Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os casos UAI e iBAHIA

Os portais regionais ou portais locais, diferentemente dos megaportais, têm atuação segmentada e se distinguem pela relação direta estabelecida entre comunidade e conteúdo. Valem-se do princípio da proximidade aplicado através da tecnologia das redes. Proximidade tanto no sentido original da palavra vinda do latim proximitate – relativo à condição de contigüidade, adjacência, vizinhança – como também quanto à proximidade como um dos fatores de noticiabilidade para as informações, jornalísticas e de serviço. Além disso, são um formato que pode ser utilizado como interface para intensificar as relações com a própria comunidade e o público no seu entorno, através da articulação entre o ciberespaço e o próprio espaço territorial.

Podem promover a apropriação social da tecnologia segundo uma lógica de articulação local-global, no estágio atual de desenvolvimento do jornalismo digital. Ainda destacando a sua condição local (ROBERTSON, 1999), encaixamos tais sites dentro da classificação de web-urbanismo (SASSEN, 2000), pois, acreditamos que os portais regionais podem fortalecer o engajamento em torno da localidade, promover a apropriação social das tecnologias, ampliando o sentimento de pertencimento e permitindo aos leitores/usuários participarem de uma comunidade não apenas existente no ambiente digital, mas com suas ramificações e extensões no espaço físico das cidades.

Esses portais foram operacionalmente definidos por nós como: publicações desenvolvidas especificamente para o suporte digital e cuja produção de conteúdos, serviços e entretenimento está relacionada aos critérios de proximidade, utilizando, para isso, alguns dos elementos que caracterizam o jornalismo no ambiente midiático digital, a saber: a interatividade, a hipertextualidade, a multimidialidade/convergência, a personalização, a memória e a atualização contínua (BARDOEL & DEUZE, 2000; PALACIOS, 1999, 2002).

Os portais regionais são a forma de presença digital mais amplamente adotada por empresas informativas de atuação regional já consolidadas no setor tradicional, visando integrar os conteúdos dos vários veículos que possuem – ou pelo menos parte deles. Mas existem, também, portais com esse perfil operados por empresas com atuação exclusiva no suporte digital (pure play). Em nossa perspectiva, os portais regionais são uma modalidade a mais para a produção e veiculação de conteúdos jornalísticos na web (sendo, portanto, mais um formato), além de uma subcategoria para o jornalismo de portal.

(Para além das edições on-line dos jornais comerciais, diários e gratuitos, e dos portais, temos outros modelos de jornalismo digital na web: sites noticiosos como BlueBus (www.bluebus.com.br), que cobre o mercado de comunicação e só existe no ambiente digital; as versões digitais de revistas semanais, como Veja (www.veja.com.br ), as mensais como a InfoExame (www.infoexame.com.br), sites das redes de rádio, como a CBN (www.cbn.com.br), sites de agências de notícias, como a Reuters (www.reuters.com), os sites classificados como travel writer, como o Brazilmax (www.brazilmax.com). Há, ainda, os weblogs, que já estão sendo considerados como uma forma de jornalismo.)

Nos portais regionais, o mix de informações está definido sob o tripé informação jornalística, serviço e entretenimento direcionados, mas não excluindo, necessariamente, leitores que estejam, geograficamente, em outros pontos. Aqui, vale lembrar, sobretudo, que os portais regionais são também importantes para os "públicos na diáspora". Ou seja, mineiros e baianos que estejam em outros lugares podem ter o UAI e o iBAHIA como elos de ligação a seus respectivos estados, atendendo, assim, às suas necessidades de informação de proximidade.

Os portais

Pioneiro entre os portais regionais nacionais, o UAI, criado em 1999, estreou no dia 20 de setembro como uma operação da S/A Estado de Minas, do Grupo Associados, constituindo-se como um portal de conteúdo e provimento de acesso. (O embrião do UAI foi o provedor NetService, que operava desde 1995, quando o Estado de Minas lançou a sua versão digital. In: FUOCO, Taís. NetService vira UAI e lança portal em Minas. Matéria publicada na seção Plantão Info da InfoExame Online (www.infoexame.com.br), dia 28/9/1999. Acesso em 27/5/2002.

O UAI, cujo slogan é "O grande portal dos mineiros", foi pensado para ser uma referência de Minas Gerais e, desde o início, a estratégia foi a de ser um portal que não limitasse seu conteúdo às informações geradas pelos veículos da casa (Estado de Minas, Diário da Tarde, Rádio Guarani AM e FM, TV Alterosa). Por isso, formou parcerias com jornais do interior e com outras empresas produtoras de conteúdo, além de construir canais de relacionamento, chat, meteorologia, cinema, turismo, entre outros de diversão e serviço. O maior peso no conteúdo do UAI é a informação jornalística, embora o portal tenha implementado mais a área de entretenimento e serviços, passando a oferecer, por exemplo, opção de comércio eletrônico através do Submarino. O modelo de gestão do UAI baseia-se em conteúdo fechado, isto é, para assinantes. Apenas algumas matérias no canal "Últimas" (antes era denominado "Agora") e outros conteúdos de serviços podem ser acessados por aqueles que não são assinantes do portal.

Em junho, o UAI registrava audiência de 3.765.000 page views. Diariamente, o portal contabiliza trinta mil usuários cativos. O superintendente de Internet da S/A Estado de Minas, o engenheiro e jornalista Geraldo Teixeira da Costa Neto, afirma que 80% do segredo do portal é justamente a credibilidade da marca Estado de Minas em entrevista concedida à autora em 16/05/2002. Segundo Costa Neto, a receita do portal é proveniente de duas fontes: 90% da venda de assinatura com o provimento de acesso e 10% de publicidade e venda de conteúdo:




"Não tenho dúvida disso. Se não tivesse a marca do EM, o UAI não estaria vivo. Hoje, o UAI é reconhecido como um projeto regional, mas de repercussão nacional. A operação é lucrativa (…) Enquanto o UOL perde R$ 200 milhões num ano, eu ganho R$ 1 milhão (…) O UAI se sustenta. Nenhuma empresa do grupo coloca dinheiro no UAI. Esta é a minha primeira premissa: operar com qualidade e com recurso" (COSTA NETO, 2002)

Já o iBAHIA – agora ligado à Diretoria de Conteúdo e Entretenimento do Grupo Rede Bahia – iniciou a sua operação em outubro de 2000, num momento de expansão dos portais regionais na web nacional e, desde então, é um dos portais que integram a base do Globo.com. O iBAHIA, cujo slogan até o início do segundo semestre de 2003 era "O portal da Bahia" sendo substituído agora por "O portal da Rede Bahia", começou a ser gestado ainda em maio de 2000, quando foi lançada uma versão de teste, sendo lançado oficialmente em 10 de outubro. No mix de conteúdo do iBAHIA, o entretenimento é o carro-chefe, sendo a produção jornalística mais presente no canal de últimas notícias "Plantão i". Há, ainda, os canais de serviços, com destaque para a programação de shows e eventos em geral, venda de ingressos, informações turísticas, além dos canais e sites do parceiro Globo.com. Desde agosto, o iBAHIA está passando por nova fase de reestruturação. Como informou o gerente operacional, Leonardo Villanova, que antes desempenhava a função de gerente de criação, após três anos decidiu-se mudar o slogan para "O portal da Rede Bahia" para se dar mais atenção ao conteúdo gerado pelos veículos do grupo. "A idéia é colocar o conteúdo de programas da TV Bahia (afiliada da Rede Globo) e da TV Salvador (canal a cabo), entre outros como canais dentro do portal". Informação dada à autora em entrevista feita por telefone no dia 28/08/2003)

Com a atual reformulação, as promoções passaram a ser mais valorizadas, assim como os eventos promovidos pela Rede Bahia, a exemplo do Festival de Lençóis, Bahia Recall, etc. Entre os novos canais do portal, estão o "Contraplano" – programa sobre cinema veiculado pela TV Salvador – o "Discoteca Narcisista", um blog sobre a cena musical, pertencente a Leonardo Maia, estudante de Jornalismo da FACOM, o "Parafina Surf Game" e o "Par Perfeito", canal de relacionamento que substituiu o "Eu-i-você".

Embora o iBAHIA seja o portal da Rede Bahia, ele não integra o conteúdo de todos os veículos de comunicação do grupo. (O grupo possui um jornal (o Correio da Bahia), a gráfica Santa Helena, rádios (Globo FM e a rede Tropical Sat FM), a TV Bahia, além das emissoras afiliadas do interior e a TV Salvador. Também atua no segmento internet com o iBAHIA, no setor de construção, incorporação e logística.) Mesmo com a nova reformulação, o portal continua oferecendo apenas links para os sites da TV Bahia, Globo FM, Tropical Sat e TV Salvador. O iBAHIA configurou a sua estratégia como um portal de conteúdo aberto e, no mês de julho, registrava audiência de 3.790.645 page views. Desde que foi criado, o portal já passou por algumas reformulações e, na atual fase, está interessado em atrair mais audiência e rentabilidade.




"A mudança para portal da Rede Bahia é o diferencial que estamos buscando para nos posicionar no mercado. A fase é diferente da de três anos atrás. Vamos focalizar mais no conteúdo dos veículos da rede, inclusive para buscar um modelo mais rentável. Agora, temos repórteres na redação da TV Bahia, da TV Salvador e da rádio Tropical Sat para oferecermos informação mais atualizada" (VILLANOVA, 2003) (Entrevista concedida à autora em 28/08/2003)

Faz-se importante destacar que o UAI e o iBAHIA, apesar de terem sido constituídos segundo o formato de portal regional, guardando características semelhantes, possuem diferenciações entre si, tanto no que se refere ao modelo de negócios sob o qual estão assentados, como no que diz respeito à estrutura, além das especificidades relacionadas às práticas jornalísticas, à composição e escolha dos conteúdos, ao tratamento dado às informações, bem como à construção da narrativa jornalística a partir do uso dos elementos característicos do jornalismo no suporte digital. (UAI e iBAHIA possuem modelos que estão entre os que John Pavlik (2001) lista como os mais empregados por web sites de jornais e portais que conseguiram ter bons resultados. Para ele, a chave para o futuro do jornalismo digital está no desenvolvimento de um modelo de negócios bem-sucedido aliado à melhoria crescente na qualidade do conteúdo).

O conteúdo

Na composição dos conteúdos tanto do UAI como do iBAHIA, percebe-se o interesse de atrair o leitor/usuário por meio de canais que possam gerar a identificação com o jeito mineiro de ser e o jeito baiano de ser. Cada um, à sua maneira, tem buscado atingir seu objetivo: o UAI fazendo consultas regulares aos assinantes por meio de pesquisas sobre o conteúdo disponível e o que eles gostariam de ver contemplado no portal, o iBAHIA usando a percepção e mesmo o retorno que recebe via e-mail para implementar canais e serviços sintonizados com o interesse do seu público e, mais especificamente, com os interesses do grupo a que pertence. Tanto um como outro conformam seus conteúdos sob o tripé informação jornalística, entretenimento e serviços, oferecendo aquilo que é básico nos portais regionais (a exemplo de notícias atualizadas em tempo real ou quase real, canais com informações específicas e atualização semanal, canais de relacionamento, condições climáticas e de trânsito, oferta do e-mail gratuito, chats, busca, entre outros).

A quantificação dos conteúdos originais gerados apenas pela redação do UAI está abaixo dos 30%, pois, conforme revelou Geraldo Teixeira da Costa Neto, esse coeficiente é atingido levando-se em conta também o material dos parceiros e das agências de notícias. Os outros 70% do conteúdo são fornecidos pela redação do Estado de Minas. No iBAHIA, esse percentual é menor. Apesar de não ter sido quantificado, pode-se percebê-lo já que, atualmente, o material jornalístico produzido pela sua redação está concentrado principalmente no "Plantão i", e pulverizado entre canais como o "Issa!", de cobertura de festas, entre outros temporários, sendo os demais canais alimentados por material de serviço basicamente de banco de dados e de parceiros.

Contribui para isso, também, a reduzida equipe trabalhando no portal, que, ao contrário do UAI, não possui contrato com agências de notícias, nem pode utilizar integralmente o material do Correio da Bahia nem sequer colocar link remetendo para o site do jornal. (somente a partir de março de 2004 – quando acaba contrato firmado em 2000 entre a Rede Bahia e o Terra para utilização do conteúdo do jornal – é que o site do Correio da Bahia será integrado ao portal. Embora existisse o impedimento legal, o iBAHIA desde o início utilizou informações do jornal, especialmente para alimentar o canal de últimas notícias "Plantão i"). Apesar disso, é comum a publicação no portal de notas no plantão remetendo para matérias veiculadas pelo jornal numa experimentação tímida do chamado cruzamento entre mídias ou crossmedia.

O iBAHIA¸ entretanto, não possui restrição para o uso do material dos demais veículos ligados à Rede Bahia, como as emissoras de TV e de rádio da capital e afiliadas do interior. A despeito disso, possui apenas links remetendo ao sites desses veículos localizados em Salvador, além de oferecer a possibilidade de se assistir aos vídeos do Jornal da Manhã da TV Bahia, assim como ouvir a programação da Globo FM. Com a integração do material das emissoras do interior do estado, certamente, o iBAHIA construiria uma rede de notícias sobre o estado. Através disso, poderia, inclusive, ampliar a audiência e, mais ainda, consolidar-se como uma referência de cobertura jornalística no estado e fora dele.

O UAI, por sua vez, entendeu desde o começo que precisaria agregar jornais do interior em sua base, mesmo que os Associados não possuíssem veículos para além de Belo Horizonte. Por isso, ofereceu a infra-estrutura através do provedor de acesso (presente em mais de 170 cidades) em troca do conteúdo de alguns dos jornais das principais regiões do estado. Entre os jornais, destacam-se: Folha da Manhã, Jornal de Uberaba, Jornal Vale do Aço, Correio do Sul, Diário de Caratinga, Jornal Sete Dias, Sagarana.

Apesar de disponibilizarem conteúdos e serviços de parceiros e o material dos jornais ligados aos grupos de comunicação a que pertencem, UAI e iBAHIA ainda não perceberam a importância de turismo, cultura, educação, o terceiro setor, entre outros – para integrar o máximo possível de informações sobre os respectivos estados onde geograficamente estão situados. Essa é uma estratégia que pode gerar e ampliar audiência, atrair publicidade local e mesmo anúncios de empresas e instituições de atuação nacional, mas que destinam verba para produtos e veículos regionais.

O próprio conteúdo – especialmente o de informação jornalística – seria potencialmente valorizado, já que constitui a base principal de um portal regional jornalístico. Por isso mesmo, cada vez mais, esse conteúdo deve ser melhorado, implementado e construído a partir dos elementos possibilitados pelo suporte digital, priorizando a inserção do leitor/usuário na sua produção. Um portal regional pode atrair audiência do público externo, podendo tornar-se referência jornalística nacional, desde que apresente boa cobertura para os acontecimentos locais e agregue o máximo de informações sobre a cidade, estado ou região onde geograficamente está situado.

As práticas jornalísticas

De um modo geral, as práticas jornalísticas no UAI e no iBAHIA refletem o nível de consolidação dos procedimentos para a produção de conteúdos e mesmo de organização e orientação para essa produção. Se do lado do UAI o fato de a equipe ter mais tempo de trabalho (São dez jornalistas trabalhando na redação do UAI (apenas um é estagiário e há também um trainee). Além deles, há três produtores internet, quatro assistentes de produção e dois analistas de sistemas)e experiência no suporte digital, contando com uma melhor estrutura e sistemas de apuração mais estabilizados possam ser destacados como pontos positivos, no iBAHIA, encontra-se outra realidade (ao todo, são sete pessoas na redação: dois jornalistas profissionais e cinco estagiários. Os demais funcionários são uma gerente de marketing e uma executiva comercial). No portal, a equipe relativamente menor, contando apenas com dois jornalistas profissionais (sendo um, o coordenador de conteúdo), além da estrutura um pouco improvisada, termina produzindo alguns desníveis e, sobretudo, uma certa distância entre o que se diz fazer e o que de fato se constata na prática. Cabe notar, ainda, que não é apenas a equipe pequena que influencia, mas, sobretudo, a falta de direcionamento e maior organização – que, na nossa percepção, são justamente os fatores que mais comprometem a condução e gestão dos conteúdos no iBAHIA.

As queixas dos jornalistas do UAI dizem respeito à ausência de um editor na condução dos trabalhos e as limitações que enfrentam para produzir conteúdos com as ferramentas que têm, a equipe e o tempo que efetivamente dispõem. No iBAHIA, a presença do editor ou coordenador é insuficiente para gerar um ordenamento e mesmo uniformidade com relação aos procedimentos para a condução dos trabalhos, principalmente naquilo que se refere ao desempenho das funções dos estagiários. Para os jornalistas do iBAHIA, igualmente, o desafio em produzir os conteúdos diante das limitações que enfrentam é grande.

Todavia, em ambos os portais, a flexibilização hierárquica resulta positiva. Os jornalistas experimentam autonomia no cumprimento de suas funções e desenvolvem habilidades, ainda que não tão de acordo à que deve ser a atuação do jornalista numa redação online (Entre as habilidades que julgamos inerentes ao desempenho da função de jornalista numa redação digital estão: apurar, selecionar, redigir, editar e publicar; pensar a arquitetura de construção do texto, de modo a empregar elementos hipertextuais e demais recursos de multimidialidade – como imagens, fotos, simulações, gráficos, animações, áudio –, usar a flexibilidade combinatória para relacionar os textos com artigos e matérias anteriormente produzidos (de acordo com a característica da memória). Os jornalistas também devem acompanhar o desenvolvimento de ferramentas de publicação junto com os analistas de sistemas e demais profissionais para que elas estejam mais em sintonia com os conteúdos que se pretende oferecer).

Eles precisam apurar, selecionar, redigir, editar e publicar, além de tomar decisões e terem responsabilidades que normalmente caberiam a um editor. Ainda que disponham de pouco tempo ou mesmo de poucas ferramentas tecnológicas, eles podem atentar para a construção do texto, de modo a empregar elementos hipertextuais, combinando-os aos recursos de multimidialidade – como imagens, fotos, gráficos, animações, áudio.

No UAI, algumas das matérias já tiram partido da flexibilidade combinatória para relacionar as matérias com outras anteriormente produzidas (característica da hipertextualidade combinada à da memória). Os próprios sistemas de publicação, inclusive, podem facilitar algumas dessas etapas. No Sistema de Gerenciamento de Conteúdo (SGC) do iBAHIA, por exemplo, já tem inserida a opção de se incluir vídeo, no entanto, fica inativa pois o portal oferece apenas texto e foto. Quanto ao uso dos links, o então gerente operacional da Ilimit Internet & Business (empresa ao qual o portal era ligado anteriormente), Camilo Telles, afirmava ser possível utilizá-los, mas o problema era a inexistência dessa cultura dentro do portal. Problema que continua a ocorrer.

As habilidades indicadas requerem um nível mínimo de conhecimento de softwares como editores de texto, editores de imagem, entre outros programas para uso de áudio e de vídeo na própria web, mesmo que o portal (ou qualquer outro site jornalístico) possua profissional ou profissionais específicos para realizar tais tarefas. Os jornalistas, em geral, reclamam por terem que trabalhar com tal carga de responsabilidade, sem receber remuneração mais condizente com as funções exigidas desse profissional que se quer "holístico".

A produção

O UAI e o iBAHIA coincidem quanto ao sistema centralizado de produção, apoiado no modelo do jornalismo tradicional. Contudo, já incorporaram as ferramentas disponibilizadas pelo próprio suporte, como e-mail, bancos de dados, a própria web, e os engenhos de busca. Para a apuração, apóiam-se, principalmente, no telefone, no e-mail, nos sites jornalísticos da web, rádio-escuta (no caso do UAI), TV-escuta (em ambos) e no fax (mais presente no iBAHIA). O trabalho remoto, ou seja, feito a partir de qualquer lugar fora da redação, é pouco estimulado, ainda que, no caso do iBAHIA, o sistema de publicação favoreça essa prática. Para os jornalistas de ambos os portais, a limitada ida à rua se configura um problema, o que reflete uma visão muito atrelada aos modos de produção pertinentes ao jornalismo tradicional. Por meio dos diversos sites de fontes oficiais (mantidas pelo governo, por empresas, por organizações como sindicatos e associações), oficiosas (aquelas relacionadas de forma direta com uma instituição ou personalidade, mas sem poder formal) e das fontes independentes (sem vinculação direta com o caso tratado), o repórter pode ter acesso a informações e a dados complementares para a construção de suas matérias (a partir de apuração na própria rede) de maneira contextualizada. Mais que isso: em consonância com o exercício do jornalismo nas redes telemáticas. E este exercício, segundo constata Elias Machado Gonçalves, em seu trabalho "O ciberespaço como fonte para os jornalistas" (ver remissão ao final) depende do estabelecimento de critérios capazes de garantir a confiabilidade do sistema de apuração dentro de um entorno com as especificidades do mundo digital (2002:6).




"A estrutura descentralizada do ciberespaço complica o trabalho de apuração dos jornalistas nas redes devido à multiplicação das fontes sem tradição especializada no tratamento de notícias, espalhadas agora em escala mundial (…) Enquanto no jornalismo convencional, muitas vezes, a notícia consiste na própria declaração, o jornalismo nas redes possibilita que a declaração seja um dos elementos que reforça a credibilidade da notícia (…) A inversão no processo produtivo nada tem a ver com a substituição dos postos clássicos de cobertura como prefeituras, câmaras de vereadores, assembléias legislativas, governos estaduais ou federal, câmara federal, senado ou federações empresariais e sindicais pelas variadas fontes independentes acessíveis no ciberespaço" (GONÇALVES, 2002: 6-11).

Gonçalves também pontua que não há necessidade dos jornalistas no local para a cobertura de um assunto específico, pois a redação digital ocupa o lugar de um centro de gravidade para onde converge o fluxo de matérias enviadas pelos profissionais, colaboradores e usuários do sistema.

Além da utilização do ciberespaço como fonte (sites, bancos de dados, listas de discussão) e do e-mail para entrevistas, o repórter tem o telefone, o rádio-escuta e a TV-escuta para ampliar a apuração e dar suporte ao processo de coleta de dados para as suas matérias. Desta maneira, estará empregando os recursos das tecnologias da mundialização (juntamente com os demais recursos tradicionais) ou globalizantes, como diz Vicent Partal (1998), para a produção da informação de proximidade. Afinal, como observa Helder Bastos (2000: 86), com a crescente confiança em bases de dados eletrônicas, o jornalista não se limitará a citar alguém, mas questionar, como fazendo parte da história, se a asserção citada é ou não verdadeira (Sobre os sistemas de armazenamento digital da informação e a sua aplicação no jornalismo, ver KOCH, 1991.). Ou como nos diz Tom Koch sobre os recursos da informação eletrônica (1991:135):




"(…) Pelo menos, esta tecnologia permitirá ao profissional da informação colocar em contexto declarações públicas freqüentemente vagas, contraditórias e em circuncolóquio, de forma a poderem ser, pela primeira vez, medidas e depois transformadas para além do nível unitário" (KOCH, 1991:135). (tradução livre)

Ou seja, o uso conjugado do próprio ciberespaço e de bancos de dados, entre outros, pode ampliar ainda mais as possibilidades para a produção dos conteúdos em portais regionais, permitindo a utilização de maior diversidade de fontes, o que resultará na oferta de informações mais bem contextualizadas.

Os problemas

Inicialmente, percebemos que as limitações existentes em ambos não são apenas tecnológicas, mas, principalmente, estão relacionadas às políticas editoriais-administrativas, e ao pouco conhecimento em relação à dinâmica de produção dos conteúdos no suporte digital. Os próprios sistemas de produção (centralizados) tanto do UAI como do iBAHIA confirmam o quão atrelados aos modelos do jornalismo tradicional eles se mantêm. Isso se reflete na própria construção das narrativas jornalísticas, ainda fortemente marcadas pela linearidade, mesmo que em alguns casos incorpore recursos de hipertextualidade, interatividade, memória, multimidialidade e personalização. Mesmo assim, a contextualização dos conteúdos, uma das grandes possibilidades para o jornalismo digital justamente pela inexistência de limites cronoespaciais, ainda é pouco ou quase nada explorada.

A contextualização diz respeito à possibilidade de prover contexto adicional por meio da lincagem para materiais diversos, como reportagens ou matérias anteriormente produzidas ou relacionadas a bancos de dados, entre outras fontes, como indicam as pesquisadoras Nora Paul e Christina Fiebich no artigo 5 Elements of diGital stroytelling (www.imms.umn.edu/Elements/index.htm) (2002). Já John Pavlik (2001) vai além, preferindo classificar como jornalismo contextualizado a nova forma de jornalismo, pois, segundo ele, a expressão descreve melhor a modalidade emergente.

Pavlik (2001: 4 – 22) elenca cinco aspectos do jornalismo contextualizado: amplas modalidades de comunicação (texto, áudio, vídeo, gráficos, animação e até uso de vídeo em 360° graus); hipermídia (incluindo tanto o uso de hiperlinks, como utilizando a tecnologia digital para distribuir conteúdos via televisão e lincados para a internet ou outras redes); envolvimento da audiência (a incorporação dos usuários na produção dos conteúdos por meio das possibilidades interativas, garantindo-lhes maior nível de imersão nesses mesmos conteúdos); conteúdo dinâmico (garantindo a rapidez para a atualização contínua, aliada à qualidade do texto); e a customização (possibilidades de personalização dos conteúdos). Ou seja, os aspectos apontados por John Pavlik ressaltam exatamente os elementos característicos do jornalismo digital já sistematizados por Bardoel & Deuze (2000) e por Palacios (1999).

Faz-se importante assinalar que não há – nos casos estudados – como em outros, a exemplo do que constatou a pesquisa Um mapeamento de características e tendências no jornalismo online brasileiro e português (publicado na revista Comunicarte, vol.1, n.2, setembro de 2002. Aveiro, Portugal) em edições digitais de jornais impressos, produtos que utilizem a totalidade dos recursos para a produção e publicação dos conteúdos. Por outro lado, não podemos dizer que os conteúdos veiculados pelos portais estudados sejam caracterizados pela transposição total, mesmo no caso do UAI, que utiliza o material do jornal Estado de Minas, entre outros jornais parceiros, disseminando um mesmo conteúdo para diferentes plataformas – modelo considerado como perceptivo-hipermidiático (SILVA JÚNIOR, 2001).

As possibilidades

Os conteúdos originais – mesmo não chegando a representar 50% da produção atual desses portais regionais – e aqueles produzidos pelos sites parceiros, têm potencial para serem ampliados. Isso poderá ocorrer desde que ambos os empreendimentos entendam e atendam ao apelo a desenvolvimentos necessários de serem realizados no sentido de adaptar e melhor adequar a linha editorial às possibilidades passíveis de serem implementadas. Outro ponto interessante que gostaríamos de registrar sobre UAI e iBAHIA se relaciona às estratégias distintas com que cada um definiu suas operações do ponto de vista editorial e simbólico em relação aos jornais pertencentes aos grupos de comunicação aos quais estão atrelados. Enquanto no UAI a relação com o capital simbólico acumulado pelo Estado de Minas em seus 75 anos de atividades é sustentada e considerada imprescindível – como afirmou o responsável pelo portal, Geraldo Teixeira da Costa Neto – no iBAHIA, a estratégia foi de distanciamento e desvinculação em relação à imagem (principalmente em função da identidade política) e ao conteúdo editorial do jornal Correio da Bahia. Como revelou a coordenadora de conteúdo do portal, Márcia Luz, a intenção era construir uma identidade própria.

No entanto, durante mais de dois anos, o iBAHIA esteve instalado no mesmo prédio do jornal, com sua redação funcionando junto à redação do Correio da Bahia e "partilhando" informações produzidas pelos repórteres do jornal. Em nossa perspectiva, pensamos que esse quadro poderia ter se configurado em outra direção caso o conteúdo do Correio da Bahia não estivesse sob a licença de uso assegurado ao portal Terra. Talvez, a partir de 2004, quando acaba o contrato entre o Terra e o Correio, esse cenário possa ser modificado.

A realidade que pudemos conhecer nos permite afirmar que o UAI possui uma estratégia de atuação mais clara, até porque precisou definir mais detalhadamente seus passos no ambiente digital desde a sua criação para não arriscar a credibilidade da marca Estado de Minas. Além disso, a própria tradição jornalística influiu na percepção para a composição dos conteúdos, cujo peso do entretenimento é bem menor do que o da informação jornalística. Isso não quer dizer, porém, que o UAI não precise implementar seu mix, adequar seus sistemas de produção para que estejam sintonizados com o suporte, ampliar a sua oferta de conteúdos locais e incorporar recursos característicos do jornalismo digital. A implementação também passa pela capacitação da equipe.

No iBAHIA, percebemos que a inexistência de um projeto mais elaborado e definido compromete o produto em si. Em função disso, a composição dos conteúdos, bem como as práticas jornalísticas ficaram à mercê de improvisos, que, de solução temporária, terminaram se transformando em hábitos e praxes consolidados. No entanto, o portal vem tentando definir melhor a sua estratégia de atuação, processo iniciado com a transferência das instalações para um espaço próprio, que, no entanto, ainda não foi capaz de promover mudanças capazes de influir na reestruturação das práticas, melhoria da cobertura jornalística e na ampliação da oferta de conteúdos locais. Ao contrário, a redefinição do portal como sendo da Rede Bahia, a nosso ver, reforça uma estratégia mais limitada ao que os veículos do grupo produzem. Além disso, demonstra a pouca disposição em investir em equipe própria e produção de conteúdos originais. Pois, é claro que, para haver melhoria das práticas, não só se faz necessário o direcionamento editorial, determinando prioridades, assegurando continuidades e consistência no estilo, como também a melhor capacitação e qualificação da equipe, inclusive com incorporação de mais profissionais.

A partir do que se observou durante a realização do trabalho indicam-se algumas sugestões para que ambos os portais organizem-se mais adequadamente e, assim, possam obter mais vantagens e benefícios para as suas respectivas operações. Algumas das sugestões que se aponta a seguir necessitam de investimentos, mas outras não. Entre elas, destacamos: – Definir questões conceituais inerentes ao formato portal aplicado ao jornalismo; – Definir quais são os objetivos que se pretende alcançar com uma operação baseada neste formato; – Estruturar as rotinas de trabalho para atender melhor aos objetivos propostos adequando atitudes e atividades; – Adequar os sistemas de produção dos conteúdos às especificidades do ambiente digital; – Otimizar os procedimentos para a cobertura jornalística, incorporando às rotinas elementos característicos do jornalismo digital de modo a permitir maior contextualização para os conteúdos, principalmente no que se refere aos recursos de hipertextualidade, à multimidialidade e à memória; – Implementar e ampliar a oferta de conteúdos locais, inclusive incorporando novos parceiros dos diversos setores para que possa oferecer mix abrangente de informações sobre a cidade, estado ou região; – Estabelecer e/ou implementar eficazmente a interatividade entre o portal (jornalistas) e o leitor/usuário; – Estimular a participação do leitor/usuário na própria produção dos conteúdos; – Aprimorar a personalização no nível dos conteúdos e dos serviços.

Para finalizar, reiteramos que a escolha do estudo de caso como método de trabalho nos permitiu conhecer e explorar mais detalhadamente o nosso objeto, constituído por dois portais regionais. Contudo, tal metodologia não nos consente tecer generalizações. Por isso mesmo, é que este trabalho pretende contribuir para futuras investigações que possam ampliar ainda mais o conhecimento sobre o formato portal regional, bem como sobre a temática dos sistemas de produção de conteúdos na internet. As nossas percepções aqui apresentadas, certamente, poderão ser úteis e indicar pistas a se seguir para o desenvolvimento de outros trabalhos.

Referências bibliográficas

BARBOSA, Suzana. Jornalismo diGital e a informação de proximidade: o caso dos portais regionais, com estudo sobre o UAI e o iBAHIA. (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, FACOM-UFBA, Salvador, 2002.

BARDOEL, Jo & DEUZE, Mark. Network Journalism: converging competences of old and new media professionals. In:http://home.pscw.uva.nl/deuze/pub19.htm. Acesso em 13/10/2000.

BASTOS, Hélder. Jornalismo Electrónico. Internet e ReconfiGuração de Práticas nas Redacções. Coimbra: Minerva, 2000.

FRANÇA, Vera Veiga. Jornalismo e vida social. A história amena de um jornal mineiro. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

GONÇALVES, Elias Machado. O ciberespaço como fonte para os jornalistas. Trabalho apresentado no GT de Jornalismo da Associação latino-americana de pesquisadores em Comunicação, Santa Cruz de la Sierra, Universidade Privada de Santa Cruz de la Sierra, 05-08 de Junho de 2002. In:www.facom.ufba.br/jol Acesso em 15/07/2002.

KOCH, Tom. Journalism in the 21st Century: online information, electronic databases, and the news. West point: Praeger, 1991.

LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001.

LASSICA, J.D. Portals and regional hubs. In: www.ojr.org/ojr/lasica/1018588072.php.

Acesso em 12/07/2002.

OUTING, Steve. Estratégia para portais regionais. Coluna parem as máquinas de 07/07/1999. In:http://www.uol.com.br/internet/colunas/parem/par070799.htm . Acesso em 13/10/2000.

PALACIOS, Marcos. O que há de (realmente) novo no Jornalismo Online? Conferência proferida por ocasião do concurso público para professor titular na FACOM-UFBA. Salvador, Bahia, em 21/09/1999.

______; MIELNICZUK, Luciana; BARBOSA, Suzana; RIBAS, Beatriz; NARITA, Sandra. Um mapeamento de características e tendências no jornalismo online brasileiro e português.In: Comunicarte, Revista de Comunicação e Arte, vol.1, n.2, Universidade de Aveiro, Portugal, set.2002.

PAVLIK, John V. Journalism and new media. New York, Columbia University Press, 2001.

ROBERTSON, Roland. Globalização. Teoria social e cultura global. Petrópolis: Vozes, 2000.

SASSEN, Saskia. Web-urbanismo. In:. Hypertexto (primeira edição), 31/10/2000. In:http://www.hypertexto.com.br http://www.hypertexto.com.br . Acesso em 18/01/2001.

SILVA JR. José Afonso. Jornalismo 1.2: características e usos da hipermídia no jornalismo, com estudo de caso do Grupo Estado de São Paulo. (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas). FACOM/UFBA, Salvador, 2000.

WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença, 1992.

******

Jornalista, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da FACOM-UFBA, bolsista CNPq