Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Tumulto nas ruas; rebuliço nas redações

Pela segunda vez em um ano, Florianópolis foi palco de manifestações estudantis contra o aumento das tarifas no transporte urbano. Primeiro, foi em junho de 2004, quando estudantes protestaram, conseguindo que a prefeitura voltasse atrás na decisão do reajuste. Desta vez, a manifestação cresceu e o assunto ganhou destaque nos jornais por uma agravante: a violência policial usada sob o pretexto de manter a ordem. No Diário Catarinense, sobram descrições e variedade nas fontes, mas o jornal peca na falta de contextualização. Em A Notícia, o leitor encontrou uma cobertura sustentada por fontes oficiais. Pedir por contexto nas páginas de AN, então, nem pensar…

Repórter-relator

No Diário Catarinense, a cobertura começa no dia 31 de maio com a matéria ‘Protestos tumultuam Florianópolis’. A abertura do texto é uma descrição: ‘- Olha só, parece que estamos no Iraque. A observação partiu de um rapaz que, desavisado, deu de cara com a cena mais tensa da manifestação ontem contra o reajuste tarifário no transporte na Capital’. O trecho é um exemplo do tom que teve todo o material analisado, composto em grande parte de matérias que relatavam os protestos e confrontos nas ruas da Capital. Assim, as descrições mostram uma preocupação do jornal ao mostrar em detalhes a movimentação da cidade, além de apontar um trabalho de reportagem realizado bem próximo aos fatos. Muitas vezes, porém, o texto sustentado nos relatos dos repórteres que acompanhavam os estudantes pode ter ficado cansativo para o leitor. O problema foi o estilo relatorial e não descritivo preferido pela edição. O leitor não pode, com isso, ser transportado para o local dos fatos, como uma boa descrição pode fazer. No dia 3 de junho, entretanto, a matéria ‘Protesto sai do controle na Capital’ tem as descrições dos estudantes nas ruas e da reunião do prefeito com representantes de vários segmentos da sociedade costurados de forma interessante. A edição fez valer seu trabalho.

Múltiplas vozes

Outro aspecto interessante da cobertura realizada pelo Diário Catarinense foi a quantidade de fontes. Na maior parte das edições, além de fontes oficiais havia declarações de estudantes e comerciantes, além da população que utiliza o transporte urbano – só no dia 7 foram publicadas as opiniões de sete pessoas. As exceções foram as edições do dia 2 – que trouxe apenas declarações do prefeito e da Polícia Militar –; e do dia 10 – só o secretário dos transportes foi ouvido. Com relação ao posicionamento, a maior parte das pessoas dizia ser contra o aumento das tarifas, mas não concordava com os protestos. Ouvir todos os lados é um dos princípios do jornalismo de qualidade. De simples entendimento, o conceito nem sempre é tão simples na prática. No caso dos protestos, a proximidade do repórter com o fato possibilitou que Diário Catarinense realizasse esse trabalho na maior parte da cobertura.

Fora de contexto

Com uma cobertura intensa – foram 13 páginas em 14 edições – faltou ao DC uma contextualização do fato. Não é a primeira vez que protestos causados pelo aumento da tarifa acontecem na Capital e o leitor precisa saber disso. Precisa saber também porque esse aumento ocorreu e se era realmente necessário – quando abordou este aspecto, o jornal deteve-se apenas às informações passadas pela Secretaria de Transportes. No jornalismo diário, nem sempre é possível contextualizar o tema. Pouco espaço, falta de tempo, equipe enxuta e tema secundário explicam sua ausência em boa parte do material. Mas esse não é o caso: o próprio veículo noticia uma ‘crise dos transportes’ e passa a impressão de que ‘Florianópolis está amedrontada’. Aqui, a importância dos protestos, clara nos títulos, já justifica a necessidade de ser contextualizado.

Análise política

Sendo uma decisão da prefeitura, o aumento das tarifas no transporte urbano rendeu muitas notas na coluna política de Fabian Lemos, no DC. Como já foi apontado por este MONITOR DE MÍDIA em análises anteriores, muitas vezes os textos ficam próximos a comentários, não apresentando uma opinião explícita. Em algumas edições, entretanto, o colunista contextualizou o assunto, dando informações que fizeram falta nas matérias. Exemplo é a nota intitulada ‘Sobrou até para deputado’, do dia 1º. Nela, Lemos traz que ‘coincidência ou não, a ação da PM tem sido mais enérgica agora do que quando os mesmos estudantes pararam a cidade, em plena campanha de 2004. Naquela oportunidade, Ângela Amin,que faz oposição ao governo do Estado, era a prefeita’.

Menos protestos, menos espaço

As manifestações estudantis ganharam, desde o dia 31 de maio, chamada de capa e pelo menos duas páginas internas. Ocuparam, nos dias 3,4 e 5 de junho as pp.4 e 5, destinadas ao assunto mais importante da edição. Mas sem pontes fechadas e confrontos com policiais, a discussão do reajuste das tarifas ocupou, no dia 11, apenas um quarto de página. Na edição do dia 12, última analisada, não houve nenhuma matéria sobre o assunto. Sem o apelo dos protestos, o assunto perde o destaque. O que se espera é que não deixe de ser noticiado em virtude disso…

A opinião do jornal

No período analisado, o ‘Opinião DC’ também abordou as manifestações dos estudantes e os problemas do transporte coletivo na Capital. No dia 1º, o título já dá uma idéia da posição do jornal: ‘Protesto tem limite’. A mesma idéia foi defendida no dia 9 em texto intitulado ‘O bom senso em questão’. Já o transporte coletivo foi criticado no dia 7: ‘Os mais de 130 mil munícipes que dependem, exclusivamente, do sistema para seus deslocamentos diários, pagam algumas das tarifas mais caras do país. E a qualidade dos serviços nem de longe corresponde ao preço. (…). O sistema clama por uma reengenharia em profundidade’.

Começa mal

O primeiro dia em que os protestos em Florianópolis são noticiados por AN, a movimentação dos estudantes é descrita por alto. O que pode ser percebido no trecho: ‘Pouco depois das 18 horas, o grupo marchou em direção à ponte Colombo Salles (…)’. Não foram ouvidos estudantes nem outras pessoas que utilizam o transporte público e a matéria mostra uma tendência à cobertura sustentada por fontes oficiais. Este MONITOR DE MÍDIA destaca uma passagem do texto para exemplificar: ‘O prefeito Dário Berger não foi localizado pela reportagem ontem para comentar as manifestações dos estudantes e sindicatos’. Na seqüência, AN publica nota oficial divulgada pela prefeitura. E há ainda mais dois pontos que podem revelar uma tendência ‘oficialesca’: uma é que das possíveis vítimas de agressão o único que ouvido foi o deputado Afrânio Boppré (PT); outra é o fato de que os estudantes não tiveram espaço, mas há declarações da Polícia Militar.

O tom oficial continua

No dia 2, a movimentação nas ruas da Capital é, mais uma vez, apresentada sem detalhes. Exemplo é o trecho: ‘Momento tenso apenas quando alguns estudantes tentaram invadir a Assembléia Legislativa’. A matéria traz declarações do presidente da União Catarinense dos Estudantes (UCE) e da Polícia Militar. População? Não aparece aqui nem vai ter espaço durante toda a cobertura. Mas títulos fortes aparecem. Destaque para a edição do dia 3 que veio com a manchete ‘Quebra-quebra e confrontos nas ruas em dia de caos na Capital’ e nas páginas internas trouxe ‘Capital se transforma em cenário de guerra’. No dia 4, mais fontes oficiais com informações sobre reuniões do prefeito: ‘Em nenhum momento do encontro, segundo relato do presidente em exercício da Câmara de Vereadores (…)’. Outros exemplos foram encontrados em todas as edições – até o dia 10, última edição que trata do assunto no período analisado que encerrou no dia 13.

O problema

A análise do material sobre os protestos produzido por A Notícia pode levantar algumas questões. A cobertura que trata de um problema que transforma a Capital em ‘uma praça de guerra’ – como descreveu o próprio jornal – não mereceria mais cuidado? Onde está a população que utiliza o transporte urbano? Onde estão os florianopolitanos que são prejudicados com os protestos?

A posição de AN

Mesmo sediado em Joinville, A Notícia tem um caráter estadual e por isso publicou editoriais posicionando-se com relação ao problema ocorrido na Capital. Foram dois no período analisado – um no dia 3 e outro no dia 8. Do primeiro texto em que o posicionamento do jornal é publicado, o trecho destacado pela diagramação resume bem a idéia: ‘A revolta dos estudantes, como de resto de toda a população, decorre muito da forma como são anunciados os reajustes, quase sempre de inopino e sem qualquer prévia comunicação aos usuários de ônibus coletivos’. No dia 8, os editorialistas não pegaram mais leve: ‘O poder público e a classe política têm pleno conhecimento da situação, mesmo assim persistem a omissão e a ausência de medidas capazes de superar os impasses. Ou o governo cria um programa especial de subsídios, ou baixa a carga tributária, permitindo que as passagens do transporte coletivo sejam congeladas e deixem de representar ônus brutal para milhões de famílias’.

Uma boa interpretação dos fatos

Na edição de 31 de maio, o Diário Catarinense apresentou a seus leitores o RPG (Role Playing Game). O que poderia ser apenas mais uma matéria do ‘Variedades’ ganha espaço neste MONITOR DE MÍDIA por sua abordagem diferenciada. Muitos veículos têm publicado informações sobre o jogo, mas na maior parte do material produzido ele aparece vinculado a dois casos de assassinato (um ocorrido em Ouro Preto/MG e outro em Guarapari/ES).

Já o DC trouxe opiniões de especialistas na área da educação, psicólogos e professores. Assim, o texto tem informações sobre os benefícios que a prática do RPG pode trazer nos processos pedagógicos e de desenvolvimento de outras habilidades. Mostra também o cotidiano de alguns RPGistas (praticantes do jogo) e como eles vêm enfrentando o preconceito. Ouvindo especialistas, DC desmistificou o RPG e colaborou para que a construção preconceituosa sobre o jogo fosse amenizada. Um ponto para o jornal da Capital, e uma ajuda para que o RPG não tenha uma derrota, que a maioria dos meios dizem haver no jogo.

Obstáculos para o entendimento

Na edição do dia 1º, o Jornal de Santa Catarina traz a matéria ‘Há um obstáculo antes do segundo piso no shopping’ que merece ser comentada. O título passa a idéia de que existe algum problema no acesso ao segundo piso, mas o texto apresenta a impossibilidade de descer por uma rampa. O texto traz que ela não está bloqueada para deficientes ou pessoas que necessitem e o foco principal da matéria é a queda nas vendas dos lojistas na área perto da rampa em questão. Na verdade, dois lojistas. A matéria traz ainda que o bloqueio do acesso se deve a reformas. O Santa publica que a pauta foi uma sugestão do leitor. Vale a pena noticiar um problema causado por reforma dentro do shopping apenas porque foi sugerido à redação? A não ser que seja matéria quinhentos, denominação usada nas redações quando o editor prontamente derrubaria uma matéria, mas antes disso alguém lhe avisa: ‘Foi a direção que mandou’. Resta a ele responder: ‘Daí são outros quinhentos’…

A síndrome da fada azul

O leitor do Santa pôde, no dia 1º, encontrar a matéria ‘Meia-volta, caminhão!’, que traz as medidas que estão sendo tomadas em uma ponte de Gaspar para resolver o problema da passagem de veículos pesados. Pela maneira que foi pontuado o título já fica confuso. O assunto aparece também na edição do dia seguinte e o título é mais uma ‘pérola’: ‘Caminhões perdem o atalho, mas não a esportiva’. A questão é que além da confusão, o editor acabou dando vida a seres inanimados. Problema sempre apontado – inclusive por Cláudio Abramo em A regra do jogo – e muitas vezes presentes nas páginas dos diários. O Santa que o diga…

Publicidade travestida de economia

No dia 31/05, a edição do Jornal de Santa Catarina apresenta a manchete ‘Bem vindo a Texfair’ e uma foto ocupando boa parte da página. É claro que a feira de empresas têxteis tem importância na região, mas Santa não se limitou a destacá-la na primeira página e nem em apresentá-la nesta edição. Até o dia 5, o jornal publicou extenso material sobre a Texfair – chegou a ocupar metade das páginas destinadas às matérias de economia. O problema foi que o destaque foram empresas e produtos, deixando sua representação na economia da região em segundo plano. Descrevendo as empresas participantes, a editoria de economia ganhou cara de informe publicitário – e a feira teve o seu encartado na edição do dia 31.

O ranking das estradas

Matérias sobre acidentes não são novidades nas páginas dos jornais, mas a abordagem o Santa tem dado a eles nos últimos tempos é algo para ser analisado. Na edição do dia 02/06, o periódico traz a matéria ’40 vidas ceifadas’ que trata da quadragésima vítima na BR-470. Dois dias depois, a edição do dia 4-5/06 apresenta ‘Morre a 41º vítima da BR-470 em 2005’, sobre um acidente do trecho em obras em Indaial. No dia 13/06 ‘Antes da BR-470, isso foi um carro’ com a imagem de ferragens. As matérias de acidente são publicadas como parte da campanha institucional do Grupo RBS e servem como uma evidência para melhorias. Mas o teor das matérias passa a idéia de placar e pode dar a impressão de uma expectativa de aumento no número de acidentes…

Hein, cuma, ahn???

Ficou difícil, mas no final das contas, depois de muitas leituras, pode-se entender o que a reportagem de A Notícia quis dizer na matéria publicada no sábado, dia 11, realizada no Balneário Barra do Sul, intitulada: ‘Flagrado nu com menino ocupa cela interditada’. Flagrado, no caso, é o sujeito oculto de 79 anos, funcionário do cemitério municipal, que tinha a desagradável prática de convidar menininhos e pagá-los por serviços sexuais. A linha de apoio não é muito mais esclarecedora: ‘Homem de 79 anos que fazia sexo no cemitério está isolado dos presos dos banheiros em SFS’. A sigla que facilitou a vida do editor na hora de baixar, não fez o mesmo pelo leitor. Era São Francisco do Sul o seu significado. Não bastasse toda essa confusão, quem seriam os ‘presos dos banheiros’? Não se trata de uma gangue que atacava as privadas, mas fruto da superlotação da delegacia, que já abriga presos em banheiros.

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Monitor de Mídia é um projeto de acompanhamento da imprensa catarinense desenvolvido por alunos e professores do curso de Jornalismo da Univali, sob a coordenação do professor Rogério Christofoletti.