Wednesday, 16 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Facebook não respeita as leis de privacidade europeias

Em 2011, um austríaco com então 23 anos resolveu desafiar o Facebook. Max Schrems, estudante de direito em Viena, evocou as leis europeias de proteção da privacidade para pedir cópia de todas as informações que a rede social guardava sobre ele.

A resposta veio num dossiê de 1.222 páginas. Além do que o próprio Schrems compartilhava com os amigos, o site armazenava uma pilha de dados à sua revelia, como uma lista dos locais de onde ele acessou o site e os comentários que havia apagado.

A experiência levou Schrems a fundar o grupo Europa Contra o Facebook (Europe vs Facebook, em inglês), que cobra respeito às regras de privacidade dos usuários.

A entidade já teve algumas vitórias, como obrigar o Facebook a desativar uma ferramenta que identificava automaticamente o rosto das pessoas em fotos de terceiros.

Os alertas de Schrems ganharam importância depois que o jornal britânico "Guardian" acusou a rede social de repassar dados para o sistema de espionagem americano Prism, o que a empresa nega. Leia os principais trechos de entrevista concedida à Folha no sábado.

Por que você decidiu declarar guerra ao Facebook?

Max Schrems– Apresentei a primeira queixa depois de descobrir que o Facebook guardava dados que eu já havia apagado da minha conta. Eles desrespeitam de várias maneiras as leis da União Europeia sobre privacidade. Para fugir dos impostos, o Facebook mantém a sua sede comercial na Irlanda. Isso faz com que, fora da América do Norte, o site tenha que se enquadrar às leis europeias.

Sua organização indicou vários pontos em que a rede social descumpre essas leis. O que precisa mudar?

M. S.– Já apresentamos 22 queixas sobre temas diferentes. Cada uma delas requer mudanças específicas. Nós não fizemos isso só por reclamar, mas também para mostrar que é possível manter uma rede social que respeite a privacidade das pessoas.

Você pediu cópia de suas informações armazenadas pelo Facebook e recebeu um dossiê de mais de 1.000 páginas. Que tipo de dados eles guardam?

M. S.– Descobri que eles também armazenavam informações que já haviam sido deletadas ou que foram produzidas e arquivadas sem o meu conhecimento.

Esta é a questão mais controversa. O Facebook espiona usuários e não usuários da rede e tem mais informações do que as pessoas publicam em seus perfis.

Eles também recolhem dados sobre você a partir dos seus amigos e conseguem descobrir coisas através de sistemas estatísticos, que são usados em larga escala.

É possível saber o que o Facebook está fazendo com os dados pessoais de seus usuários?

M. S.– Não. A maior ameaça à privacidade é que nós não temos nenhum controle sobre o que eles fazem com esses dados em seus servidores dos Estados Unidos.

As empresas têm criado suas próprias políticas de privacidade na internet, mas normalmente elas são tão vagas que permitem que se faça qualquer coisa com as suas informações pessoais.

É sabido que o Facebook mantém um histórico das atividades e dos gostos de cada usuário e processa esses dados para escolher os anúncios que aparecem em sua tela. O que mais eles conseguem fazer?

M. S.– Isso também não está claro. Um exemplo: eles usam informações do nosso histórico para só nos mostrar o que gostamos de ver. Isso significa que opiniões diferentes das nossas são filtradas para que a gente não se irrite com o conteúdo que aparece quando abrimos o Facebook.

É uma espécie de "censura de bem-estar" na rede. O Facebook coopera quando recebe pedidos ligados a investigações policiais em diversos países, o que é legítimo. Mas agora sabemos que todos os dados estão sendo usados por órgãos de espionagem do governo americano.

Mark Zuckerberg disse ter ficado indignado com as notícias ligando a rede social ao sistema Prism. Você acredita que a inteligência do governo americano tenha acesso direto aos servidores do site?

M. S.– Eu apostaria meu dinheiro nisso, e acho que seria uma aposta segura. Os EUA já admitiram a existência do Prism. A única alegação deles é que os alvos não são cidadãos americanos. Para mim, que não sou americano, não é uma resposta satisfatória.

Até aqui, não surgiram indícios fortes para desmentir a informação de que o Facebook participa desse esquema de vigilância maciça.

Além disso, sob as leis americanas, você é obrigado a mentir sobre a sua colaboração com esse tipo de esquema. Não vejo motivos para acreditar que a versão deles seja verdadeira.

Que recomendações daria aos usuários brasileiros do Facebook preocupados com sua privacidade?

M. S.– Acho que agora todos já sabem que é bom pensar duas vezes antes de publicar algo na internet. Individualmente, não há muito o que fazer. Temos que cobrar a criação e o fortalecimento de leis que protejam a privacidade para que essas novas tecnologias voltem a merecer confiança.

Uma ministra na Venezuela sugeriu que a população abandone o Facebook para não trabalhar de graça para a CIA. O que acha desse tipo de recomendação?

M. S.– O problema prático é que não há alternativas reais. Se você sair individualmente do Facebook, possivelmente vai tentar levar seus amigos para outra rede social.

A única solução real seriam redes sociais abertas, em que você pudesse interagir com pessoas que estão em outras redes. Da mesma maneira que pode mandar um email de um provedor para outro ou ligar para um telefone de outra operadora.

Você ainda usa o Facebook?

M. S.– Sim. Acho que deixar os serviços que nos espionam não é a solução. Na verdade, você mal consegue usar a internet sem fornecer dados ao Google, à Apple, à Microsoft, à Amazon ou ao Facebook. Temos que fazer com que as empresas respeitem a nossa privacidade, e não passar a nos autocensurar.

Está satisfeito com os resultados da sua campanha? Qual é seu objetivo final?

M. S.– Já conseguimos que o Facebook desativasse o sistema de reconhecimento facial fora da América do Norte. Eles também tiveram que deletar dados antigos, formular uma nova política de privacidade e montar uma equipe de 15 pessoas só para lidar com as nossas queixas.

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Bernardo Mello Franco, da Folha de S.Paulo, em Londres