Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A virada do jovem fundador do Facebook

Os pontos principais da história de Mark Zuckerberg -a infância em Dobbs Ferry, um subúrbio ao norte de Nova York, as guerras na Universidade Harvard em torno do Facebook e a ascensão implacável no Vale do Silício, na Califórnia- já são amplamente conhecidos.

Mas a oferta pública inicial de ações (IPO, em inglês) do Facebook, de cerca de US$ 100 bilhões, dá início a um novo capítulo numa das maiores narrativas empresariais de nossos tempos. E ela deixará Zuckerberg, 28, quase inimaginavelmente rico.

Nada mau para a empresa que nem sequer existia há oito anos.

E ninguém estava mais interessado nos resultados que o próprio Zuckerberg, o mais recente numa sequência de revolucionários que começou com Gutenberg, pessoas que transformaram o modo como nos comunicamos e pensamos.

Deixando de lado as cifras capazes de dar um nó na cabeça, a pergunta que ocupa muitas cabeças é a seguinte: Zuckerberg está realmente preparado para isso? Para falar com franqueza, ele é adulto o suficiente para comandar uma corporação pública mais valiosa que o McDonald's ou o Goldman Sachs? As respostas vão determinar o futuro do Facebook e as fortunas de seus novos acionistas públicos. Pela primeira vez, Zuckerberg será julgado em tempo real pelo implacável mercado acionário.

“Você faz uma aposta e a aposta diz respeito a se o fundador da empresa é capaz de levá-la adiante”, disse Reid Hoffman, cofundador do LinkedIn, assessor de Zuckerberg e um dos primeiros a dar apoio ao Facebook. “E Zuck vem se saindo muito bem.”

Seria difícil discordar. Mas a pergunta agora é para onde Zuckerberg irá como presidente, a partir de agora. Ele se negou a ser entrevistado para este artigo, mas entrevistas com dezenas de empreendedores e investidores no Vale do Silício, além de colegas do Facebook e pessoas de fora que já atuaram como mentores de Zuckerberg, traçam um retrato promissor. De acordo com essas pessoas, Zuckerberg é um líder cada vez mais autoconfiante, uma pessoa moldada por fracassos -e houve alguns grandes-, além de sucessos espantosos.

Amigos e colegas de Zuckerberg concordam que sua meta é ser o CEO da empresa para o longo prazo. Mesmo agora, quando está prestes a receber bilhões de dólares, Zuckerberg continua intensamente consciente de suas limitações, dizem essas pessoas. Nas áreas em que é forte -o design de produtos e a estratégia-, ele tende a controlar todos os aspectos, pessoalmente. Naquelas em que é fraco -a administração cotidiana, as operações-, ele contrata pessoas que possuam mais habilidade. Zuckerberg recrutou engenheiros e administradores de primeira linha, incluindo a temível Sheryl K. Sandberg, 42, sua segunda em comando. Colegas dizem que Sandberg vem ensinando Zuckerberg, que muitas vezes é desajeitado, a interagir com funcionários e fazer os negócios do Facebook crescer.

Fora da sede da empresa em Menlo Park, Califórnia, Zuckerberg vem cultivando relações com pessoas que lhe dão conselhos, como os gigantes Bill Gates e Steve Jobs e outros tão diversos quanto Marc Andreessen, fundador da Netscape, e Donald E. Graham, presidente da Washington Post Company.

Um capitalista de investimentos conta que quando conheceu Zuckerberg, em 2005, o jovem queria mais que apenas dinheiro: queria ser apresentado a Bill Gates. (Acabou por conseguir isso por seus próprios méritos. Hoje, Gates o aconselha regularmente em questões relativas a filantropia e administração.)

“O que é mais interessante em Mark é como ele vem se desenvolvendo como líder”, diz Marc Benioff, presidente da Salesforce. Ele conhece Zuckerberg há anos. “Não apenas ele tinha uma visão incrível para esse setor, como uma visão incrível para ele mesmo.”

CEO de moletom e capuz

Às vezes, Mark Zuckerberg ainda passa a impressão de desajeitado social.

“Mark e seu moletom com capuz: ele mostra aos investidores que não está muito preocupado”, disse à Bloomberg TV Michael Pachter, analista da Wedbush Securities. “Ele vai continuar a fazer o que sempre fez. Acho isso um sinal de maturidade. Acho que Mark precisa entender que agora está chamando investidores para serem uma nova parte de sua base de apoio e terá que mostrar a eles o respeito que merece, já que está pedindo o dinheiro deles.”

Mas é inegável que Wall Street -e os 901 milhões de usuários do Facebook em todo o mundo- já se acostumaram com as excentricidades de Zuckerberg.

“Quando o assunto é aprender, ele é uma verdadeira esponja”, diz um de seus amigos, que exigiu anonimato para falar, por causa da IPO iminente. “Ele faz mais perguntas que qualquer outra pessoa que eu conheço. Tem uma visão muito clara das coisas que domina bem e daquelas nas quais ele é entre mediano e medíocre.”

Joe Green, que foi colega de quarto de Zuckerberg em Harvard, diz que Zuckerberg é tão autoconfiante que muitas vezes passa a impressão de estar distante.

“Você pode enxergar isso como algo ruim, mas o fato é que é preciso possuir um grau irracional de autoconfiança para lançar algo como o Facebook”, disse Green, fundador da Causes, um app popular do Facebook.

Talvez não seja surpresa o fato de Zuckerberg ser fascinado pela antiguidade grega e romana. Quando era garoto, um de seus videogames favoritos era “Civilization”, no qual o objetivo é “construir um império”.

Um amigo dele comentou que “Civilization” foi “um treinamento para lançar o Facebook”.

Uma lição perigosa

Mas, em 2006, Zuckerberg quase perdeu controle da empresa. É um episódio que, desde então, ele passou a enxergar como um de seus maiores tropeços como CEO.

Na época, o presidente do Yahoo Daniel L. Rosensweig estava cortejando o Facebook com insistência, na esperança de que o Yahoo conseguisse comprá-lo. O preço que Zuckerberg pediu foi US$ 1 bilhão.

Zuckerberg desistiu do negócio e jurou que nunca mais repetiria o mesmo erro. “Se você não quer vender sua empresa, não entre em um processo de falar com pessoas sobre a venda de sua empresa”, disse ele numa conferência na Universidade Stanford, na Califórnia, em setembro passado. Ele expulsou do Facebook seus colegas que eram a favor da transação com o Yahoo.

Sua convicção se evidenciou quando o Facebook enfrentou as questões espinhosas relacionadas à pirataria on-line. Quando o Facebook lançou o News Feed, em 2006, muitos usuários ficaram ultrajados pelo fato de que suas homepages passariam automaticamente a divulgar toda mudança no perfil e toda atividade.

Zuckerberg acabou por pedir desculpas, mas deixou o News Feed mais ou menos como estava. O Beacon, um programa publicitário que divulgava automaticamente as compras feitas por consumidores em sites como Amazon e Facebook, foi um fracasso. Zuckerberg o abandonou e mais tarde resolveu uma ação coletiva relacionada ao programa, pagando US$ 9,5 milhões para criar uma fundação de defesa da privacidade. E, então, ele seguiu adiante.

“O sujeito é incansável”, diz um ex-funcionário do Facebook. “Se algo não funciona de uma maneira, ele insiste em tentar de outra.”

Em 2005, Zuckerberg procurou a Washington Post Company para ver se ela investiria no Facebook.

Como David Kirkpatrick relatou mais tarde em “The Facebook Effect”, algo que chamou a atenção de Zuckerberg foram as diferenças entre a Post Company e as empresas de tecnologia do Vale do Silício. “Fiquei espantado com a diferença de cultura. O foco (no Washington Post) é no longo prazo”, disse Zuckerberg no livro.

Mais tarde, Zuckerberg passaria quatro dias acompanhando Donald Graham, assistindo a reuniões para aprender como é comandar uma empresa grande.

A empresa acabou negando-se a investir, mas Zuckerberg ficou impressionado não apenas com a visão de longo prazo de Graham mas também com a estrutura de acionistas da Post Company. Ela possui duas classes de ações, conferindo poder de voto importante à família Graham.

Zuckerberg emulou essa estrutura. Ele será dono de uma participação minoritária da empresa, mas vai controlar mais de metade do poder de voto.

Sean Parker, fundador da Napster, também deu lições valiosas a Zuckerberg. Parker, que hoje tem 32 anos, ajudou a criar documentos legais que garantiram a Zuckerberg duas vagas no conselho de direção do Facebook (ele próprio, Parker, ficou com uma). Enquanto Zuckerberg tivesse um lugar, suas ações não poderiam ser tiradas dele. Quando Parker deixou o Facebook, deu seu lugar no conselho a Zuckerberg.

Zuckerberg procurou a ajuda de Steve Jobs desde cedo. Os dois faziam caminhadas na sede da Apple, em Palo Alto, apesar de suas eventuais rivalidades comerciais (Zuckerberg ficou inspirado pelos designs da Apple e fez as conferências F8, do Facebook, seguirem o exemplo das conferências anuais Macworld). Ele adotou o modo de recrutamento seguido por Steve Jobs, levando os candidatos a caminhar por trilhas arborizadas perto do escritório e se sentar num mirante.

“Ele apontou para a sede da Apple, para a Hewlett-Packard e para várias outras grandes companhias de tecnologia”, contou no ano passado uma pessoa recrutada por Zuckerberg. “Então apontou para o Facebook e disse que, com o tempo, ela seria maior que todas as empresas que ele tinha acabado de mencionar e que, se eu entrasse para a empresa, poderia ser parte de tudo isso.”

Negociador hábil

“Não precisamos envolver advogados. Vamos conversar só nós.” São essas as palavras que Zuckerberg emprega num primeiro contato com uma empresa que queira adquirir. Nos últimos oito anos, o Facebook já comprou várias startups, como FriendFeed, Snaptu e Gowalla. Em abril, anunciou que compraria a Instagram por US$ 1 bilhão. Como presidente, Zuckerberg comprovou que é um ótimo negociador.

“Mark sabe convencer empresas que vai adquirir que elas devem aceitar um acordo baseado na avaliação projetada”, diz um CEO.

Neste momento, Mark Zuckerberg nunca esteve mais seguro -nem tampouco, em vista da IPO, mais exposto. Segundo relatos, ele tem poucos amigos íntimos fora da empresa. Tem uma namorada e um cachorro. Às vezes, Zuckerberg e alguns assessores jogam hóquei sobre patins diante da sede da empresa. Eles preparam seus lances com cuidado. E jogam para ganhar.

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[Evelyn Rusli, Nicole Perlroth e Nick Bilton, do The New York Times]