julgamento do seu primeiro mandato?

O governo já foi julgado (nas urnas). E vitoriosamente.

Mas, se for aberto processo penal contra o ex-ministro José Dirceu, isso vai provocar algum impacto no seu governo, não?

Não. Causa impacto para ele. No governo, nenhum.

O que é ser ético na política?

O político é resultado de um processo eleitoral. Quem está no Congresso não foi indicado aleatoriamente por outro Poder. Em um determinado dia do ano, o povo foi lá, na urna, votou e escolheu A, B ou C. Na eleição seguinte, o povo avalia e faz as mudanças que quer. Ser ético, na política ou fora dela, é agir com correção, ter um comportamento individual público correto.

O sr. teve indícios do mensalão?

Não. Não. Eu quero ver o resultado do julgamento, quero ver o processo. Isso vai terminar um dia. Eu acho determinadas coisas abomináveis. Entretanto eu, como presidente da República, sou obrigado a esperar para ver. Eu fico imaginando alguém imaginar que o Professor Luizinho, que era líder do governo, precisava de receber dinheiro para votar com o governo. Mas, como ele pegou R$ 20 mil, ele entrou no mesmo bolo, como entraram outros. Eu acho isso abominável.

E o José Genoino?

Do que o Genoino era acusado?

Ele era o presidente do PT.

Ai meu Deus do céu! Eu, a priori, não digo que ninguém é inocente ou culpado. Quem for culpado que seja condenado. Agora, quem acusou peça desculpas aos que forem inocentes.Porque a palavra desculpa está fora de moda no Brasil.

Reforma política

A reforma política naufragou?

Continuo achando que a reforma política é uma necessidade neste país. Defendo o financiamento público e crime inafiançável para quem pegar dinheiro privado. Mas isso é uma posição minha. Se for debatê-la, nem sei se vou vencer até dentro do PT. Acho que é preciso acabar com a figura do suplente de senador, sou favorável ao voto distrital misto, à lista (fechada). Mas não é recomendável que o presidente tenha um projeto. A reforma política deve ser discutida pelos partidos políticos.

Mas fazer uma Constituinte exclusiva para reforma política não é um risco?

O que eu sei é que fazer uma reforma política com as mesmas pessoas que estão lá, no Congresso, sendo beneficiadas pelas regras atuais, é muito mais difícil. Cada partido defende seus interesses, pensando nas próximas eleições. É errado? Não, é um direito do partido pensar assim.

O sr. acha, então, que o ideal seria mesmo a convocação de uma Constituinte específica para a reforma política?

Não me pergunte o que seria ideal. O ideal é que o Congresso e os partidos políticos decidam fazer uma reforma política.

Bolsa-Família

Sempre que há uma crise política, ou o governo está sob críticas, o sr. costuma fazer esse discurso sobre governar para os pobres. O mensalão está no STF, o sr. recebeu as lideranças das trabalhadoras rurais e aproveitou para repisar esse discurso. Por quê? Isso não divide o País?

Sempre fiz esse discurso e vou continuar fazendo. Isso não divide o País, que estava dividido antes. O que nós estamos tentando fazer, neste momento, é unificar o País.

O que é unificar o País?

É que as pessoas estavam acostumadas a ver o Brasil assim: uma parcela, metade da sociedade, que conquista a cidadania; outra metade, que está marginalizada, e não vai ter direito a nada. O que nós fizemos: primeiro, manter o status quo dos que já têm (cidadania); garantir uma política forte para trazer a parcela que está fora para dentro do mercado. É isso que nós estamos fazendo. Vamos ser francos: durante oito anos, a classe média não teve reajuste na tabela da alíquota do Imposto de Renda, e nós já fizemos dois reajustes. Agora, nós já colocamos 360 mil jovens no ProUni. Quando nós criamos o ProUni, lembro que teve uma manchete que disse: ‘Governo nivela educação por baixo’, ou seja, eu estava baixando o nível da universidade. Qual foi o resultado? Nos testes do MEC, em 14 áreas, os melhores alunos foram os do ProUni. De 1909, quando Nilo Peçanha criou a primeira escola técnica, até 2003, foram criadas 140 escolas técnicas. Eu vou deixar o País com 314 escolas técnicas. Vou fazer, em oito anos, 164 escolas técnicas, um pouquinho mais do que se fez em 93 anos. Inventamos o Luz para Todos. Essas coisas é que começam a fazer a diferença na vida do povo brasileiro. Acho que muitas dessas coisas não são retratadas (na imprensa) com a veracidade necessária. Mas a liberdade de imprensa foi o que garantiu que eu chegasse à Presidência da República. A minha tranqüilidade é que hoje a gente tem uma sociedade mais experimentada. Se o jornal mentir, quem vai dizer se ele mentiu ou não é o leitor, que vai deixar de comprar. Se a TV mentiu, quem vai desligar o aparelho é o telespectador, não sou eu.

Quem são as pessoas que não querem que o governo invista nos pobres, adote esses programas sociais?

Se você ler alguns colunistas, o que eles escreveram sobre a recente crise (da especulação financeira com créditos podres), você vai perceber o seguinte: no fundo, as pessoas estavam torcendo para que a crise americana afetasse o Brasil. Tem determinado tipo de gente que trabalha contra porque ele percebe que a única chance dele é o governo dar errado.

Mas quem são essas pessoas?

Não me perguntem quem são porque vocês sabem quem são. Isso está estampado em discurso, em manchetes. Quando eu criei a política de desoneração do material de construção civil, qual foi uma das manchetes hilariantes que eu vi: ‘Lula contribui para a favelização do Brasil.’ Quando eu crio o Bolsa-Família, qual é a manchete? ‘Lula faz assistencialismo.’

A crítica que se faz é que o governo está fornecendo uma série de bolsas para famílias, para policiais, para jovens, como se fossem mesadas.

O caminho de saída é o crescimento do País.

A Bolsa-Família, por exemplo, é uma coisa temporária?

É lógico que é temporária. É temporária enquanto tiver pobre abaixo da linha da pobreza. Mas qual é o caminho de saída? O que vocês acham que significa o crédito consignado? Por que durante tantos anos nenhum economista neste país utilizou as palavras ‘crédito consignado’, que nós adotamos e permitiu colocar milhões de brasileiros, que nunca haviam entrado em um banco, com acesso a crédito mais barato. Por que nós saímos de quase trezentos e poucos bilhões de dinheiro de crédito para quase R$ 800 bilhões de crédito?

Então, o Bolsa-Família é a primeira alavanca, é aquela máquina de oxigenação que a gente dá para a criança quando está com asma. É o primeiro suspiro dos mais miseráveis. Quando a economia cresce, essa gente vai saindo do Bolsa-Família. Quando a gente sai de R$ 2 bilhões investidos no Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) para R$ 12 bilhões, alguma coisa acontece. Alguma coisa vai acontecer neste país.

A tendência do Bolsa-Família, então, é chegar ao final do governo com menos gente?

A tendência do Bolsa-Família é chegar ao final do governo com menos gente, na medida em que vai diminuindo a pobreza. Isso é o ideal.

Seria o indicador de sucesso do País?

Lógico. E já aconteceu, porque os estatísticas da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/IBGE) mostram que 8 milhões de pessoas já deixaram a pobreza, mostram que o crescimento do consumo no Nordeste é maior do que o crescimento chinês. Quando nós entramos no Nordeste comprando leite é porque o mercado oferece para o pequeno produtor R$ 0,30 o litro do leite de vaca e R$ 0,70 pelo litro de leite de cabra. Nós pagamos R$ 1 pelo litro de leite de cabra e R$ 0,70 pelo litro de leite de vaca. Antes, as pessoas não conseguiam vender o leite na feira, ele azedava e era jogado fora. Agora, essas pessoas voltam para casa e, em troca do leite, compram uma galinha ou um quilo de carne. As pessoas vão se retirando do Bolsa-Família, na medida em que o mercado de trabalho vá oferecendo oportunidades.

O último perfil do Bolsa-Família diz que é um sucesso a distribuição do dinheiro, mas as condições de saneamento e coleta de lixo nas áreas pobres continuam precárias. Por que não há um programa, no governo do PT, promovendo uma verdadeira redenção sanitária?

Essa pergunta só pode ser feita se deixarmos de ver o que acontecia antes de eu chegar à Presidência. Passamos anos sem liberar um centavo para saneamento básico. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) tem R$ 40 bilhões para saneamento e urbanização de favelas, atacando, em primeiro lugar, as regiões metropolitanas do País, porque é lá que está a concentração de degradação da estrutura da sociedade brasileira. O PAC da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) tem R$ 4 bilhões para levar água potável e esgotamento sanitário para 90% das comunidades indígenas. Vamos ter 50% dos quilombolas legalizados neste país. Temos R$ 3 bilhões para atacar os problemas em cidades com menos de 50 mil habitantes, que têm maior índice de mortalidade infantil, doença de Chagas e malária. Grande parte dessas obras começa a acontecer a partir de fevereiro – antes, fizemos os acordos do governo federal com os prefeitos e os governadores.

Crise aérea

O sr. vê os erros como uma coisa natural, como parte do processo de aprendizado da sociedade, até mesmo no ambiente político. O sr. cobrou rapidez e urgência na resolução da crise aérea e nada aconteceu.

Outro dia saiu na manchete de um jornal que um deputado disse que havia dito que eu não sabia da crise aérea. O que eu disse foi o seguinte: antes do acidente do Legacy com o Gol ninguém falava de crise aérea neste país. Eu fui candidato, fiz 500 entrevistas com você, Vera Rosa, e você nunca me perguntou de aeroporto, porque não era um problema. Quando eu ganhei as eleições, a questão era melhorar a qualidade de vida dos passageiros nos aeroportos. Por isso é que nós investimos em todos os aeroportos para fazer ‘finger’ (pontes de embarque), estacionamentos, que era a demanda da época do crescimento do turismo. Quando aconteceu o acidente, a primeira acusação foi que tinha um buraco negro no sistema de proteção ao vôo, na Amazônia. A Aeronáutica diz que não tem nenhum buraco negro, que tinha sido um erro dos controladores. Algumas coisas me cheiravam a uma má-fé desgramada, com aeroporto apagando a luz, com manutenção que não estava sendo feita. Então, nós fomos descobrindo que tinha problema nos aeroportos. E descobrimos mais: que as empresas estavam muito açodadas na sua gana para ganhar dinheiro.

Mas ninguém fiscalizava as empresas aéreas?

A sociedade brasileira queria a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A Anac era uma reivindicação histórica. Não tinha um sindicalista que não dissesse que era preciso ter a Anac. Foi construída a Anac, mas, obviamente, ela leva um tempo para se construir e para tomar pé. E a agência tomou pé no momento da crise aérea. Até que nós chegamos ao acidente em Congonhas (com o avião da TAM, no dia 17 de julho, com 199 mortos). A ordem que dei ao ministro Jobim foi esta: você tem carta branca para fazer o que tiver de ser feito. Nós precisamos começar a resolver os problemas em definitivo. E temos de começar pelo comportamento das empresas. Muitas vezes se escrevia que a Infraero não dava informações sobre os vôos atrasados, mas o que não estava sendo comunicado é que aquele avião tinha trazido o passageiro de Pernambuco para Brasília e, quando chegou aqui, não tinha tripulação. Como as companhias estavam usando os seus aviões 14 horas por dia, qualquer falha deflagrava um efeito dominó. E as empresas, algumas, colocavam comandantes para falar que era culpa dos controladores, quando o controlador não tinha nada a ver com aquilo. Nós cansamos. Cansamos. Pagamos um preço, e agora é preciso consertar.

Tem de mudar a lei das agências reguladoras?

O Nelson Jobim vai apresentar uma proposta. Não tem mais contemporização.

Mas qual deve ser o padrão de agência reguladora? Demite os diretores, não demite, tem mandato…

O correto é o seguinte: a agência regula, mas quem define a política pública é o governo.

Mas vai ter um mecanismo que permita o controle sobre a direção?

O governo determina a política e a agência implanta. Se a agência cumprir a sua função, de defender quem utiliza o serviço público, de garantir o preço mais justo, de fazer funcionar, cumpriu a sua tarefa.

Alternância de poder

No início da entrevista, o sr. disse que é pernicioso ter alguém que se considera insubstituível ou imprescindível, que isso gera ditadorzinhos. O presidente venezuelano Hugo Chávez está querendo reeleições por tempo indeterminado. Ele é um ditador?

Eu não julgo o comportamento de outros países. O Chávez está propondo uma mudança na Constituição. Se tiver maioria para fazer… Eu não peço (reeleições indefinidas) porque eu sou adepto da alternância de poder. Eu acho que oito anos é o suficiente para que eu faça aquilo que acredito que é possível fazer. Outro virá e fará mais.

A falta de alternância de poder atenta contra a democracia?

Eu sei o que você quer perguntar e você sabe o que eu quero responder. Eu sei, mas a minha resposta é objetiva: cada país determina a lógica da sua vida política interna. Eu reafirmo que a alternância de poder é uma exigência extraordinária para o exercício da democracia.

Então o sr. repudia esses comentários que dizem que o sr. pensa na possibilidade de um terceiro mandato com essa convocação de uma Assembléia Constituinte para fazer a reforma política?

Repudio não. Quem fala isso é mentiroso, tem má-fé, não só porque eu não acredito nisso, não quero isso, como sou contra isso.

Mesmo com uma feitiçaria política do povo pedindo na rua um terceiro mandato?

Não tem essa de o povo pedir. Meu mandato termina no dia 31 de dezembro de 2010. Agradeço ao povo brasileiro o carinho que teve comigo e passo a faixa para outro presidente da República em 1º de janeiro de 2011. E vou fazer meu coelhinho assado, que faz uns cinco anos que eu não faço.

América do Sul

Os dois maiores projetos do presidente Chávez para o continente são o gasoduto do Sul e o Banco do Sul, mas parece que nenhum dos dois interessa muito ao Brasil.

O gasoduto interessa, sim. Tem mais de 50 técnicos da Petrobrás discutindo com a PDVSA (a estatal venezuelana do petróleo) para ver a viabilidade econômica e ambiental do gasoduto. Se ficar comprovada toda a reserva de gás na faixa do Orinoco, nós temos um potencial extraordinário para desenvolver a América do Sul. O Banco do Sul também nos interessa, mas o que nós precisamos, primeiro, é definir qual é a característica dele. Nós já temos o CAF (Corporação Andina de Fomento), que funciona bem. Então, o pessoal está discutindo. A priori, não somos contra.

O sr. avalia que perdemos espaço para a Argentina e Venezuela na diplomacia latino-americana?

Nós construímos uma política na América do Sul que eu acho que é a mais consolidada em toda a história de nossas relações. A Argentina tem um papel importante na sua relação com o Brasil. Não existe disputa com a Argentina, e não existe disputa com a Venezuela. O Brasil tem US$ 4 bilhões de investimentos na Venezuela. O Brasil tem interesse em fazer parceria entre Petrobrás e PDVSA. Estamos muito bem relacionados na América do Sul, temos e tivemos esses problemas com a Bolívia, que são problemas naturais. O Brasil, com a maior economia, tem de ser sempre mais generoso com a Bolívia, o Paraguai, o Uruguai, porque são países menores, que precisam ter oportunidade de crescimento.

Etanol e alimentos

Como harmonizar a política externa na América do Sul com a aliança que surge forte com os Estados Unidos em torno do interesse pelo biodiesel e pelo etanol?

A maioria dos países da América do Sul e da América Latina está atenta à experiência dos biocombustíveis. O biocombustível, quando foi pensado, não foi só para o Brasil, foi para o continente africano, para a América Latina. É uma forma de os países mais pobres não ficarem dependentes do petróleo, uma forma de criar alternativas que possam gerar empregos, que possam gerar produto de exportação para os países mais ricos.

Nicarágua, El Salvador, Costa Rica são países pequenos, mas todos eles têm potencial para exportar biodiesel e etanol para os EUA. É correto os EUA produzirem etanol do milho?

Eu não gostaria que fosse do milho, vamos deixar o milho para as galinhas comerem. E gostaria que os EUA comprassem etanol dos países mais pobres, para que eles pudessem se desenvolver. A política do biodiesel é inexorável.

Na expansão da política do biocombustível, a Venezuela pode ser uma pedra no sapato?

Não, pelo contrário. A Venezuela está comprando três navios de etanol do Brasil para misturar na sua gasolina. Obviamente que a Venezuela, que é um país que produz 3 milhões de barris/dia, e consome só 15%, não tem a mesma necessidade que os países que não têm petróleo.

Por que o presidente Chávez, então, diz que a produção do etanol pode roubar áreas de plantação de alimentos?

Mas não é totalmente errado as pessoas terem uma preocupação com a disputa entre etanol e alimentos. Em um país como o México, o aumento do preço do milho, por exemplo, cria um problema grave porque o povo come muita tortilla. Não é o caso do Brasil. A política de biocombustíveis não pode ser conflitante com a política de alimentos.

Política econômica

Olhando em retrospectiva os quase cinco anos de anos de governo, qual foi seu grande acerto e seu grande erro?

Eu preferiria que vocês dissessem qual foi o acerto. Nosso grande acerto é a economia brasileira. Duvido que algum analista imaginasse que, em quatro anos, nós fôssemos ter US$ 160 bilhões de dólares de reservas. Cansamos de receber críticas quando começamos a fazer a nossa política externa voltada para a América Latina, África e Oriente Médio. Mas nós tínhamos um caminho certo, que era mudar a geografia econômica mundial para que o Brasil não ficasse dependente de um único país. Embora a nossa exportação continue crescendo 20% para os EUA e 20% para Europa, ela cresceu 100% com a África, 70% com o Oriente Médio e cresceu 50% com a América Latina. Então, o Brasil hoje não depende mais de um único parceiro.

Em que medida o sr. considera isso seu grande mérito, se boa parte da estrutura da macroeconomia é a mesma que foi montada pelo governo Fernando Henrique Cardoso?

Você é que diz. Se eu continuasse com a política, o País tinha quebrado.

Mudou o quê? O que mudou na essência macroeconômica?

Mudou tudo. Mudou a nossa relação internacional.

Mudou o quê na macroeconomia, presidente? Qual foi o ponto de virada em relação ao que existia?

O ajuste fiscal que nós fizemos em 2003. Você acha que não contou nada para a gente poder garantir a economia? A nossa política de crédito, a nossa política de transferência de renda? A nossa política de inovação tecnológica, a quantidade de desoneração que nós fizemos? Não mudou nada neste país? Os fatos comprovam as mudanças. E digo para vocês que eu talvez seja o presidente mais tranqüilo que já passou pela República brasileira. Acho que nenhum presidente da República teve a tranqüilidade que eu tenho hoje. O Brasil está sólido economicamente, está ficando sólido socialmente, está respeitado internacionalmente como nunca esteve, tem possibilidade de crescimento extraordinária, vamos implantar a TV digital. Estou muito tranqüilo.

Se o sr. não vai falar do seu grande erro, qual foi até agora a sua grande frustração?

Minha frustração é não ter feito mais do que eu fiz.

Diante dos elogios do sr. às reservas cambiais, podemos dizer que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi o seu grande achado na administração da economia?

Foi. Tanto é que ele está aí há quatro anos e meio.’

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‘Não me verão dar palpites sobre o futuro governo’

‘Uma promessa a conferir. Ao término da entrevista, o presidente Lula foi peremptório: ‘Depois que eu deixar a Presidência, vocês não vão me ver a dar palpites sobre o futuro governo.’

Também no final, a caminho da porta de saída, Lula foi confrontado com a pergunta sobre a possibilidade de convidar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para uma audiência no Planalto. ‘Não tem necessidade, ele (FHC) não é presidente do PSDB.’ Mas acrescentou: ‘Eu gostaria de conversar como amigo.’

O Estado quis saber se ele ainda tem amizade com o antecessor. Sua resposta: ‘Amizade, para mim, é eterna. E eu consigo distinguir o que é amizade e o que é divergência política. Não me peça para brigar por causa de divergência política. Meu irmão, frei Chico, por exemplo, era do Partidão (Partido Comunista Brasileiro). Então, eu falava para ele: ‘Frei Chico, para a gente viver bem, você entra no portão da minha casa e esquece a política’.’’

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Rumos do futebol preocupam

‘Dizendo-se tranqüilo com os rumos da economia e da política, demonstrando até despreocupação com o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelou-se, nos momentos descontraídos – no início e no fim da entrevista -, um boleiro apreensivo com os rumos dos times brasileiros de futebol. ‘Vejam o absurdo: nós nem ficamos com jogadores até 20 anos de idade, nem ficamos com jogadores depois de 30. Depois de 30 eles vão todos para o Japão; antes dos 20 eles também vão embora’, afirmou o presidente, citando os mercados da Itália, da Espanha e da Rússia.

A febre exportadora de ‘meninos jogadores’, que nem formados estão, impressiona tanto Lula que ele acabou revelando o início de uma negociação para restringir o alcance do passe livre.

‘Eu fiquei sabendo que o Pelé já deu sinais de querer conversar sobre a Lei Pelé. Ele acha que a lei já passou do ponto’, afirmou. ‘Você pega o Kaká, que é o melhor exemplo. Ele iria embora de graça. O São Paulo é que teve sorte de ainda vender por R$ 8 milhões. Hoje, ele vale R$ 100 milhões. Veja o Ronaldinho: foi vendido por R$ 3 milhões. É preciso cuidar disso.’’

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Na preliminar, exercício e elogios para a acupuntura

‘Bem-humorado, o presidente Lula recebeu o Estado disposto a puxar um dedo de prosa. Numa espécie de aquecimento, discorreu sobre seu assunto preferido – futebol -, gabou-se da forma física e, de quebra, elogiou as agulhas mágicas do acupunturista Gu Hanghu, que o curaram da bursite no braço direito.

‘Antes de eu tomar posse, em 2002, o médico queria marcar operação, mas eu não quis’, contou. ‘Tomei uma decisão: não ia ser lutador de boxe, não ia jogar tênis. Por que, então, tinha de operar a bursite? Graças a Deus, está tudo bem.’ Lula disse que nunca tinha acreditado em acupuntura, mas hoje deposita toda sua crença na medicina chinesa.

Ele contou que anda ‘todo santo dia’. ‘Faço abdominal, faço coxa, faço perna, faço braço, senão não agüento’, confessou. E deu a receita que o levou a emagrecer 15 quilos há mais de um ano, sem voltar a engordar: ‘É uma hora de esteira e meia hora de exercício.’

Durante uma hora e quarenta minutos de entrevista, na quinta-feira, sentado numa cadeira vermelha, diante de um imenso mapa-múndi na Sala Situação do Planalto, ele pareceu descontraído a maior parte do tempo. Mas mostrou desconforto quando questionado sobre o mensalão, o toma-lá-dá-cá com o Congresso e a crise aérea.’

STF / SIGILO VIOLADO
Demétrio Magnoli

O flagrante dos juízes

‘O repórter fotográfico de O Globo flagrou, nas telas expostas dos computadores do Supremo Tribunal Federal, as mensagens trocadas na intranet entre os juízes Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Não eram cartas de amor. Nenhum deles sugeria ao outro um encontro furtivo, com fins libidinosos. Ricardo e Cármen alinhavam seus votos no julgamento da admissibilidade da denúncia do mensalão – e especulavam sobre as motivações do voto de um outro juiz, Eros Grau, sugestivamente referido como ‘Cupido’. No dia seguinte a capa do jornal estampava tudo que estava nas telas, levantando as togas veneráveis e expondo a roupa de baixo desses homens e mulheres em quem foi depositada a consciência jurídica da nação.

A impoluta, intrépida OAB não vacilou um segundo, declarando jornalista e jornal culpados do crime de publicar notícias. A incansável organização de lobby dos advogados, aquela mesma que se apega com o fervor dos fanáticos aos privilégios prisionais de seus filiados, acusou a imprensa de praticar algo como um grampo ilegal nas instalações do Supremo. O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Walter Nunes, juntou-se à condenação da OAB, sob o argumento de que as mensagens tinham ‘caráter privado’. Mais um pouco e eles clamam pela restauração da censura, uma plataforma política em torno da qual alinhariam Tarso Genro, José Dirceu, Fidel Castro, o PT e o PSOL. Enquanto isso, talvez se limitem a sugerir que a imprensa publique, única e exclusivamente, comunicados oficiais emitidos pelas assessorias das autoridades…

Mas, afinal, qual é o tecido e a cor das roupas de baixo de Ricardo e Cármen? Juristas que não dão bola para a OAB – e os há! – polemizam sobre o tema relevante do direito dos juízes discutirem previamente seus votos. E, contudo, nas suas mensagens subterrâneas, Ricardo e Cármen não tocaram em um único princípio do direito. Eles não fizeram ressalvas jurídicas à denúncia do procurador-geral nem exploraram as fronteiras incertas da tipificação do crime de formação de quadrilha. A dupla da fofoca expunha, à luz fraca da cumplicidade dos amantes, os termos de um intercâmbio indecente.

Joaquim Barbosa, o juiz encarregado de relatar o caso, ‘vai dar um salto social agora com esse julgamento’, segundo a mensagem de Cármen. O clima de salão de beleza, inveja e maledicência – é um pouquinho de Brasil, aiá… – logo cede lugar ao pragmatismo dos comerciantes. Os interlocutores sugerem que haja uma barganha em curso, na qual o conteúdo dos votos é o preço cobrado pela nomeação futura do substituto do juiz Sepúlveda Pertence, recém-aposentado.

Cármen – o que há num nome? É Cármen quem revela que o juiz Eros Grau lhe teria comunicado seu voto, pela rejeição integral da denúncia, antes mesmo da sessão do Supremo. Os interlocutores parecem propensos a ousar menos, avançando apenas até uma rejeição parcial da peça da acusação. Prudente, com certeza. Mas, seria suficiente? As mensagens clandestinas, e no entanto gravadas no mármore etéreo de uma intranet, contêm os indícios de um crime. A OAB não viu isso? Viu, claro que viu – é por isso que acusa o jornal e o jornalista.

Juízes do Supremo são nomeados pelo presidente da República e depois referendados pelo Senado. Dos juízes atuais, um foi nomeado por José Sarney, um por Fernando Collor, dois por Fernando Henrique e seis por Lula (entre eles, Ricardo, Cármen e ‘Cupido’). O cargo é perpétuo, interrompido só pela aposentadoria ou pela morte. No maior dos tribunais, têm assento juízes nomeados pelos últimos presidentes. O corpo encarregado de interpretar a Constituição, fazendo-a dialogar com a tradição e a mudança, reflete uma época, não uma circunstância. Os votos desses homens e mulheres de toga, perenizados nas atas e reproduzidos nos livros jurídicos, ecoarão ao longo de décadas, sobrevivendo a seus autores, e como bóias no mar balizarão as manobras da nau do direito. Eles são nós – os tradutores daquilo que pensamos sobre o certo, o errado, o justo e o injusto. Como podem vender seus votos?

Pois é disso, aparentemente, que se trata. Ricardo e Cármen parecem estar dizendo que o nome do próximo integrante do Supremo é o prêmio prometido a um grupo de juízes que agem em sintonia – e buscam converter-se em maioria. Lula negocia, quase abertamente, com o PMDB e com o governador Sérgio Cabral a nomeação do substituto de Pertence. Ricardo usa a palavra ‘troca’. Cármen escreve ‘grupo’. A hipótese é incontornável: se um ‘grupo’ de juízes concerta a ‘troca’ de seus votos pela nomeação de um determinado juiz, isso se chama crime. E crime qualificado pela formação de quadrilha.

No segundo dia da sessão consagrada ao mensalão, o dia da publicação das mensagens inomináveis, três juízes constrangidos, irritados, tomaram seus lugares no tribunal. Eles, contudo, não se declararam impedidos de julgar, mandando às favas os ritos que protegem a palavra dos juízes contra o sopro mortal da suspeita. Nelson Jobim, o novo ministro da Defesa, ex-presidente do Supremo, classificou de ‘lamentável’ não a ‘troca de informações’, mas a sua ‘interceptação’. Ele disse: ‘O respeito às instituições tem que ser mantido de forma absoluta. É um momento grave em que se produziu uma intromissão anticonstitucional em um poder da República’.

Jobim – como esquecer? – é aquele que fez do Supremo um trampolim para o salto frustrado à vice-presidência na chapa reeleitoral de Lula, contentado-se depois com um ministério. Diante da informação, passada por Cármen, de que ‘Cupido’ votaria contra a denúncia, Ricardo escreveu: ‘Isso só corrobora que houve uma troca. Isso quer dizer que o resultado desse julgamento era realmente importante’. De fato, pombinhos, é importante. Gente importante.

Jobim disse respeito? Ah, bom.

*Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP’

Flávia Tavares

Bem-vindo à era da informatização do ‘bilhetinho’

‘Afinal, foi ou não invasão de privacidade? Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), flagrados trocando mensagens eletrônicas num bate-papo online durante o julgamento do mensalão, acham que suas confidências cibernéticas não deveriam ter vindo a público. Silvio Meira, cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R.) e especialista em interpretar fluxos de informação – preferencialmente em sistemas informatizados -, concorda. Fosse ele o juiz, nada de fotógrafos na Corte. ‘A tela do meu computador é segredo’, diz.

A boa notícia, segundo Meira, é que os ministros do STF estão mais conectados do que nunca. ‘Isso é bom. Sinal de que eles são como nós, são parte da sociedade que devem julgar’, explica o cientista, que também é professor da Universidade Federal de Pernambuco. O assunto das mensagens trocadas pelos juízes variava desde o teor da apresentação do procurador-geral da República ao processo de nomeação do próximo ministro do STF, passando por qual seria o cardápio do almoço daquele dia. Pareciam um pouco distraídos. E realmente estavam. Meira acredita que a atenção dedicada pelos ministros da casa às apresentações dos advogados de defesa era contínua, mas parcial. ‘Este é o tipo de atenção que dedicamos a tudo no dia-a-dia. Ninguém se concentra 100% em algo’, justifica.

A troca de informações e confidências durante julgamentos é tão antiga quanto a própria Justiça, afirma o professor. ‘O que vemos hoje é a informatização do bilhetinho que, no passado, circulava por debaixo da mesa. Absolutamente normal.’ Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Silvio Meira concedeu ao Aliás.

MINISTROS CONECTADOS

‘Vejo o fato de os ministros do Supremo Tribunal Federal estarem conectados durante o julgamento do mensalão, ou em qualquer outro momento, de forma muito tranqüila. Isso significa, acima de tudo, que os magistrados da mais alta corte do Brasil estão conectados. Uma ótima notícia. É importante que eles sejam parte da sociedade para julgar e estabelecer os limites, deveres e direitos que dizem respeito a todos nós.

DISTRAÇÕES NA CORTE

‘O comportamento dos ministros, de papear online durante a sessão, é o que se chama de Continuous Partial Attention (CPA), ou Atenção Parcial Contínua. O conceito é o seguinte: se estiver conectado à internet, eu presto atenção de forma contínua, mas parcial, a tudo que acontece a minha volta. Os cientistas usaram esse nome para sistematizar um comportamento que é muito humano. Ninguém presta 100% de atenção a alguma coisa. A menos que você tenha um foco de sobrevivência muito grave. Se eu estiver no meio de um tiroteio, ou presto uma atenção muito grande em de onde vêm as balas e em como vou sair dali, ou estarei em sério risco.

PRENDA-ME SE FOR CAPAZ

‘As coisas não vão sair mal feitas porque eu divido minha atenção. Mas é correto supor que o que vai prender minha atenção será apenas aquela informação para a qual eu der um valor muito grande, que seja extremamente interessante, que eu não possa deduzir sozinho. Assumindo que um procurador comece a apresentação com uma argumentação que eu, ministro, já sei qual é, quando ele começa a falar, vou fazer outra coisa. Uma parte significativa do meu cérebro vai para outro lugar, e volta se houver algo que eu não entenda em sua fala.

SENTIDOS OCULTOS

‘O relator Joaquim Barbosa também foi flagrado lendo um artigo intitulado Não Tenho Medo da Morte durante a sessão. Dependendo de como a atenção se divide, pode se tratar de uma mera distração. Mas como saber que um assunto não tenha a ver com o outro? No meio do julgamento do mensalão, ter medo ou não da morte poderia fazer um sentido danado. Talvez ele estivesse pensando na morte política dos réus…

MEU COMPUTADOR E EU

‘Estamos vendo comportamentos que todos nós temos, legítimos e não passíveis de uma reprimenda social ou de censura, acontecendo com juízes do Supremo. É absolutamente normal. Aliás, se tem alguma coisa anormal em tudo isso e, se eu fosse juiz proibiria, são fotógrafos com lentes objetivas tirando fotos da tela do meu computador. A tela do meu computador pessoal é segredo. Meu computador é uma extensão do meu processo de raciocínio.

POR SOB A MESA

‘Um outro comportamento revelado neste caso é o que vem sendo rotulado de ‘under the table meeting’, ou ‘reuniões sob a mesa’. Há alguém fazendo uma apresentação ou uma proposta e, por debaixo da mesa, estou trocando informações com outras pessoas que estejam interessadas no assunto ou que possam me ajudar a descobrir um dado novo, a julgar melhor aquela proposta. Em julgamentos de Supremas Cortes, há centenas de anos e em todo o mundo, os juízes passam bilhetinhos uns para os outros. As cortes suspendem sessões, os juízes têm tempo para refletir, perguntam coisas para outras pessoas, comentam com seus entes queridos. Os ministros do STF são seres humanos como todos nós.

ASSIMETRIA E INDIVIDUALIDADE

‘A troca de informações sob a mesa no Judiciário não representa uma falta de transparência do poder. Os ministros têm, como todos nós, o direito inalienável a seus processos de comunicação em pequenos grupos de maneira fechada. Eu não sou obrigado, por exemplo, ao preparar uma aula para a universidade, a revelar aos meus alunos todo mundo com quem conversei para elaborar aquele material. Enquanto os seres humanos são gregários por natureza, eles são indivíduos por natureza também. E a assimetria de informação é parte essencial da individualidade. A assimetria é você não saber sobre mim tudo que eu sei sobre mim. E a internet não pode mudar isso.

FOFOCA SPEEDY

‘A informatização dos bilhetinhos coloca a privacidade em risco, porque eles estão na rede. Alguém mal intencionado que esteja gravando o tráfego pode liberar seu conteúdo no futuro, etc. Mas, de resto, o risco é o mesmo de a moça da limpeza pegar o bilhetinho na lata de lixo no fim da sessão. Na internet, isso se espalha mais rápido, porque eu posso mandar um e-mail para um grupo de 10 mil pessoas publicando o tal bilhete. Porém, o impacto talvez seja menor. Por exemplo: quando um fac-símile do bilhetinho de um juiz do Supremo era publicado na capa dos jornais há 40 anos, governos caíam. Hoje, a cópia de uma conversa eletrônica entre partes do governo, como ministros do STF, é disseminada na internet, reproduzida em blogs e não acontece nada.

PERGUNTE AO GOOGLE

‘Essa atitude de recorrer à internet, perguntar algo ao Google, entrar numa enciclopédia que esteja na rede, entrar na intranet do Supremo no meio do julgamento, etc., é um processo que Ted Nelson (inventor da primeira noção de hipertexto, na década de 60) chamava de ‘augmenting human intelect’. Em português seria algo como a extensão do intelecto humano. Isso significa estender a possibilidade de me conectar a coisas que, sem o auxílio tecnológico, eu não estaria conectado. Nós recorremos o tempo todo a isso. Temos acesso a ferramentas conectadas e informatizadas da nossa era de conhecimento e vamos direto à fonte do que queremos saber. Não devemos e nem queremos ficar supondo que tal coisa seja assim ou assada se podemos chegar à fonte, mesmo que ela seja uma pessoa ao lado.

INTERATIVIDADE DO BEM

‘Essa hiperinteratividade constante vai continuar acontecendo, como já vinha acontecendo antes. E a qualidade final de julgamentos e reuniões de negócios pode melhorar muito graças a ela. Se a conectividade for bem utilizada, pode haver um significativo aumento na qualidade do processo de tomada de decisões, justamente por conta dessa interação, da descoberta de novas fontes de conhecimento, de raciocínios similares.’’

Marco Antonio Villa

Uma história marcada pela subserviência

‘A sessão de quarta-feira do Supremo Tribunal Federal foi estarrecedora. As atenções estavam voltadas para aquela Corte, que apreciava a denúncia por parte do procurador-geral da República dos envolvidos no mensalão. Duas dúzias de advogados, regiamente pagos, estavam defendendo seus clientes.

Porém, da parte dos advogados já estamos acostumados à retórica vazia. A oratória é repetitiva, os gestos sempre iguais, como se todos (ou quase todos) tivessem passado pelo mesmo cursinho de como falar bem. Causa estranheza as homenagens que apresentam nas suas falas ora a um ministro, ora a um comentador da Constituição, ora a outro colega. Manter a atenção não é fácil, mas quem está acostumado com as sessões da TV Câmara e da TV Senado já tem know-how e consegue resistir.

O que logo chamou a atenção foi o desinteresse dos ministros – com algumas honrosas exceções – que, como diria um advogado, compõem aquela egrégia Corte. Tinha notado, em outras sessões, que durante a leitura do voto do relator ou quando um advogado defendia seu cliente, eles, os ministros, conversavam animadamente, levantavam, faziam piadas. Pareciam alunos indisciplinados, daqueles que, quando entram na sala de aula, se esparramam pelas carteiras e ouvem com displicência o professor, com a diferença que lá estavam os ministros da mais alta Corte do Brasil.

Na sessão que apreciou a denúncia do mensalão, dos dez ministros presentes, seis não paravam de acessar o computador. Dois (Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski) trocavam e-mails comentando a sessão, falando de como votar, discutindo quem deve ser o novo ministro daquela Casa, dando apelidos aos colegas (Eros Grau, o ministro, que também é poeta bissexto, é chamado de Cupido, e Ellen Gracie, a presidente, é a Professora). Conversavam com assessores (um deles estava ‘convencendo’ um ministro a mudar seu voto!), liam notícias de jornais. Só não faziam o principal: prestar atenção em seu trabalho, que, naquele momento, era de ouvir os advogados de defesa. A ministra estava tão desatenta que nem percebeu quando foi chamada de Cármen Silva e Maria del Cármen. Outros acessavam o computador, bocejavam, demonstravam enfado, como se tudo aquilo não passasse de um rito desnecessário.

Mas o importante é que as aparências estavam mantidas. Os ministros e advogados vestiam suas togas e usavam a costumeira linguagem protocolar. O ministro Eros Grau chegou até a passar um bilhetinho para um advogado de defesa, tudo bem ao estilo do Brasil atual. A toda hora os garçons serviam os ministros e advogados; foi estabelecido um clima cordial, ameno, no plenário, salão que tem até um crucifixo próximo ao brasão da República, isto quando, desde 1890, a Igreja Católica foi separada do Estado. Ou seja, o plenário da mais alta Corte, que deve velar pela Constituição, descumpre a Carta.

Não parecia que estava sendo julgada a aceitação ou não de uma denúncia gravíssima. Quem assistiu às sessões da CPMI dos Correios sabe do que se está falando. Quem não ficou horrorizado com o depoimento de Duda Mendonça confessando espontaneamente que recebeu o pagamento dos seus préstimos no exterior? Quem não ficou horrorizado com o depoimento da diretora financeira de uma empresa de Marcos Valério relatando como entregava milhares de reais aos mensaleiros? Mas a sessão do STF seguia dando a impressão de estar julgando uma briga de vizinhos por algum motivo fortuito.

Infelizmente, aquela corte não tem bons antecedentes. A história do STF na República foi marcada pela subserviência ao Poder Executivo. Em seu governo, o marechal Floriano Peixoto (1891-1894) chegou a nomear para o Supremo um general e um médico (este, Barata Ribeiro, participou de várias sessões). O mesmo marechal Floriano ameaçou o Supremo quando este ia votar uma solicitação de habeas-corpus dizendo que, se fosse concedido, não saberia quem iria conceder o mesmo benefício aos ministros. Claro que o habeas-corpus foi negado.

Durante a República Velha (1889-1930), vários governadores foram depostos, as eleições foram maculadas pela fraude, jornais foram censurados e proibidos, opositores foram presos, torturados, mas o Supremo silenciou. Os valores republicanos e a defesa das liberdades foram ignorados. Quando o Centro Monarquista de São Paulo, em 1897, solicitou um habeas-corpus, o STF negou. Ou seja, o direito de reunião e de manifestação foi desconsiderado. O centro não tinha importância política e nem punha em risco as instituições, mas foi proibido de continuar funcionando. Estrangeiros foram expulsos – e o STF silenciou. Opositores foram desterrados para a Amazônia – e o STF também silenciou.

O advogado e brilhante jornalista Paulo Duarte, que durante décadas escreveu no Estado, no terceiro volume das suas memórias (Selva Oscura) relata um caso, que é exemplar, do uso político do STF pelo Executivo. Em 1924, ocorreu a segunda revolução tenentista. Derrotados, alguns se retiraram para o interior, até encontrar-se com os revoltosos que vinham do sul, formando a Coluna Prestes (1924-1927). Outros acabaram presos. Um deles foi o general João Francisco. Este foi detido com seu filho de 17 anos. Duarte requereu habeas-corpus para o menor, pois a prisão era flagrantemente ilegal. Na tensa discussão no plenário do Supremo, o ministro Bento de Faria, recém-nomeado pelo presidente Artur Bernardes, em resposta à afirmação de que aquele fato era contra a lei, disse: ‘Mas a lei já tem sido desobedecida numerosas vezes aqui, pode ser esquecida mais uma vez.’ Desnecessário dizer que o STF negou o pedido.

Quando em 1935, após a rebelião comunista, foram suspensas as garantias constitucionais, o STF secundou as determinações do Executivo. Durante todo o Estado Novo (1937-1945), aquela corte fechou os olhos às violações dos direitos humanos. Nem sequer um ministro fez um protesto, ainda que mínimo. Nada. Os ministros continuaram a rotina administrativa, mantiveram o formalismo e ignoraram o Brasil real.

Nos anos de chumbo, depois do AI-5, o STF foi um fiel seguidor da ditadura, obediente aos ditames dos generais-presidentes. Quando a ditadura aposentou compulsoriamente três ministros (Víctor Nunes Leal – este foi, posteriormente, ‘homenageado’ dando nome à biblioteca do Supremo -, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva), logo em seguida dois presidentes da Casa demitiram-se (Antônio Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos Lafayete de Andrada). Contudo, os outros ministros (naquele momento o Supremo tinha 16 componentes) mantiveram-se calados. Estranhamente, no site do STF, onde o ministro Celso de Mello escreveu Algumas Notas Informativas (e Curiosas) sobre o Supremo Tribunal, este fato histórico é omitido.

A redemocratização não chegou ao Supremo, infelizmente. Tudo continuou como dantes. Quem não se lembra que o STF não questionou os absurdos jurídicos do Plano Collor? Quem não se lembra que o ex-presidente Fernando Collor foi inocentado por ‘falta de provas’? Quem não se lembra dos escândalos de corrupção dos últimos 20 anos e da ausência de punição por parte do Supremo? Quem não se lembra dos habeas-corpus concedidos aos salteadores dos cofres públicos, que, logo depois, fugiram do País?

A indicação dos ministros tem de passar pela aprovação do Senado. Porém, excetuando alguns nomes que foram rejeitados no governo Floriano Peixoto, todos os outros foram aprovados. As sabatinas obrigatórias tratam de assuntos secundários e o indicado já é considerado aprovado, isto antes mesmo de ser ouvido.

O STF é a síntese da Justiça brasileira: lento, corporativo, classista, formalista e injusto. É fundamental para o futuro da democracia brasileira que o Supremo mude e passe a fazer justiça e não política, no pior sentido dessa palavra. E deixe de ser, como escreveu há tantos anos João Mangabeira, o poder que mais falhou na República.

* Marco Antonio Villa é historiador, professor na UFSCar e autor, entre outros livros, de Jango, um Perfil (Editora Globo)’

INTERNET
Clarissa Thomé

Um site de busca para filhos adotivos

‘A busca pela própria identidade vai levar cerca de 500 pessoas de todo o País ao 1º Fórum Nacional de Filhos Adotivos do Brasil, que será realizado em 7 de outubro, em Porto Alegre. O encontro é uma iniciativa do empresário José Ricardo Fisher, de 41 anos, adotado aos 2. A luta para localizar sua família biológica durou 12 anos. Dela, surgiu o site e a idéia do fórum. O encontro servirá para troca de experiências na busca de parentes perdidos, com palestras de juristas sobre os direitos do filho adotivo e psicoterapeutas falando da relação entre pais e filhos adotados e o desejo de encontrar a família biológica.

‘Nossos pais precisam entender que a vontade de encontrar a família biológica não diminui o amor que sentimos por eles. Pelo contrário. O fato de encontrar minha mãe biológica reforçou os laços que tenho com a minha mãe. O que está em questão é a busca da identidade. Todo mundo quer saber de onde veio’, diz Fisher.

Ele foi abandonado no orfanato Lar do Bebê com 1 ano e 4 meses. Aos 2, foi adotado. ‘Sempre soube que era filho adotivo, mas, aos 12 anos, tive curiosidade de conhecer minha mãe biológica. Meus pais eram contra e chegaram a dizer que ela tinha morrido. Quando minha mãe viu que eu não desistiria, passou a me ajudar.’

Aos 15 anos, encontrou o documento de adoção com o nome da mãe: Ana Aurora Molarinho. Passou a pesquisar em cartórios até descobrir que tinha um tio juiz. Aos 27 anos, às vésperas do nascimento de seu primeiro filho, encontrou Ana Aurora. ‘Ela era de família abastada, que não aceitou o fato de ela ser mãe solteira. Foi expulsa de casa, passou necessidades e me deixou no orfanato.’

Mas a busca não havia terminado. A avó biológica acabou revelando que Fisher tem um irmão gêmeo, também entregue para adoção. ‘Minha mãe biológica nunca quis contar o que aconteceu com meu irmão. Acabamos rompendo por causa disso.’

Fisher voltou a pesquisar cartórios, orfanatos, hospitais. Mas foi em vão. ‘A adoção pode ter sido feita de forma ilegal.’ Em junho, criou o site Filhos Adotivos do Brasil, em que publica artigos sobre adoção e oferece uma ferramenta que auxilia na procura.

No site, José Ricardo Andrade Fisher está registrado sob o número 068. ‘Procuro meu irmão biológico, que, segundo o registro, se chama Paulo Ricardo Molarinho. Nascido no dia 04/09/1965, no Hospital Santa Casa em Porto Alegre – RS.’

Seu depoimento divide espaço com outros 90 pedidos de ajuda para localizar parentes. O site já permitiu que dois filhos encontrassem suas mães.

‘Um deles é um empresário que prefere não revelar ser filho adotivo. O outro caso é de uma mulher que casou, teve filhos e a família não sabe que ela abandonou o primeiro filho’, comenta Fisher.

Procura pode ser motivada por questões de saúde

O empresário José Ricardo Andrade Fischer, que criou o site Filhos Adotivos do Brasil, costuma dizer que 90% das buscas por parentes são motivadas por ‘razões do coração’ e 10% por assuntos de saúde.

É esse o caso da família do pequeno Luiz Flávio, de 1 ano e 10 meses, que sofre de leucemia e precisa de um doador de medula óssea compatível. Ele foi abandonado ainda com cordão umbilical numa rua do bairro Pituba, em Salvador (BA). Com 18 dias, chegou ao Lar Irmã Benedita Camurugi.

Há seis meses, os médicos diagnosticaram a doença. Luiz Flávio já passou por três sessões de quimioterapia e tem respondido bem ao tratamento, mas ainda precisa de um transplante. Teve início, então, a busca dos pais adotivos – Leossandra Menezes, de 26 anos, e Marcos Camurugi Menezes, filho da proprietária do orfanato – pela família biológica do menino. Hoje, um carro com alto-falante vai percorrer as ruas de Pituba, com um apelo para que a mãe biológica de Luiz Flávio se apresente ou alguém dê notícias de seu paradeiro.’

TELECOMUNICAÇÕES
Ethevaldo Siqueira

Maior desafio do País é escolher bons dirigentes

‘Na semana passada, Hélio Costa anunciou com estardalhaço a possibilidade de serem fabricados no Brasil set-top boxes para TV digital, com tecnologia indiana, para serem vendidos ao consumidor ao preço de R$ 200. No dia seguinte, ficamos sabendo que não se trata de um conversor para alta definição, mas para mobile TV, como na recepção via celular.

Em suas declarações, o ministro tem insinuado que a indústria brasileira é gananciosa e não quer cooperar com o governo. Na realidade, o que poderia reduzir drasticamente os custos do conversor produzido no Brasil seria a combinação de economia de escala com a redução dos elevados impostos sobre a importação de componentes.

Quase tudo que é anunciado pelo governo Lula e, em especial, pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, começa com balões de ensaio. Ao invés de iniciar um grande debate público sobre cada tema, levando ao Congresso um projeto de lei específico, ouvindo seriamente os maiores especialistas, o ministro pensa em voz alta, xinga o presidente da Venezuela, briga com outros ministros – como fez publicamente com seu colega, Gilberto Gil, da Cultura, no ano passado – incentiva o conflito entre radiodifusão e telecomunicações, toma a iniciativa de uma hipotética fusão da Oi-Telemar com a Brasil Telecom para formar uma mega operadora de telecomunicações 100% nacional, critica a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e silencia diante dos problemas do rádio digital.

Quando as promessas e anúncios não podem ser cumpridos, o ministro recua, diz que não era bem assim, que apenas queria abrir o debate.

SEM TRANSPARÊNCIA

É incrível o estilo errático deste governo. Vejam o exemplo da TV Brasil. Em nome do governo Lula, Hélio Costa anunciou o projeto sem saber bem como ele seria e sem qualquer debate com a sociedade – que é quem pagará a conta. Em seguida, Lula escolheu o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, que, por sua vez, monologou sobre TV pública e agora fala em fusão de emissoras, sede no Rio de Janeiro e criação da nova emissora por medida provisória (MP).

Não seria muito melhor debater previamente o assunto, em audiências públicas abertas à participação de toda a sociedade e, finalmente, oferecer ao Congresso um projeto de lei?

O caso das agências reguladoras é emblemático. Como bem sabem o presidente Lula e o ministro Hélio Costa, ao privatizar as telecomunicações, o Estado brasileiro deixou de investir e de operar serviços nessa área. A partir de então, cabe ao Executivo o papel de formulador de políticas públicas setoriais, incumbindo ao Estado, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o papel de regulador.

A Anatel é, portanto, um órgão de Estado e não de governo. Mas Lula e seus ministros insistem em transformar essa e outras agências em meras repartições públicas.

Pior ainda: Hélio Costa quer manter em suas mãos o poder de concessão e de outorga de licenças de todos os serviços. É uma questão de poder. No entanto, contraria frontalmente o espírito da Lei Geral de Telecomunicações em 1997.

Por essa lei, a partir do momento em que o governo privatizasse as telecomunicações, prevaleceria o modelo anglo-saxão, em que o Poder Executivo passa a formular as políticas públicas e prioridades do setor e a agência reguladora exercer três papéis fundamentais:

– ‘Regulamentar os serviços e defender os interesses do usuário’;

– ‘Fiscalizar o cumprimento de todas as normas e regras técnicas e contratuais, igualmente em defesa dos direitos do cidadão e do usuário’;

– ‘Conceder ou outorgar licenças e concessões, de forma transparente, sem a influência política do Ministério, do governo ou dos partidos’.

Como ocorre em outras áreas, o governo não tem plano, nem modelo, nem qualquer filosofia de ação para as Comunicações. Não formula políticas públicas, esvazia a Anatel, corta-lhe o orçamento a níveis insuportáveis e, pior ainda, tem escolhido pessoas despreparadas para dirigi-la.

A grande exceção até aqui foi a indicação de Ronaldo Sardenberg, atual presidente da Anatel. Sua escolha trouxe a leve esperança de que o governo fosse corrigir os rumos de sua ação no setor. Estamos esperando.

A idéia de uma só lei para todas as agências é estapafúrdia. Não é possível colocá-las todas num único saco, porque elas são tão diferentes quanto os diversos setores a que se destinam: telecomunicações, energia elétrica, petróleo, saúde ou aviação civil, entre outros.

O GRANDE MAL

Na raiz de tudo está a velha incapacidade governamental de escolher as pessoas certas e de tomar decisões sobre grandes temas. Como seus antecessores, Lula insiste em entregar ministérios, agências reguladoras, bancos ou diretorias de empresas estatais a políticos ou a pessoas despreparadas.

É claro que as barganhas político-partidárias e o aparelhamento do Estado brasileiro não são exclusividade do PT nem foram inventados neste governo.

Mas o que realmente interessa é o alto preço que o País inteiro paga pela ineficiência e pela corrupção.’

THE PREACHERS AND THE…
Caio Blinder

O pregador que não resiste à tentação do poder

‘Livro expõe a íntima relação de Billy

No Evangelho Segundo Billy Graham, o todo-poderoso presidente americano é humano, tem suas fraquezas e merece perdão. E o todo-poderoso Billy Graham estava lá orando e perdoando Lyndon Johnson no inferno vietnamita, Richard Nixon nas catacumbas de Watergate e Bill Clinton no tormento Monica Lewinsky.

The Preacher and the Presidents (Center Street, 413 págs., US$ 26.99) é o fascinante livro de Nancy Gibbs e Michael Duffy, veteranos jornalistas da revista Time, mostrando como o consolo espiritual do pregador Billy Graham é importante e tem conveniência política na galeria presidencial americana. Na hora do sufoco, da agonia e do escândalo, é aconselhável não apenas estar ao lado do bom pastor, mas aparecer na foto com ele. Gandhi disse que acreditar que religião e política não estejam conectadas é não entender nenhuma delas. Significa também não entender a influência de Billy Graham na vida americana nas últimas cinco décadas.

Descrito como o embaixador global da cristandade, com suas mais de 400 cruzadas em 185 países, Graham já falou face a face com mais de 200 milhões de pessoas. Na estimativa de Gibbs e Duffy, nenhum evangelista na história, nem mesmo São Paulo, disseminou tão longe a mensagem de Cristo. Neste livro, o que interessa são os encontros face a face de Graham com 11 presidentes americanos e suas famílias, de Harry Truman a George W. Bush. O evangelista só não ficou amigo de Truman, que desconfiava dele e o considerava um sicofanta. Nascido em uma família democrata, mas convertido ao Partido Republicano, Graham nunca fez discriminação partidária. Em uma medida de sua importância e neutralidade, em 1969, ele passou o último fim de semana da presidência do democrata Johnson na Casa Branca e ficou para a primeira noite do governo do republicano Nixon.

Gibbs e Duffy tiveram acesso a Graham no seu retiro montanhoso no Estado da Carolina do Norte, mas não fazem reverência e estão alertas para os pecados do evangelista. Ele não resistiu às paixões da política e à proximidade com o poder. Sua condescendência com Nixon foi acima da conta. Graham, de certa maneira, foi cúmplice na desgraça e sua solidariedade minou sua autoridade moral. Depois de Nixon, o pastor continuou íntimo das famílias presidenciais (os Reagans, os Bushes e os Clintons), mas nunca mais repetiu o ardor nixoniano. Com Nixon, foram mais de 40 anos de relacionamento. O astuto e autodestrutivo político guiou o noviço Graham pelos labirintos de Washington no começo dos anos 50. Graham retribuiu no ocaso de uma presidência.

Ninguém, obviamente, é santo nesSa história. Os laços entre Graham e o presidente de plantão sempre foram mutuamente benéficos. As visíveis amizades presidenciais fortaleceram o movimento evangélico e lhe deram vitamina política. As conexões de Billy Graham na Casa Banca permitiram que ele visitasse países que nenhum pegador colocara os pés, como a União Soviética e a Coréia do Norte durante a guerra fria.

Os relatos do relacionamento de Graham com Jonhson são saborosos, emblemáticos dos vínculos pessoais do pastor com um presidente e também dos cálculos políticos. Ambos eram muito próximos. O presidente forçava o pastor a passar a noite com ele na Casa Branca, refletindo sobre a morte e o Vietnã, além de orarem até as 3 da madrugada. Com medo de tempestades, o presidente levava Graham no avião para ser o seu anjo da guarda. Ao mesmo tempo, Johnson temia o poder político de Graham. Quando o pregador recebeu 2 milhões de telegramas o exortando a apoiar o republicano Barry Goldwater nas eleições de 1964, Johnson o aliciou para passar um fim de semana no seu rancho no Texas.

Com George W., foi uma importante estada em 1985 na casa de veraneio do clã Bush no Estado do Maine, quando, durante uma caminhada na praia, Graham ajudou um homem de 40 anos, sem rumo e chegado na bebida, a redescobrir Cristo. Para Bush, foi ótimo reencontrar Graham na campanha eleitoral do ano 2000.

Entre os Bushes na Casa Branca (pai e filho), Graham conviveu intensamente com o casal Clinton. O pastor sempre teve uma incrível capacidade para detectar talentos políticos. Ele já era próximo de Bill Clinton antes que ele ocupasse espaço no cenário político nacional. As controvérsias sobre as aventuras sexuais de Clinton nunca chocaram o pastor. Na verdade, como no caso de Nixon, quanto mais acuado um presidente, mais ele pode contar com o apoio pastoral e político de Graham. O pregador diz que sagrada é a Presidência.

Graham perdoou Bill Clinton rapidamente no caso Monica Lewinsky. Em um jantar dos 75 anos da revista Time, em 1998, o lendário jogador de beisebol Joe DiMaggio (ex-marido de Marilyn Monroe) não quis ficar na mesa do presidente. Graham foi voluntário para pegar o lugar, em uma clara mensagem de solidariedade.

O casal Clinton prestigiou Billy Graham na sua última cruzada, realizada em Nova York em 2005. O pastor brincou que Bill daria um bom evangelista e que ele deveria deixar Hillary presidir o país. Falando sério, a ex-primeira-dama gosta de apregoar suas convicções espirituais e íntimos laços com Billy Graham na sua campanha presidencial. O pastor, de 88 anos, diz gostar muito de Hillary e, se possível, vai abençoá-la ou quem quer que vença a cruzada eleitoral de 2008.’

TELEVISÃO
Keila Jimenez

Efeito Pica-Pau

‘Com poucos episódios,velharias que se repetem há anos mantêm fôlego para gerar audiência

Exatamente um dia após a inauguração da TV no Brasil, em 19 de setembro de 1950, ele estava lá, na extinta TV Tupi, com sua risada sacana. E não é que meio século depois o Pica-Pau continua no ar e, como na ficção, incomodando pra valer seus adversários?

Não é raro ver esse senhor sexagenário – a animação foi criada nos anos 40 – amedrontar os blockbusters milionários do SBT, os noticiários da Band e até roubar uns pontinhos das novelas da Globo. Pica-Pau, atualmente na Record, chegou a bater 14 pontos em julho, audiência admirávelpara uma animação com passagens por Globo e SBT, e apenas 360 episódios. Veja bem: 360 episódios é pouco, a considerar sua longevidade.

O passarinho de crista vermelha encabeça a lista da ‘Academia dos Imortais da TV’ ou atrações da mofolândia, como preferir, que apesar da repetição, continuam agradando.

‘Eu era gerente de Programação do SBT quando o canal foi inaugurado. Lá eu descobri os poderes do Pica-Pau’, conta o diretor de Programação da Record, Hélio Vargas. ‘Como não tínhamos com o que preencher toda a grade, eu colocava o desenho para tapar buraco. Quando vinham as planilhas de ibope, ia verificar os picos e dava de cara com o Pica-Pau sempre. Era incrível. A audiência pulava de 2 para 8 pontos com ele’, conta o diretor, que não quis perder a chance de tê-lo de novo como curinga na programação, só que na Record. ‘Quando fechamos o pacote de filmes e séries com a Universal, não tinha desenhos previstos no contrato. Fui checar e logo vi que os direitos dos pacotes do antigo do Pica-Pau estavam para vencer na Globo e no SBT. Batalhei para incluir o desenho no nosso pacote’, conta ele. ‘Segundo meus conhecimentos picapalescos, o sucesso do desenho é cíclico. Dá boa audiência por uns três anos e depois é hora de descansá-lo’, fala Vargas. ‘Mas sem dúvida é um curinga, que agrada a vários públicos. Esse é o segredo da juventude dele.’

Chaves bebe do mesmo elixir. O enlatado de mais de 20 anos do SBT já foi ao ar nos mais diferentes dias e horários – o mais estranho, à 1h da manhã – sempre incomodando a concorrência. São eternos 150 episódios, gastos de tão reprisados.

O mesmo SBT ressuscitou recentemente, com bom efeito no ibope, mas por pouco tempo, A Escolinha do Golias (1991).

Já na Band, o humor de Golias vai mais longe. Bronco, que estreou em 1986 e já foi reprisado 10 anos depois, voltou ao ar este mês e surpreendeu em audiência.

Melhor ainda tem se saído Dino da Silva Sauro. Desde o mês passado, os pouco mais de 60 episódios da Família Dinossauro entraram na programação da Band com o fim de aquecer a audiência do horário para a próxima novela da rede Dance, Dance, Dance, que estréia em outubro.

‘Muitos desses programas servem como escada para outras atrações’, fala o diretor de Programação da Band, Murilo Fraga. ‘Cabe ao programador não lotear a grade só com sucessos antigos. Esses produtos só funcionam se bem colocados e dosados’, explica o diretor, já planejando mais uma reprise. ‘Vamos começar a remasterizar os episódios do Bronco para não perdê-los com a chegada da TV digital.’ Vida longa para Golias na tela, se não eterna.

Colaborou Shaonny Takaiama’

***

Os velhinhos da animação

‘Tudo bem que criança gosta de repetição. Mas o repeteco no mundo da animação passa da conta. Quantos episódios você acha que existem da Pantera Cor-de-Rosa? 94. E do lendário Gasparzinho? Pouco mais de 100.

E não se trata apenas de coisa de Pernalonga e sua turma. Os mais modernos, se é que podemos chamá-los assim, também ganham dose extra. É o caso de He-Man – sucesso do Show da Xuxa em 1983- e seus 30 episódios no ar atualmente na Record. Sem esquecer também da conceituada Caverna do Dragão, que já ganhou diversas reprises de seus 27 episódios na Globo. Ah, e está no ar atualmente.

Mas nada se compara ao fenômeno Tom & Jerry. Criado em 1961, o desenho foi ganhando novas fornadas de episódios ao longo dos anos – a última veio em 1993 – e passou por várias emissoras por aqui. De Tupi a Globo, a perseguição clássica da história da animação está nos arquivos do SBT desde 1981, quando estreou no extinto Bozo. São pouco mais de 500 episódios que entram e saem da programação da rede de Silvio Santos em reprises intermináveis. Escalados para combater o Pica-pau da Record, o gato e o rato mais famosos do anime não fazem feio. Alcançam no SBT média de 9 pontos. O público? Crianças e seus saudosos pais. Mesma audiência que garante o sucesso de produtos como Castelo Rá-Tim-Bum, da Cultura.

São apenas 90 episódios de uma premiada atração, no ar há mais de 10 anos.

Cássio Scapin, que vive Nino na produção, luta até hoje para se livrar do fantasma do personagem. Mas, pelo visto, não irá conseguir. A Cultura não pensa em tirar o Castelo do ar tão cedo, não nos próximos 10 anos.’

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Histórias do baú

‘Chaves chegou ao SBT em 1984, junto com um lote de novelas e enlatados mexicanos, desorganizados e não catalogados. Em uma votação na direção da rede para decidir se colocava ou não o programa no ar, Silvio obteve vários votos contra, e só 1 a favor, o dele. Ele venceu, é claro.

E não é só no Brasil que Chaves é sinônimo de repetição. Exibido em mais de 30 países, a atração continua no ar em alguns deles.

Diz a lenda que Walter Lantz teve a idéia de criar o Pica-Pau depois de sua noite de núpcias no Lago Sherwood, quando um pica-pau de cabeça vermelha passou a noite inteira fazendo buracos no telhado de sua casa.

Fãs garantem que o primeiro Pica-Pau, o dos anos 40, era mais malvado. A safra mais recente (anos 60) traz um Pica-pau menos sarcástico.

Tom e Jerry estrearam em um curta da MGM no cinema em 1940. O nome de batismo de Tom era Jasper e Jerry era ainda um rato não identificado.

Bronco é uma boa oportunidade de curtir as agruras de Carlos Bronco Dinossauro, interpretado por Ronald Golias, até porque do programa que deu origem ao personagem, A Família Trapo, só restaram alguns trechos. A maior parte dos quatro anos de produção se perdeu nos incêndios que atingiram TVs.’

Roberta Pennafort

Caminhos, a estréia da vez na Record

‘A partir de terça, tiroteios de morro no Rio cedem espaço ao realismo fantástico em Sampa

Na briga com a Globo, a Record estréia na próxima terça-feira sua nova novela das 22 horas, Caminhos do Coração, com boa dose de realismo fantástico, trama policial e comédia romântica. Estrela da casa, Bianca Rinaldi é Maria, mais uma vez protagonista.

O autor é Tiago Santiago, o mesmo que deu à emissora seus maiores sucessos: A Escrava Isaura (2004, 13 pontos de ibope) e Prova de Amor (2005, 17 pontos). A direção é do igualmente bem-sucedido Alexandre Avancini, de Prova e Vidas Opostas, cujo capítulo final será exibido amanhã.

São 60 personagens e vários núcleos – o principal é o Circo Don Pepe, onde Maria convive com os pais de criação, Ana Luz (Fafá de Belém, estreante) e Pepe (Perfeito Fortuna). Bianca conta que treinou muito para não fazer feio como acrobata. ‘A preparação durou três meses.’

Sua personagem é acusada de matar o milionário Doutor Sócrates Mayer (Walmor Chagas). Quem tenta provar sua inocência é o policial do bem Marcelo (Leonardo Vieira), pai viúvo que fará par com a mocinha. É claro que o Dr. Sócrates tem uma família interesseira que irá disputar sua herança.’

Keila Jimenez

‘Está cheio de Ivans nos noticiários’

‘De bastardinho a vilão, Bruno Gagliasso é o principal suspeito do ‘Quem Matou?’ da vez

Depois do flagrante de Olavo (Wagner Moura) de cuecão e algema em Paraíso Tropical, a cena mais esperada da trama promete turbinar a audiência nos próximos dias. O assassinato da gêmea má Taís (Alessandra Negrini). Nela, Ivan, personagem de Bruno Gagliasso, pode ser a peça fundamental. ‘O vilão da vez’, como o próprio gosta de dizer.

Em papo com o Estado, Bruno fala da reviravolta de seu personagem e do mistério do ‘Quem matou?’ na novela. Conta das gravações do ‘não beijo gay’ de América e sobre sua fuga do estigma de galã.

Você imaginava que o Ivan ia passar de marginalzinho a vilão de verdade?

Desde o começo eu sabia que ele iria caminhar para esse lado. Mas não tinha noção que iria chegar à psicose. Tudo começou com a desagregação familiar, aquela história de ele ser o bastardinho. E por causa da Taís ele pirou de vez. O mais louco é que você olha no noticiário e vê um monte de Ivans por aí, garotos de classe média aprontando horrores. Por isso acho que ele dever ser punido no final.

Ele vai dar uma pirada nos próximos capítulos?

Ah vai. Vai bater na Taís quando descobrir o lance dela com o Olavo (a vilã transou com o irmão de Ivan) e vai ser um dos principais acusados da morte dela. O Ivan vira vilão de verdade.

Ele seria capaz de matá-la ?

Claro. Mesmo sendo apaixonado por ela. Quantos crimes acontecem por amor? E como é uma paixão bandida, acho que pode ter um final trágico. Eu sempre falo: o Gilberto (Braga) e o Ricardo(Linhares) fazem uma radiografia muito real do vilão e de suas fragilidades também.

Você tinha tudo para ficar com o rótulo de ‘galãzinho Malhação’ e conseguiu fugir disso…

Sou sortudo (risos). Ou me dão esses personagens bacanas para me provocar , para ver se seguro a onda (risos). Independente do papel, acho que minha obrigação é me esforçar. Tanto ator fera com quem tenho a possibilidade de contracenar, que o mínimo que faço é estudar para não faltar com respeito com eles.

É verdade que você começou como ‘chiquitito’, no SBT?

(risos). É, e não me envergonho disso não. Acabei um curso de teatro de três anos e queria fazer uma peça profissional. Numa dessas, acabei fazendo um teste para a novela Chiquititas. Eu nem sabia o que era isso (risos). Passei no teste e me perguntaram se eu queria morar na Argentina, e eu disse ‘não’. Não queria morar longe. Os caras falavam: ‘Como não? Tem um monte de gente querendo essa chance e você não quer?’ (risos) Acabei aceitando e tenho o maior orgulho disso.

Mais orgulho que do Júnior, o homossexual de América?

Ah. Nunca esperei essa repercussão dos meus personagens. Para não falar que não, esperei um pouco do Inácio (Celebridade), meu primeiro personagem em novela das 8. O Júnior não foi importante só para mim como ator, foi para muita gente que sofria com o mesmo dilema dele.

Você engordou e ficou barbudo em Cabocla. Agora está mais magro para viver o Ivan. Como lida com a vaidade?

Pelo amor de Deus, eu odeio malhar. Adoro comer. O Ivan foi o personagem de maior sacrifício que já fiz (risos). Físico, é claro.Eu tive que malhar, emagrecer. Nunca tive o corpo sarado, nunca. E odeio academia, odeio mesmo. (risos)’

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